Pessoas em diferentes fases de suas vidas encontram em imóveis de pequenas dimensões a solução para residir em bairros mais próximos aos seus empregos, comodidades, lazer e do transporte público. Novos formatos familiares e a alta dos preços das unidades contribuem para o aumento da procura por essas habitações.
A escolha de onde morar passa por uma série de critérios, sendo o tamanho dos imóveis, a localização (distância que eles ficam do trabalho, serviços, entretenimento e transporte coletivo) e o valor são os que mais pesam na hora da decisão. Diante desse cenário e das modificações sociais e econômicas dos últimos tempos, uma tendência no mercado imobiliário vem registrando elevação, especialmente, nas metrópoles: a busca por microapartamentos. Somente na cidade de São Paulo o número dessas unidades foi de 461 em 2016 para 16.261 em 2022, conforme levantamento realizado pelo Secovi-SP e destacado pelo jornal O Estado de São Paulo. O estudo apontou ainda que o crescimento nesse período foi de 3.427%.
Essa procura seria uma resposta urbana para um problema dos municípios, na opinião da professora de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (USP), Suzana Pasternak, entrevistada pelo veículo. Para ela, os indivíduos querem reduzir o tempo que gastam se deslocando para fazerem suas tarefas diárias e se divertirem. Os microapartamentos, salienta ela, são as residências que essas pessoas conseguem pagar nessas regiões com melhor infraestrutura. Essa nova demanda, afirma a professora, foi identificada pelas construtoras que estão erguendo mais prédios com esse tipo de habitações.
Além da questão da proximidade entre moradia e outras atividades do cotidiano, o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante, recorda que o planejamento urbano no País foi desenvolvido para uma estrutura familiar que é cada vez menos preponderante: a de um núcleo grande, com muitos filhos. “Isso está mudando. Os lares devem ser pensados também para quem se separa, viúvos, aqueles que estão começando a carreira profissional, idosos que não querem ficar em amplos apartamentos e para famílias pequenas”, reforça.
A quantidade de indivíduos que vivem sozinhos nos dias de hoje deve ser considerada pelos planejadores urbanos na definição das regras que irão orientar a expansão das localidades e das edificações. No último censo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), do total de 74,1 milhões de domicílios analisados, 11,8 milhões (15,9%) tinham apenas um residente em 2022, relata O Estado de São Paulo. Esse é o maior índice registrado pelo IBGE desde o início da verificação desse dado, em 2012, quando foi apurado que 12,2% das casas contavam com um só habitante.
Outro público dos microapartamentos, ressaltado por Cavalcante, são os migrantes, sejam eles classe média, média alta ou pobres. “Eles chegam e ficam em um lugar com um quarto para se ambientar ao novo município. Depois de um tempo, eles veem em que bairro querem viver e buscam um imóvel com mais calma. E para as pessoas com renda mais baixa, é muito importante para quem vai para uma localidade e não possui recursos ter um teto. Essas unidades micro cumprem essa função. Mas, é uma situação transitória, até que elas consigam se organizar”, explica.
O coordenador do Somos Cidade acrescenta que um microapartamento possui, em média, de 15 metros quadrados a 20 metros quadrados e é composto, geralmente, por um quarto, banheiro e cozinha privados e outros espaços compartilhados, como lavanderia – alguns prédios podem ter a parte de alimentação também dividida entre vizinhos. Um item assinalado por Cavalcante é que os indivíduos devem ter liberdade para escolher onde querem morar e que cada um irá fazer a sua opção a partir do que é mais adequado para sua realidade e daquilo que eles podem pagar.
“O planejamento urbano nacional foca na questão do tamanho das residências, determinando requisitos mínimos de área, mas esse é somente um aspecto a ser considerado”, argumenta. Segundo ele, muitos vão sacrificar a dimensão do seu lar para perder menos tempo no transporte diariamente, ficar mais perto de lugares públicos e onde possam caminhar e pedalar com segurança, assim como para ter uma maior interação social. “Qualidade de vida não se restringe ao tamanho do apartamento. O mix dimensão, distância (para o emprego e amenidades) e valor das habitações é algo muito dinâmico e que afeta a decisão sobre onde morar”, sustenta.
Para Cavalcante, é muito arbitrário definir politicamente os requisitos daquilo que é digno para alguém viver. “O tamanho mínimo do lote, do imóvel, do quarto, isso é impossível de acertar, porque cada ser humano, cada família, tem uma necessidade diversa. Esse é o tipo de coisa que os clientes têm que dizer o que querem”, enfatiza. Quando o poder público exige condições mínimas para as unidades acima da capacidade de pagamento das pessoas, frisa Cavalcante, isso faz com que elas tenham que residir em uma região muito distante dos centros urbanos e, muitas vezes, em situações de informalidade que prejudicam a qualidade de vida.
Alterações nas leis podem aumentar disponibilidade de habitações e beneficiar distintos públicos
A falta de moradias em inúmeros municípios pelo mundo e os preços elevados dos imóveis, tanto para compra como para a locação, tornam a missão de encontrar uma casa cada vez mais desafiadora. É nesse contexto de encarecimento das unidades e de taxas de juros altas que os microapartamentos aparecem como uma alternativa para públicos com demandas variadas. “Se fosse liberada a construção desse formato de residências em áreas centrais, dotadas de infraestrutura e serviços, as ofertas de moradias cresceriam”, pontua o coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante.
Nos Estados Unidos, onde alguns estados enfrentam uma grave crise habitacional e a expansão da população em situação de rua, foram aprovados projetos de lei para permitir que microapartamentos sejam erguidos, como mostra reportagem da Associated Press (AP). No estado de Washington, os legisladores estão diminuindo as exigências que, durante anos, limitaram a edificação de pequenos imóveis. De acordo com a publicação, as novas normas estabelecem que a maioria das localidades autorize esse tipo de construção em prédios residenciais com, pelo menos, seis unidades. A previsão é que a regra entre em vigor no final de 2025.
As modificações têm como objetivo liberar moradias com cerca de um terço do tamanho de um apartamento do estilo estúdio (no Brasil, eles têm, em média, entre 20 e 30 metros quadrados) e, com isso, tentar conter a alta dos valores das casas, aumentar o estoque de imóveis e disponibilizar residências acessíveis para as classes de menor renda e indivíduos sem-abrigo. Uma pesquisa feita pela National Low Income Housing Coalition (Coalizão Nacional de Habitação de Baixa Renda), publicado em março deste ano, revelou que inquilinos com rendimentos extremamente reduzidos, que estão abaixo das diretrizes federais norte-americanas de pobreza ou que ganham 30% da renda média da área, lidam com uma escassez de 7,3 milhões de unidades para alugar a preços acessíveis. Essas famílias, complementa o levantamento, representam 11 milhões – em torno de 25%– dos locatários dos Estados Unidos.
Em Seattle, por exemplo, que fica no estado de Washington, a estimativa é de que existam mais de 3,8 mil famílias desabrigadas com crianças – uma das taxas mais altas daquela nação. A matéria da AP lembra que as moradias de quarto individual, como as que eram alugadas em pensões para trabalhadores de baixa renda, operários ou temporários nos Estados Unidos no início do século XX, começaram a desaparecer nos anos logo após a 1ª Guerra Mundial devido a um projeto de renovação urbana e ao foco que passou a ser dado às casas unifamiliares suburbanas.
No Oregon, o projeto de lei aprovado pelos legisladores em 2023 determina que os governos municipais permitam que imóveis de quartos individuais sejam erguidos em bairros zoneados para uso residencial. A medida está em vigor desde janeiro deste ano. A organização sem fins lucrativos Central City Concern, que fornece serviços para pessoas sem-abrigo e fica sediada em Portland, aluga mais de 1 mil habitações desse formato, subsidiados ou não, para cidadãos com rendas consideradas extremamente baixas, auxiliando-os a terem acesso a um lar.
Estudo investiga perfil dos moradores de microapartamentos no Brasil
As unidades muito pequenas, aquelas com menos de 30 metros quadrados, são bastante disseminadas em outras nações, como no Japão e na Coreia do Sul, como destaca reportagem do g1. Um dos símbolos das edificações dessa modalidade, agrega a publicação, é o Nakagin Capsule Tower, que ficava em Tóquio (Japão). Criado pelo arquiteto Kisho Kurokawa, em 1972, o prédio contava com 140 cápsulas de 10 metros quadrados cada. Em 2022, a construção foi demolida e algumas estruturas devem ser utilizadas como acomodação ou como instalações em museus de diferentes países, informa matéria do ArchDaily.
Em território nacional, os microapartamentos atuais são as “nossas antigas quitinetes”, comparou a professora de Arquitetura e Urbanismo da USP, Suzana Pasternak, na entrevista para o jornal O Estado de São Paulo. O coordenador do Somos Cidade comenta que a tendência de maior busca por esse tipo de imóvel pode ser sentida também na procura por apartamentos de aluguel de curta e longa temporadas e das Unidades Não-Residenciais (NR) – que são habitações para fins de negócios, como escritórios, lojas e moradia de médio e curto prazos. “São indivíduos que necessitam de um local pequeno, em geral, por um determinado tempo. Esses espaços ficam em prédios com uma boa estrutura de ambientes comuns, que dão o suporte para as atividades do dia a dia, e no seu entorno há opções de serviços e amenidades”, descreve.
Para entender quem são os novos inquilinos dos microapartamentos, a Quinto Andar – empresa que atua na locação e venda de imóveis – fez uma pesquisa com clientes que vivem em lugares com menos de 30 metros quadrados. Efetuado em 2022, em São Paulo (SP), o levantamento entrevistou mais de 175 pessoas de diversas faixas etárias. A maioria dos residentes é jovem, com idades que vão dos 21 aos 39 anos. As menores taxas foram encontradas entre aqueles com 18 a 20 anos (que representam 3,4% do total) e os com mais de 50 anos (8%). Além disso, 80% dos habitantes vivem sozinhos.
Entre os motivos para morar em um microapartamento apareceram: independência (47,4%), proximidade com o trabalho (44,6%), unidade mobiliada (36%), oferta de transporte público (32,6), economia (24%), mais tranquilidade (16,6%), mais acesso a serviços e comércio (15,4%) e mais segurança (11,4%). Os dados indicam o percentual de vezes que cada razão foi citada pelos entrevistados. A localização dos imóveis, combinada à oferta de transporte e ao valor do aluguel, foram as principais vantagens desse tipo de residência observadas no estudo.
Outros pontos que surgiram durante os questionamentos foram que 21% dos habitantes declararam que não tinham um microapartamento em mente quando iniciaram as buscas de suas moradias e que viver sozinho se mostrou um fator relevante na satisfação final dos participantes da pesquisa. Em média, o retorno positivo com a unidade é maior entre aqueles que estão sós do que os que dividem o espaço com mais uma pessoa. A oferta de comodidades no condomínio é mais um aspecto que eleva a satisfação com o imóvel. A Quinto Andar descobriu ainda que a maioria dos clientes pretende se mudar nos próximos 12 meses. Entre aqueles que estão contentes com a sua casa, grande parte deles não deseja procurar um novo lar.
Entre os insatisfeitos, 66% afirmaram querer encontrar um apartamento nos próximos seis meses. E entre os que pretendem buscar outra residência no futuro, 70% ponderaram que procuram uma habitação um pouco maior que a atual, confirmando o caráter temporário que essas moradias têm para muitos indivíduos, que vão se mudando conforme vão passando para outras etapas da vida e elevam as suas rendas.
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