O lugar onde se reside afeta a experiência que se tem em uma cidade. Por isso, conhecer o que cada área tem é fundamental para escolher onde viver. Locais mistos, dinâmicos e que fiquem perto de amigos geram um grande impacto no bem-estar das pessoas e também devem ser considerados na hora de definir onde morar.
As lojas, os serviços, cafés, escolas, restaurantes, espaços verdes e de lazer, o desenho das ruas e as opções de trabalho presentes nos quarteirões próximos à região eleita para viver irão influenciar o dia a dia de seus habitantes e as diferentes escolhas que serão feitas por eles no que se refere à mobilidade, socialização, diversão e ao consumo, por exemplo. Por ser o ambiente em que os indivíduos passarão a maior parte do seu tempo, conhecer a infraestrutura existente no entorno é um dos principais critérios a serem analisados no momento de decidir onde alugar ou comprar um imóvel – em conjunto com os preços e os tipos de unidades ofertados.
Definir o bairro é mais relevante que o município onde morar, defende o desenvolvedor imobiliário e criador do site Live Near Friends, Phil Levin. Ele justifica essa afirmação explicando que todas as coisas disponíveis nos cinco quarteirões da casa de uma pessoa são as que dominarão a sua experiência diária e a maneira como ela se apropriará da cidade. Por isso, escolher a vizinhança onde residir e participar das atividades comunitárias, ajudando a qualificar a sua área, são tão significativas em sua opinião.
Levin acredita também que as localidades devem contar com lugares distintos entre si, o que torna os espaços mais interessantes e permite que os habitantes elejam o bairro que melhor representa as suas preferências e personalidade – assim como atende aos seus parâmetros financeiros. O empreendedor considera ainda que muitas comunidades caem na armadilha de fazer um “copiar/colar” de estabelecimentos comerciais e de imóveis, deixando as regiões repetitivas e monótonas. Os bairros se tornam especialmente importantes quando são completos, possuem múltiplas comodidades e conveniências a uma curta distância, complementa Kaid Benfield, consultor sênior da PlaceMakers LLC, consultoria em planejamento urbano, em artigo para o Smart Cities Dive.
Conforme ele, se as áreas metropolitanas representam a escala econômica dos municípios, as comunidades são a sua escala humana, onde os indivíduos dormem, comem, fazem suas compras, têm encontros casuais com vizinhos, vão a uma biblioteca ou a um parque e onde também acontece o desenvolvimento territorial, com novos prédios e instalações sendo propostos, debatidos e construídos. Benfield reforça ainda que uma das formas mais eficazes de diminuir as emissões de gases de efeito estufa é revitalizar os bairros antigos, que são mais centrais e reúnem empregos, moradias, serviços e lazer – estimulando as pessoas a caminharem, pedalarem e utilizarem o transporte público em seus deslocamentos em vez dos carros particulares. Lugares onde o uso misto é liberado tendem a ser mais diversificados e dinâmicos, com uma vida urbana mais intensa.
Outro fator que começa a ganhar mais relevância na decisão de onde residir, segundo Levin, é estar em uma comunidade perto dos amigos. Uma demanda que vem crescendo nesse período de pós-pandemia e de aumento do número de indivíduos trabalhando remotamente. O Live Near Friends, inclusive, foi idealizado com o objetivo de auxiliar as pessoas nessa meta, como detalha o empreendedor em matéria do Vox. O site agrega habitações para locação e compra que ficam a cinco minutos a pé de um determinado CEP, funcionando como uma ferramenta simplificada para quem está pensando em fazer essa mudança.
Os norte-americanos, ressalta a publicação, passam cada vez menos tempo com os seus familiares e círculo de amigos em comparação com qualquer outro período da história dos Estados Unidos. Em 2023, o Conselho de Cirurgia-Geral daquele país emitiu uma declaração oficial apontando a solidão atual como uma “epidemia” que rivaliza tanto com o tabagismo como com a obesidade em relação aos seus reflexos na saúde. A carência de ambientes sociais e de atividades comuns, como as realizadas em clubes ou associações comunitárias ou religiosas, combinada à falta de confiança nos outros acentuam esse cenário.
Pesquisa elaborada pelo Pew Research Center e divulgada pelo Vox mostra que 57% dos indivíduos com idades entre 30 e 49 anos conheciam apenas alguns de seus vizinhos, enquanto que 23% dos entrevistados com menos de 30 anos diziam não saber quem era qualquer um de seus vizinhos. O caminho para alterar essa realidade, na visão do médico, escritor e criador da Fundação para Arte e Cura, Jeremy Nobel, é encontrar amigos que morem a menos de 800 metros de distância e se envolver em iniciativas comunitárias ou então recrutar conhecidos para viverem no seu bairro.
Ao estar perto dos amigos a chance de vê-los mais é maior. A ideia segue o princípio de que é mais fácil ir a uma academia ou praticar uma atividade física se a pessoa estiver próxima de uma praça, parque ou estabelecimento dessa natureza do que ter que fazer um grande percurso para acessar esses espaços. O mesmo se aplica aos encontros sociais nos dias de hoje, quando se passa mais tempo marcando algo e fazendo o trajeto até algum ponto que funcione para todos do que se reunindo. Apesar da vontade que muitos podem ter de colocar isso em prática, a reportagem lembra que achar unidades ofertadas no entorno dos amigos nem sempre é algo viável ou acessível, principalmente em cidades muito procuradas, como é o caso da Bay Area, em São Francisco, citado pela publicação, onde o valor médio de uma casa era de 1,25 milhão de dólares em fevereiro deste ano.
Experiência na Califórnia: uma comunidade formada por amigos
Reunindo 19 adultos, quatro bebês, seis edificações de formatos diferentes e dez imóveis, além de um jardim, spa, cozinha e uma sala de convivência compartilhados, Radish, em Oakland (Califórnia, EUA), é a materialização do desejo do empreendedor Phil Levin de residir cercado de amigos. Definido por seus integrantes como uma comunidade intencional de indivíduos que acreditam que se é mais feliz quando se vive cercado por quem se ama e admira, como apresentam em seu site, o minibairro dentro da região de Temescal/Longfellow foi fundado em 2019 e todos os seus habitantes são coproprietários do lugar.
Radish foi possível, relata a matéria do Vox, devido a algumas circunstâncias positivas, como Levin ter um grupo que aceitou sua proposta e a aprovação de uma lei estadual da Califórnia que possibilitou que mais de uma moradia fosse erguida em um lote através das Unidades de Habitação Acessórias. Com experiência na área imobiliária, o desenvolvedor faz parte também da equipe que concebeu a Culdesac, uma incorporadora que ergue comunidades de grande porte sem automóveis em algumas das cidades mais dependentes dos veículos nos Estados Unidos.
O primeiro projeto nesse segmento foi idealizado em Tempe (Arizona), um bairro de apartamentos para aluguel sem carros. A retirada dos estacionamentos do complexo, informa o Vox, liberou mais espaço para a implementação de ambientes comuns, jardins, parque para cachorros, churrasqueiras, piscina e mais calçadas e ciclovias. A ação conta ainda com uma variedade de negócios: mercados e restaurantes locais, lojas de roupas, acessórios e produtos caseiros e serviços no setor de bem-estar. Também lançado em 2019, o conjunto residencial de 140 milhões de dólares, de acordo com a publicação, possui cerca de 200 moradores e a perspectiva é de receber mais 800.
Na mesma linha do Radish, o Vox destaca outros empreendimentos que focam em viver junto aos amigos, como o Fractal, no município de Nova York. A comunidade vem sendo estabelecida, desde 2022, em um prédio de apartamentos do bairro East Williamsburg, no Brooklyn. Há cerca de dois anos, a engenheira de software Priya Rose, cofundadora do Fractal, e suas amigas escolheram se mudar para as unidades disponíveis nesse edifício. No início deste ano, em torno de 30 membros do grupo se instalaram em dez dos 72 imóveis existentes na construção.
Em um dos apartamentos maiores foi criado um lugar compartilhado por todos os integrantes do Fractal, que pode ser acessado a qualquer momento para trabalhar ou interagir socialmente. Mais recentemente, começaram a ser disponibilizadas aulas abertas ao público, nas quais os participantes da comunidade ensinam pintura, poesia e explicam como as pessoas podem morar perto de seus amigos e montar as suas próprias iniciativas.
Como transformar os bairros em regiões mais qualificadas?
Se a infraestrutura presente no entorno é um dos elementos que mais deveriam pesar na hora de definir em que área residir, desenhar esses espaços para serem vibrantes, eficazes e atraírem mais habitantes é um grande desafio para planejadores urbanos, tomadores de decisão de órgãos públicos e empreendedores. Para a organização sem fins lucrativos Project for Public Spaces (PPS), a chave para isso é contar com distintos bons locais dentro de uma mesma comunidade, onde os cidadãos possam relaxar, se divertir e se encontrar. Ainda conforme a entidade, quando bem pensados, esses ambientes promovem a socialização e acabam virando o coração do bairro.
Além disso, esses lugares devem oferecer uma multiplicidade de atividades para serem feitas por indivíduos de diversas idades, assim como devem ser confortáveis e atraentes. Mobiliário urbano convidativo, paisagismo e iluminação adequada são itens que colaboram na missão de conceber bons espaços e comunidades melhores. Isso sem falar que regiões bem cuidadas e frequentadas passam uma sensação maior de segurança, o que acaba atraindo mais pessoas.
A acessibilidade é outro ponto a ser considerado ao idealizar um bairro, as áreas devem estar instaladas a uma curta distância das casas, serviços, comércios e do transporte coletivo. Esses ambientes precisam ser facilmente identificados e simples de entrar e sair, dessa forma, salienta a PPS, eles serão mais utilizados. Calçadas amplas, ciclovias, espaços verdes, fachadas ativas, uso misto, edificações diferentes e várias comodidades também tornam as comunidades mais interessantes e aprimoradas.
Uma maneira defendida pela organização para implementar essas melhorias nos bairros é através do placemaking, envolvendo os indivíduos que irão usufruir desses lugares nas deliberações sobre essas áreas. Essa ferramenta multidisciplinar alia planejamento, desenho urbano, arquitetura e gestão dos ambientes e foi disseminada mais intensamente a partir da segunda metade dos anos 1990 pelo Project for Public Spaces. No entanto, essa visão de que os municípios devem ser mais convidativos e ter as pessoas como protagonistas já era difundida por pensadores como Jane Jacobs e William “Holly” Whyte na década de 1960, como assinala reportagem do Somos Cidade. O placemaking pode ser empregado tanto para pensar uma comunidade inteira como uma rua ou uma praça, definindo espaços acolhedores e bem conectados a outros pontos importantes da região – chamando a atenção de novos moradores.
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