zoneamento

A lei de uso e de ocupação do solo no país asiático é centralizada no governo da nação e possui 12 tipos de zonas. A oferta de mais imóveis e o desenvolvimento de comunidades caminháveis são apontadas como as principais vantagens desse modelo, que também apresenta desafios como o tamanho reduzido e a curta vida útil das unidades.

Com uma abordagem diferente da maioria dos países, o Japão possui um sistema de zoneamento urbano que possibilita uma maior diversidade na maneira como os territórios são utilizados, permitindo em uma mesma área residências unifamiliares, prédios baixos, escolas, clínicas, pequenos negócios e escritórios. Essa foi a estratégia encontrada pela nação oriental para fomentar o crescimento de municípios compactos, acessíveis, caminháveis, de baixo carbono e com uma quantidade maior de habitações disponíveis, detalha o fundador do Sightline Institute, Alan Durning, em artigo.

Enquanto no Brasil, Estados Unidos, Canadá e em boa parte dos países do mundo, as normas de uso e ocupação do solo são determinadas pelas gestões locais e há uma separação mais rígida entre moradia, comércios e indústrias, no Japão elas são centralizadas pelo governo nacional e estabelecem a utilização mista na maioria das regiões das cidades, incluindo naquelas com mais restrições. A primeira lei japonesa nesse segmento data de 1919 e tinha somente três zonas, conforme salientam os professores Andre Sorensen, Junichiro Okata e Sayaka Fujii, das universidades de Toronto, Tóquio e Tsukuba, respectivamente, ao Sightline Institute.

Em 1968, esse número subiu para oito categorias e, desde 1992, a nação conta com 12 tipos de zoneamento definidos pelo Ministério da Terra, Infraestrutura, Transporte e Turismo do Japão (MLIT), sendo sete deles residenciais, dois comerciais e três industriais. Durning acrescenta que a administração do país controla ainda os códigos de construção, que traçam os limites de altura e de recuos das edificações, assim como as regras relacionadas ao “plano inclinado”, que asseguram o acesso à luz solar e são, em geral, o fator mais importante para indicar o tamanho que um prédio pode ter na nação.

Apesar da concentração das decisões urbanas nas mãos do governo federal japonês, cabe às gestões municipais a divisão dos seus territórios entre as 12 zonas. No entanto, esses planos para a configuração das localidades também precisam ser aprovados pelas autoridades nacionais. Um dos diferenciais das normas nipônicas, em comparação com as de cidades norte-americanas, por exemplo, que têm sua paisagem ainda marcada pelos bairros com casas unifamiliares implementadas em grandes lotes, é que mesmo na categoria habitacional de baixa densidade e com mais restrições é liberado instalar um negócio junto à moradia, desde que o lugar destinado para o empreendimento tenha menos de 50 metros quadrados e seja menor que a metade da área total do imóvel, descreve Greg Lam, canadense que vive em Tóquio e fala sobre as curiosidades do Japão no seu canal no YouTube: Life Where I’m from.

No vídeo sobre a lei de uso e ocupação do solo, publicado em 2021 e que já conta com mais de 546 mil visualizações, Lam comenta que é por causa dela que é possível ver residências com lojas, mercadinhos ou máquinas automáticas ou de bebidas no térreo. Ele observa também que a formulação de regras simples e claras para todo o país oportuniza que as pessoas tenham a liberdade de erguer o que quiserem em seus terrenos – seguindo os critérios pré-determinados –, bem como oferece mais segurança aos desenvolvedores imobiliários, que enfrentam menos resistência de associações de moradores e de grupos de Nimby (do inglês Não no Meu Jardim).

Conheça os 12 tipos de zoneamento do Japão

Saiba o que pode ser construído em cada grupo, segundo detalha material do MLIT.

Categoria I – Exclusivamente zona residencial de baixo crescimento

Nessas regiões é permitida a edificação de pequenos prédios e casas e podem ter lojas e escritórios, escolas, jardins de infância, clínicas, igrejas e santuários.

Categoria II – Exclusivamente zona residencial de baixo crescimento

Esses bairros podem contar com as mesmas habitações do grupo anterior, além de edifícios comerciais com até 150 metros quadrados de área útil, nos quais podem funcionar também restaurantes e outros empreendimentos.

Categoria I – Zona residencial orientada para arranha-céus médios/altos Ambientes nos quais é autorizada a construção de moradias e prédios habitacionais de médio e alto porte, de hospitais, universidades e edifícios comerciais de até 500 metros quadrados.

Categoria II – Zona residencial orientada para arranha-céus médios/altos

Espaços destinados para casas médias e prédios habitacionais altos, assim como para hospitais, universidades e edificações de lojas e escritórios com até 1,5 mil metros quadrados que tragam comodidades para a população.

Categoria I – Zona residencial

Regiões onde são permitidos moradias e prédios de maior porte. Os empreendimentos podem ter ainda comércios, escritórios e hotéis com até 3 mil metros quadrados.

Categoria II – Zona residencial

Essas comunidades liberam, além das construções do grupo anterior, a presença de karaokês – estabelecimentos famosos entre os japoneses e turistas.

Zona quase residencial

Nesses lugares, aos edifícios permitidos acima, são incluídas autorizações para o funcionamento de teatros, cinemas e para o desenvolvimento orientado ao trânsito (TOD, na sigla em inglês), que incentiva que empreendimentos de maior porte ao longo de corredores de transporte de massa sejam erguidos.

Zona comercial do bairro

Esta categoria foi criada para fornecer instalações de compras diárias para os habitantes, assim como para edifícios de moradia e comerciais e pequenas fábricas. Teatros, cinemas, lojas, restaurantes, estruturas para o lazer com mais de 10 mil metros quadrados também podem ser construídos.

Zona comercial

Nessas áreas são liberados bancos, cinemas, restaurantes, lojas de departamento, prédios residenciais e pequenas fábricas.

Zona quase industrial

Ambientes voltados para a implementação de indústrias leves e do segmento de serviços. São proibidas aquelas com maior risco de impacto ambiental. Também permite que habitações e lojas sejam erguidas.

Zona industrial

Autoriza a edificação de qualquer tipo de fábricas e de prédios de moradias e comerciais. Mas, escolas, hospitais, universidades e hotéis são vetados.

Zona exclusivamente industrial

Como diz o nome da categoria, nesses bairros apenas fábricas podem ser construídas, de qualquer natureza.

Os benefícios e as desvantagens do modelo do Japão

O sistema de zoneamento do país asiático é simples, uniforme e mais acolhedor para casas de vários tamanhos e tipos do que as políticas nesse setor em outras nações, defende o fundador do Sightline Institute, Alan Durning. Ele ressalta que a residência média dos japoneses é um apartamento em um bairro de uso misto, próximo ao transporte público, comércios e escolas. De acordo com Durning, a abundância de habitações disponíveis é uma das principais vantagens da proposta de nacionalizar e centralizar as normas de utilização e ocupação do solo.

Para esclarecer seu ponto de vista, ele compara a edificação de moradias em Tóquio com municípios dos Estados Unidos. O fundador do Sightline Institute relata que a capital do Japão, que em 2018 tinha uma população de 13,5 milhões de residentes – praticamente a mesma quantidade de pessoas que os estados de Idaho, Oregon e Washington juntos – ergueu 145 mil novas habitações naquele ano, a maioria delas em comunidades já existentes. No mesmo período, as regiões que formam a Cascadia (área que vai do Norte da Califórnia, passa pelo Oregon e Washington, e chega até Vancouver, no Canadá) produziram menos de 84 mil imóveis.

Durning reforça que Tóquio vem, depois do início dos anos 1990, aumentando a construção de unidades mais rapidamente que o número de famílias. Esse cenário, explica ele, reflete na procura por moradias, com mais casas disponíveis do que indivíduos buscando por elas. Os resultados desse contexto são o estabelecimento de um mercado comprador, taxas de desocupação elevadas e preços baixos e estáveis. O fundador do Sightline Institute complementa que um apartamento de dois quartos na capital japonesa podia ser alugado por menos de 1 mil dólares ao mês, o que correspondia a cerca de metade do custo de uma residência com as mesmas características em Seattle durante a pandemia – quando os valores das locações caíram pela primeira vez em décadas.

Outro ponto positivo da abordagem do zoneamento no país oriental, na opinião do escritor e integrante do conselho editorial do jornal The New York Times, Binyamin Appelbaum, é o investimento feito pela administração federal no segmento de transportes e no estímulo à edificação de empreendimentos habitacionais de maior porte próximos a estações de trem, metrô e de ônibus. Ainda conforme Appelbaum, a maior disponibilidade de casas torna a capital nipônica mais acessível. Ele afirma que dois trabalhadores que ganham o salário mínimo na cidade japonesa conseguem pagar um apartamento de dois quartos em seis dos 23 bairros do município. Já duas pessoas que também vivem de salário mínimo não teriam como arcar com as despesas de uma unidade de mesmo tamanho em qualquer um dos 23 condados da região metropolitana de Nova York.

A estratégia adotada pelo Japão, enfatiza o escritor, possibilita que aqueles que desejam residir na capital da nação possam fazer isso. Ele conta ainda que, com a lei de zoneamento, Tóquio permanece economicamente diversificada, preserva um amplo acesso a comodidades e oportunidades urbanas e, como o aluguel das habitações consome uma parcela menor da renda dos indivíduos, os moradores possuem mais recursos para outras coisas, o que auxilia a manter a estrutura vibrante de pequenos restaurantes, empresas e oficinas de artesanato.

Por outro lado, as normas de zoneamento trazem desvantagens como o tamanho reduzido dos imóveis e a renovação constante do estoque residencial. Appelbaum diz que Tóquio faz pouco esforço para preservar as casas antigas, mas que algumas localidades do país possuem normas de preservação de distritos históricos. Ele frisa também que as novas construções são valorizadas: entre 2013 e 2018, as unidades mais recentes representaram 86% das vendas de habitações no Japão, segundo informações governamentais.

Para o fundador do Sightline Institute, a “criticada cultura da moradia descartável” da nação é um dos segredos do seu sucesso. Durning agrega que as rigorosas e frequentemente atualizadas leis de segurança contra terremotos do país asiático levam a uma depreciação dos imóveis em cerca de 30 anos, que são substituídos logo depois desse tempo. Com o parque residencial mudando rapidamente, aponta ele, a nação tem muito mais chances de trocar pequenas habitações e prédios por edifícios maiores, disponibilizando mais moradias.

A falta de ambientes verdes também é destacada por Appelbaum como um fator negativo da maneira como o zoneamento é feito no Japão. De acordo com o escritor, os parques são, muitas vezes, tratados como luxos inacessíveis. Os espaços verdes e jardins ocupam somente 7,5% do território de Tóquio, exemplifica ele, enquanto que em Nova York eles representam 27% e em Londres, 33%. O escritor lembra ainda que apesar de ser mais acessível que cidades de outros países, Tóquio é o município mais caro da nação oriental.

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