mobilidade

Pesquisa realizada pela Universidade de Amsterdam analisa o potencial de interação entre os indivíduos em diferentes tipos de transportes e na relação que eles possibilitam com os espaços urbanos. A mobilidade é apontada como um dos fatores-chaves para melhorar a qualidade de vida nos municípios.

Aperfeiçoar a forma como as pessoas se deslocam pelas localidades, disponibilizando distintos e eficientes meios para fazer os trajetos, é vista como fundamental para as cidades se tornarem mais habitáveis, defende o Fórum Econômico Mundial. Com o aumento da população nas áreas urbanas – a Organização das Nações Unidas (ONU) calcula em 68% esse índice até 2050 –, crise climática e maior longevidade dos residentes, os municípios precisam estar preparados para responder às demandas atuais e futuras de seus moradores.

Dentro desse cenário, a mobilidade, que tem reflexos em diversos aspectos da vida dos indivíduos – com uma variedade de estudos que apuram os seus efeitos econômicos, no bem-estar e na saúde de seus habitantes –, possui um papel significativo na qualificação dos ambientes urbanos. Falta de infraestrutura ou planejamento inadequado dos sistemas de transporte são apresentados pelo Fórum Econômico Mundial como as causas principais de congestionamentos registrados em diferentes localidades do planeta e do tempo que as pessoas perdem no trânsito – e consequentemente impactam na sua produtividade e na oportunidade de fazerem outras atividades ao longo do dia. A mobilidade urbana não se trata mais de chegar de um ponto a outro e se tornou um “parâmetro crítico” de vitalidade econômica de interação humana, reforça a organização.

E foi exatamente sobre a conexão que pode se estabelecer entre os indivíduos e deles com a cidade dependendo do tipo de locomoção utilizado que pesquisadores da Faculdade de Ciências Sociais e Comportamentais da Universidade de Amsterdam (Holanda) decidiram investigar. O estudo mapeou como distintas práticas de mobilidade oferecem diversas condições para a exposição a outras pessoas e lugares e associou esse contato à sensação de estar conectado aos espaços ou às comunidades. Para os autores do levantamento, esse elemento ainda é pouco considerado no planejamento do transporte dos municípios e que precisa ser mais reconhecido.

Através da mobilidade diária, assinalam os pesquisadores, os indivíduos socializam ou buscam a solidão, negociam a sua identidade e desempenham uma série de papéis sociais. Quando se viaja por uma região, afirmam eles, a cognição espacial das pessoas cria um mapa mental daquela área e das conexões que ela promove, além disso passar por vários territórios é como se conhece um município como um todo. Os autores avaliaram o potencial que dirigir um carro, utilizar o transporte público, pedalar e caminhar tem na interação entre os seres humanos e a atenção que eles conseguem dar ao seu entorno. Por meio de cada modo de mobilidade, desenvolve-se uma maneira única de conhecer os ambientes sociais e espaciais, limitados em alguns critérios e ricos em outros.


Automóveis privados

Sobre os veículos particulares, que são o meio de deslocamento priorizado pelas decisões de desenho urbano de um grande número de localidades, os pesquisadores da Universidade de Amsterdam ressaltam que eles proporcionam uma experiência solitária de mobilidade, na qual o contato social com outros usuários, além dos que estão no mesmo carro, é restrito a breves encontros através das janelas. Esse isolamento relativo, acrescentam eles, pode reforçar atitudes individualistas e diminuir a proximidade com a diversidade.

Já no que se refere à conexão com os lugares, os condutores conseguem explorar extensas áreas que podem ser difíceis de se chegar com outro transporte. No entanto, o estudo demonstra que a interação sensorial com esses ambientes durante a viagem é baixa, ficando limitada aos pontos de saída e de chegada. Os autores enfatizam que, dentro de um automóvel, a vista, os sons, cheiros e sabores das cidades ficam reduzidos àquilo que pode ser enxergado por meio do para-brisa.

Transporte coletivo

O contato com regiões e indivíduos desconhecidos tende a ser mais elevado nesse tipo de locomoção se comparado ao potencial dos veículos privados, revelam os pesquisadores do levantamento. Como não precisam dedicar sua atenção ao trânsito, os passageiros podem olhar a paisagem que passa durante o percurso, conversar com alguém que está ao seu lado, ler ou ouvir música. Os autores acrescentam que um estudo elaborado pelas Ferrovias Holandesas descobriu que cerca de 40% dos seus usuários utilizam o tempo de viagem para observar o entorno do trajeto da linha.

Outro fator salientado por eles é que essa forma de mobilidade possibilita uma gama mais ampla de atividades e eventos que oportunizam uma conexão com as pessoas e os espaços, como, por exemplo, a caminhada até as estações e a espera na fila. Porém, cada modo de transporte público conta com a sua capacidade de interação com os lugares. Para explicar o seu argumento, os pesquisadores citam que um deslocamento efetuado de metrô pode ser a maneira espacialmente mais desconectada de se locomover já que seus trilhos ficam, em sua maioria, no subsolo. Já aqueles que optam pelos ônibus ou trens conseguem ter uma compreensão melhor da organização do município, mas ainda assim é um contato limitado pelos vidros das janelas, pelo acesso a elas e também pelo design da rota e das paradas.

Mas, no que se refere à exposição à diversidade, os autores consideram que os passageiros de ônibus, bonde, metrô ou trem têm mais proximidade com os desafios diários da vida urbana contemporânea. Conforme eles, dependendo da configuração dos assentos e da aglomeração, essa forma de mobilidade permite que os indivíduos se envolvam em conversas profundas com “estranhos” que estão ao seu redor ou acompanhem as interações entre outros viajantes, “obtendo um vislumbre de mundos sociais com os quais não estão familiarizados”.

Ciclismo

Pedalar pelas localidades proporciona, segundo os integrantes da Universidade de Amsterdam, um conhecimento mais detalhado das áreas por onde os ciclistas passam e oferece uma possibilidade constante para o contato espontâneo com outros usuários e com o ambiente. Por estarem sempre negociando, consciente ou inconscientemente, lugar com as pessoas para evitar colisões e para lidar com o fluxo de tráfego, quem pedala possui um alto grau de liberdade para criar conexões com a região e com os indivíduos ali presentes.

Essa interação depende de diferentes aspectos, como a velocidade do ciclista, sua disposição para conversar e prestar atenção no entorno, se está sozinho ou em grupo e até mesmo da postura que ele adota ao pedalar. Para os autores, o ciclismo também conta com uma capacidade elevada de exposição à diversidade social e espacial. Eles relatam ainda que a facilidade de parar a bicicleta a qualquer momento e de navegar por ruas mais estreitas desafiam aqueles que pedalam a se conectarem com as áreas urbanas em um nível exploratório.

Caminhada

Andar a pé pelas vias dos municípios aumenta as chances de conexão entre os seus usuários, informam os pesquisadores. Isso porque caminhar pelos ambientes oportuniza ver vizinhos, amigos e desconhecidos e ter conversas rápidas com eles. Os autores lembram que o arquiteto e urbanista dinamarquês Ian Gehl enfatizou em seu livro “Cidade para Pessoas” que andar a pé permite “encontros opcionais e sociais, o que por sua vez melhora as qualidades da rua como um espaço público”. Apesar desses contatos também acontecerem no transporte coletivo, nesses casos eles podem ser prejudicados pela superlotação ou pelo barulho.

Os pedestres têm ainda uma imersão nas paisagens sensoriais do ambiente físico ao seu redor, o que os levam a experimentar o lugar completamente. Quem caminha pode tanto utilizar o seu tempo para ouvir música ou falar no telefone como possui mais chances de ser exposto às áreas urbanas sem restrições, podendo “ler” a localidade como uma “superfície texturizada”, descrevem os integrantes da Universidade de Amsterdam. Isso possibilita que distintas memórias e atributos sejam associados a certos pontos pelos quais as pessoas andam – estabelecendo um senso maior de pertencimento a essas regiões.

Essa familiaridade com os ambientes, complementam os pesquisadores, gera mais confiança social e respeito entre as pessoas e aos lugares. Eles pontuam também que, mesmo com uma oportunidade de conexão mais alta com as áreas urbanas e com os indivíduos, essas interações acabam ocorrendo mais no espectro dos bairros e especialmente das ruas, o que limita o número e a diversidade das conexões à região onde se reside ou trabalha. Os autores destacam ainda que estudos gerais sobre caminhadas mostram que a densidade, o uso misto do solo e a proximidade entre moradias, empregos e comodidades estão correlacionadas com mais viagens feitas a pé. Isso sugere, de acordo com eles, que o potencial de contato espacial e social de caminhar, apesar de ser profundo e rico, é relativamente localizado.

A partir das informações reunidas no levantamento, os pesquisadores concluíram que a elevação da velocidade de deslocamento leva a menos interações – e mais superficiais – com o ambiente social e espacial pelo qual se viaja. Verificaram também que percursos com maior tempo de duração resultam em conexões entre as pessoas e com lugares menos aprofundadas, mas aumentam o alcance e a diversidade potencial desses contatos, como nos trajetos de ônibus, por exemplo. Além disso, eles frisam que andar a pé e pedalar apoiam uma percepção “altamente detalhada da área e da sociedade”, enquanto dirigir e usar o transporte coletivo oferecem relações sociais e com os ambientes em uma escala mais ampla.

Os autores finalizam ponderando que é necessário adicionar ao debate sobre políticas de transporte a perspectiva de “sala de estar”, que é algo muitas vezes ignorado nas discussões sobre estratégias de mobilidade. Para esclarecer o que é esse conceito, eles citam artigo do arquiteto e urbanista Jaime Lerner no jornal The New York Times, no qual ele defende que uma “sociedade mais coesa e sustentável surge de seus espaços públicos e marcos, boas ruas, praças, parques, memoriais, teatros e museus. Essas são as ‘salas de estar’ de uma cidade, onde a urbanidade acontece. Um município é um cenário para as pessoas se encontrarem”. E, para os pesquisadores, as localidades devem ser planejadas com o foco nos indivíduos.

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