cidades-esponjas

Método idealizado pelo arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu, que busca lidar de uma nova forma com a água nas localidades, voltou a ser debatido e apontado como uma das iniciativas que podem contribuir para mitigar os efeitos das chuvas torrenciais registradas nos últimos anos.

Os recentes eventos atmosféricos extremos que vêm ocorrendo com mais frequência no mundo e no Brasil, como as enchentes deste ano no Rio Grande do Sul e a seca – a mais intensa da história do País, conforme o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) –, ampliaram as discussões sobre as medidas que podem ser adotadas para reduzir os impactos da crise climática. O planejamento urbano tem, nesse cenário, um papel essencial para o desenvolvimento de municípios mais sustentáveis e preparados para enfrentarem os reflexos do aquecimento global.

Uma das estratégias para diminuir os efeitos das inundações que voltou a ganhar destaque foram as cidades-esponjas, conceito elaborado pelo arquiteto paisagista Kongjian Yu, que já foram implementadas em mais de 250 localidades da China. No lugar de mais canos de drenagem, muros de contenção e canalização de rios entre diques de concreto, o profissional defende uma abordagem mais natural para gerenciar as águas das enchentes, desacelerando-as e dando espaço para que elas se espalhem pelos territórios. Em entrevista ao jornal The New York Times, Yu disse que não se pode lutar contra a água, é preciso se adaptar a ela.

Ele comparou ainda a sua metodologia a “fazer tai chi com a água”, em referência à arte marcial chinesa na qual a energia e os movimentos do oponente são redirecionados e não resistidos. A maneira como Yu propõe fazer isso é priorizando infraestruturas de grande escala baseadas na natureza, como a instalação de zonas úmidas, parques, jardins de chuva, telhados e corredores verdes, lagos artificiais, pavimentos permeáveis e protegendo árvores e bosques, detalha matéria do ArchDaily. Essas áreas, que podem ter formatos e tamanhos variados, colaboram para a absorção e retenção das águas de chuvas antes de liberá-las de volta ao meio ambiente, complementa reportagem da CNN.

Com a criação de lugares com terra porosa, onde seriam colocadas plantas locais que cresceriam com pouca ou nenhuma manutenção, as águas pluviais seriam assimiladas pelo solo e vegetação, impedindo que parte delas ou até mesmo todo o seu volume inunde regiões no seu entorno. O paisagista explicou à CNN que qualquer excesso de chuva que não for absorvido será desacelerado pela natureza, diferentemente do que ocorre com estruturas de concreto que podem, segundo Yu, aumentar a velocidade do fluxo de água.

O profissional reforçou, em matéria da Fast Company, que a manutenção do modelo convencional só irá agravar os impactos das mudanças climáticas e enchentes. Yu ponderou que se os municípios continuarem a desenvolver uma infraestrutura urbana cinza, eles irão fracassar. Para ele, o seu método é a melhor ação para transformar o planeta e pode ser usada para combater desde as inundações até o esgotamento de águas subterrâneas e a elevação do nível do mar. Em 2023, Yu foi o vencedor do Prêmio Internacional de Arquitetura Paisagística Cornelia Hahn Oberlander, que reconheceu o seu trabalho com as cidades esponjas e os seus benefícios ambientais.

A inspiração para o seu conceito veio da pequena vila na província chinesa de Zhejiang, ao Sul de Xangai, onde nasceu, em 1963. Ele contou ao The New York Times que crescer nesse local, no final da Revolução Cultural, mostrou como as gerações anteriores tinham “feito amizade com a água”. O profissional relatou ao jornal que os fazendeiros da área construíram terraços e lagoas para direcionar e armazenar o excesso de água durante a estação chuvosa, o que o levou a elaborar a sua visão para os municípios evoluírem em sintonia com a natureza.

Depois de estudar jardinagem paisagística na Universidade Florestal de Pequim, Yu fez doutorado na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, nos anos 1990, retornou à China no final daquela década e fundou a sua empresa, a Turenscape, através da qual vem concebendo projetos que procuram restaurar a harmonia entre as pessoas e a natureza em sua terra natal e em outros países. Em 2013, a metodologia de cidades-esponjas se tornou uma política nacional de desenvolvimento urbano em espaços propensos a enchentes do governo chinês.

Um relatório do Banco Mundial de 2021 indicava que 641 das 654 localidades da China enfrentavam inundações regulares, de acordo com a CNN, e que uma das causas para isso foi atribuída à rápida expansão urbana daquela nação, que acabou substituindo planícies por pontos de concreto impermeável. Foi nesse panorama que o método de Yu começou a ser implementado, com iniciativas-piloto em 16 municípios. Ao longo dos anos, a solução foi sendo disseminada para outras regiões do país e, atualmente, mais de 640 lugares em 250 localidades da China contam essa medida, ressalta o The New York Times. A meta até 2030, adianta o jornal, é que 70% da chuva que cai nas cidades-esponjas da nação durante eventos climáticos extremos seja absorvida por esses ambientes, em vez de se acumular nas ruas.

As vantagens e limitações do modelo de Yu no enfrentamento às enchentes

O espaço onde serão instaladas é um dos fatores-chave para que as cidades-esponjas alcancem os resultados esperados delas. Aspectos como topografia, padrões de chuva, o tipo de plantas que se adequam bem àquela área e as necessidades de cada comunidade devem ser considerados no planejamento dessas regiões, descreve matéria da CNN. Ou seja, a abordagem para cada lugar deve ser personalizada e ter um olhar holístico do território e da sua realidade.

Além de auxiliar no combate aos reflexos das mudanças climáticas e mitigar as inundações, a estratégia do arquiteto paisagista chinês Kongjian Yu traz outros benefícios, como ajudar na redução das temperaturas urbanas, lidar com a escassez de água, melhorar a qualidade do ar e ainda disponibilizar ambientes agradáveis e bonitos para os moradores e visitantes dos municípios, salienta a CNN. O profissional assinalou também que esse tipo de ação é mais barato que as estruturas convencionais. Um exemplo dado pela publicação é o de Wuhan, na China, onde a aplicação dessa iniciativa custou cerca de 550 milhões de dólares a menos do que uma solução baseada em concreto.

Levantamentos efetuados por Yu e pela sua empresa, a Turenscape, calcularam que se em torno de 20% a 30% das terras de uma localidade forem doadas para projetos de espaços-esponjas, ela estaria “virtualmente segura contra enchentes”, aponta a reportagem. Porém, frisou o paisagista, se as áreas ao redor inundarem, pode ser difícil para esses lugares absorverem todo o excesso de água. A Turenscape estimou ainda que um lote de 10 mil metros quadrados de terra de esponja pode limpar naturalmente 800 toneladas de água poluída, a ponto de ser seguro o suficiente para a população nadar – assegura a companhia.

Mas, uma das principais limitações das cidades esponjas é exatamente a quantidade de área que elas demandam. O pesquisador associado da Universidade de Oxford, Edmund Penning-Rowsell, argumentou em entrevista para o The New York Times que a escala desses ambientes teria que ser enorme para que eles enfrentassem sozinho as enchentes. Com o trabalho focado em segurança hídrica, ele comentou que em Nova York (EUA), por exemplo, bem provável seria necessária a metade de Manhattan para absorver esse tipo de problema.

A infraestrutura das regiões-esponjas tem, na opinião de alguns especialistas ouvidos pela CNN, dificuldade para suportar precipitações que passam dos 200 milímetros por dia. Para se ter uma ideia, em Porto Alegre (RS), entre 22 de abril e 6 de maio deste ano, a chuva acumulada foi de 368 milímetros e em Fontoura Xavier, no Vale do Taquari, também no Rio Grande do Sul, foi de 778 milímetros, conforme o Cemaden. O professor de Ciências Geográficas da Universidade de Nottingham Ningbo China, Faith Chan, falou ao canal de notícias que os programas desenvolvidos com o conceito de Yu em sua terra natal podem “aliviar ou diminuir” o efeito de quantidades médias ou mesmo de grandes precipitações, mas não “são para situações extremas”.

Para ele, esses espaços devem ser complementados com “engenharia pesada”, como represas e diques, para conseguir enfrentar inundações expressivas. Segundo Chan, é preciso combinar as duas medidas (natureza e concreto) para melhorar a resiliência dos municípios. “Não podemos confiar apenas em uma delas”, enfatizou. Sobre essa restrição, Yu reconheceu que as cidades-esponjas ainda podem transbordar se os projetos não forem bem planejados ou erguidos ou se as chuvas forem muito intensas. No entanto, ele avaliou que as enchentes ocorrem em lugares que “não são esponjosos o suficiente”. O curador do Prêmio Internacional de Arquitetura Paisagística Cornelia Hahn Oberlander, John Beardsley, acrescenta que as áreas-esponjas não são “uma solução total, mas causam impactos significativos”.

Conheça experiências de ambientes-esponjas já implementados no mundo

A China reúne hoje grande parte dos programas de cidades-esponjas elaborados pela Turenscape, a empresa do arquiteto paisagista Kongjian Yu. Porém, a nação não é a única onde o profissional e a sua companhia atuam: França, Indonésia, Rússia, Singapura, Tailândia e Estados Unidos também possuem espaços idealizados por Yu e sua equipe, cita a reportagem do ArchDaily. Em Bangkok (Tailândia) foi criado o Parque Florestal Benjakitti, aberto em 2022 e que conta com um labirinto de lagoas, árvores e ilhas em miniaturas.

A estrutura ocupa mais de 404 mil metros quadrados de uma região onde antes funcionava uma fábrica de tabaco, informa o The New York Times. Em torno de 5,6 mil mudas de 360 espécies locais foram plantadas na área, que se tornou uma atração para habitantes e turistas, de acordo com a matéria da CNN. Outra referência é o Parque Nanchang Fish Tail, na província chinesa de Jiangxi, que transformou uma antiga fazenda de peixes poluída e que tinha virado um depósito de cinzas de carvão em uma floresta flutuante de cerca de 510 mil metros quadrados. Pequenas ilhas com sequoias e ciprestes contribuem na regulação das águas pluviais e fornecem um habitat para a vida selvagem.

Outro exemplo na China é um parque de aproximadamente 324 mil metros quadrados instalado no município de Harbin pela Turenscape. Conforme a Fast Company, o lugar foi desenvolvido com plataformas elevadas e trilhas para caminhadas que disponibilizam aos usuários uma vista para o pântano recriado nesse espaço e que vem auxiliando a proteger o ambiente de enchentes. Na Europa, países como a Holanda também estão investindo nessa estratégia, com projetos próprios, como o Room for the River, iniciado em 2007, que envolve mais de 30 iniciativas em torno de quatro rios, entre eles o Reno, ressalta o The New York Times. A proposta, esclarece o jornal, é restaurar planícies de inundação naturais em regiões estratégicas ao redor de pontos que precisam de proteção.

Já em Copenhagen (Dinamarca), estão sendo implementados “parques inundáveis”, que viram lagoas temporárias durante o período de chuvas fortes. Diversas soluções dentro da metodologia elaborada por Yu estão sendo realizadas em cidades como a Filadélfia (EUA) e em Malmö (Suécia). No Brasil, Curitiba (Paraná) tem investido, segundo reportagem do Terra, desde a década de 1970 em parques que viabilizem o armazenamento de água da chuva, sendo o Barigui um dos principais exemplos. O espaço fica em uma área de 1,4 milhão de metros quadrados e atua na contenção e drenagem das águas pluviais para que elas não cheguem aos bairros residenciais do entorno.

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