Os reflexos da proximidade à natureza, estações de metrô e de lugares com maiores índices de insegurança no valor das propriedades foram pesquisados por especialistas em economia. O trabalho buscou aprofundar o conhecimento sobre os efeitos das amenidades urbanas nas localidades brasileiras a partir da análise da capital de Pernambuco.
Encontrar uma moradia que caiba no orçamento familiar sem prejudicar a saúde financeira das pessoas é uma dificuldade vivenciada por um número significativamente grande de brasileiros – um cenário que se repete em diversos países do mundo. O Plano de Comprometimento da Renda (Lei 8.692/1993), definido pelo governo federal, estabelece que contratos de aluguel ou de financiamento devem comprometer, no máximo, 30% da renda bruta de quem irá pagar os encargos mensais, como destaca matéria da revista Exame. No entanto, um levantamento realizado pelo Instituto Cidades Responsivas demonstra que boa parte da população nacional não consegue achar uma residência dentro desse parâmetro.
O Indicador de Acesso Habitacional mede o percentual médio que as famílias precisam destinar do seus ganhos mensais para financiar uma unidade com o preço mediano divulgado para venda nas capitais do Brasil. O objetivo da ferramenta, segundo o Instituto, é ajudar no monitoramento do funcionamento dos municípios, evidenciando se há um desequilíbrio entre a oferta e a demanda por imóveis, o que pode elevar os valores das propriedades e tornar sua aquisição mais complicada. Em Porto Alegre (RS), por exemplo, o preço médio das moradias, conforme a pesquisa de junho deste ano, foi de R$ 510 mil e a renda das famílias ficou em R$ 9.203,13, resultando em um índice de acesso de 33%. Já em São Luís (MA), esse parâmetro foi de 93%, com residências sendo comercializadas, em média, por R$ 615 mil e os ganhos domiciliares girando em R$ 3.909,84.
Valores mais baixos do indicador revelam localidades onde as habitações são mais acessíveis e os mais altos as regiões onde as unidades são mais caras em relação aos rendimentos dos indivíduos. Além da disponibilidade de imóveis e a procura por eles, outros fatores afetam os preços das propriedades, como localização, restrições de zoneamento, falta de investimentos na área, realidade socioeconômica de cada cidade, tamanho das moradias, facilidade de acesso ao Centro, qualidade da vizinhança e a proximidade de amenidades urbanas.
Esse último aspecto, inclusive, foi abordado em estudo desenvolvido por especialistas em economia, que investigaram o assunto a partir do contexto de Recife (PE), um município marcado pela presença de praias e rios em sua paisagem. Os profissionais avaliaram os impactos nos valores das residências desses recursos naturais e de outros elementos que influenciam as experiências das pessoas nas cidades. Amenidades urbanas são todos os serviços e comodidades implementados em um espaço que auxiliam o dia a dia dos seus usuários e melhoram o seu bem-estar. Elas abrangem desde parques, praças e ambientes verdes até lojas, escolas, supermercados, acesso ao transporte público, hospitais, cafeterias, restaurantes, entre outros.
Com mais de 1,4 milhão de habitantes em 2022, de acordo com o IBGE, a capital de Pernambuco possui duas fortes características naturais, o Rio Capibaribe e a Praia de Boa Viagem, como ressaltam os autores do levantamento: Deborah Maria da Silva Seabra, da Universidade de São Paulo (USP), Raul da Mota Silveira Neto e Tatiane Almeida de Menezes, ambos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Outra particularidade da localidade é que ela conta com barreiras físicas marcantes, como o próprio Capibaribe, o que faz com que bairros geograficamente vizinhos estejam desconectados, gerando – em algumas situações – enormes disparidades sociais e econômicas.
Recife, que está entre os dez maiores municípios brasileiros, registrava em junho deste ano uma renda familiar média de R$ 4.749,71 e unidades sendo vendidas por um preço mediano de R$ 550 mil, aponta o Instituto Cidades Responsivas, o que leva a um índice de acesso aos imóveis de 69%. Estimar o reflexo das amenidades urbanas nas propriedades e do que eles chamam de “desamenidades” é, para os pesquisadores, uma maneira de levantar informações essenciais para entender melhor o mercado imobiliário e a configuração espacial da capital.
Foram analisados os seguintes atributos no estudo para conseguir captar corretamente o efeito do espaço na formação dos valores das moradias: se elas contavam com vista para o mar (possuíam janela da sala ou varanda com visão desobstruída para o oceano), se estavam instaladas à beira-rio (sem construções entre a residência e o rio) e as distâncias que essas habitações ficavam da praia, do Rio Capibaribe e do parque ou praça mais perto. A primeira variável tinha a meta de assimilar especialmente a beleza do panorama e a segunda as vantagens de circulação de ar.
No que se refere aos parques e praças, eles foram selecionados pelo conforto que oferecem, assim como pela arborização e detalhes arquitetônicos. Foram escolhidas ainda as regiões que são usadas, principalmente, para o lazer, caminhadas, prática de exercícios físicos e de esportes e para a recreação infantil. Já para caracterizar a vizinhança e a localização das unidades foram verificados também dados sobre a distância deles até o centro de negócios, às Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis), à estação de metrô ou de integração de ônibus mais próxima e a quantidade de homicídios ocorrida em um raio de 1,5 quilômetro do imóvel.
Levantamento averiguou mais de 9 mil contratos de venda de propriedades em Recife
Uma ampla base de informações foi empregada pelos pesquisadores para calcular o impacto das amenidades urbanas eleitas como prioritárias para o estudo no preço das moradias no município. Uma das fontes dos dados foi obtida com a prefeitura, através do Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI). Ao todo foram apuradas 9.683 transações imobiliárias residenciais ocorridas no ano de 2012, alcançando cerca de 90% dos bairros da cidade.
A utilização dessas informações, explicaram os autores, amplia a quantidade e a diversidade de dados e traz ainda valores que estão mais próximos aos pagos de fato, bem como a área construída, tipo de habitação (apartamento ou casa), andar em que fica, número de pavimentos e de unidades de um prédio, padrão da edificação e a sua idade. Uma ressalva feita pelos economistas é que uma limitação do uso das informações do ITBI é a sua abrangência restrita ao mercado formal, o que acaba não representando de maneira adequada a população com renda mais baixa.
A partir dos dados, foi notado que as vendas de propriedades foram mais concentradas na Zona Sul da capital, especialmente no bairro de Boa Viagem, que reúne a maior parte das transações, com 2.324 moradias comercializadas no período tratado no levantamento. Na região Oeste, o destaque foi para o bairro da Madalena, com 566 contratos firmados. Por sua vez, as comunidades da Zona Norte que margeiam o Rio Capibaribe representaram juntas 20,5% das aquisições ocorridas na mesma época.
Os edifícios com em torno de 15 pavimentos foram os que registraram a maior parcela das comercializações concretizadas na localidade – apenas 11% das moradias adquiridas em 2012 foram casas. No que se refere às amenidades urbanas, 5% dos imóveis vendidos naquele ano tinham vista para o mar e apenas 1% estava na margem do Capibaribe. Em média, identificaram os pesquisadores, os apartamentos estavam a seis quilômetros do Centro, a quatro quilômetros da praia, a 2,3 quilômetros do rio, a 2,4 quilômetros de uma praça ou parque, 2,1 quilômetros de uma estação de metrô ou de um ponto de integração de ônibus e a 500 metros de uma Zona Especial de Interesse Social (Zeis).
Outra informação levantada que é aconteceram aproximadamente 60 homicídios em um raio de 1,5 quilômetro de cada residência comercializada. Foi realizado também um trabalho de georreferenciamento de cada uma das habitações contidas no banco de dados do imposto e das amenidades urbanas no seu entorno. A essas informações foram anexados ainda os dados da base de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI). Esse parâmetro é adotado para medir os níveis de violência em uma sociedade.
Estudos na mesma linha, relacionados pelos economistas, já foram concretizados em outros municípios e nações. Um levantamento elaborado com oito cidades e mais de três mil transações de venda dos Países Baixos identificou quais critérios ambientais eram atrativos para a moradia e que a maior valorização ocorreu em áreas com água nas redondezas da unidade. Além desses aspectos, espaços abertos e paisagens agradáveis também exerciam influência positiva no preço das propriedades. Outra pesquisa salientada pelos autores tratava da poluição do ar em Seul (Coreia do Sul), na qual foi percebida que quanto maior era a concentração de dióxido de enxofre, menor era o valor dos imóveis.
Já em Atlanta (EUA) foi medido como o barulho que vinha do seu aeroporto – o mais movimentado do planeta – refletia no preço das residências e o resultado encontrado foi uma redução de aproximadamente 20% no valor das habitações mais afetadas pelos ruídos quando comparadas às que estavam em lugares com níveis normais. Poluição ambiental e sonora e regiões sem ambientes de lazer ou verdes são algumas das “desamenidades” nomeadas pelos economistas, assim como a questão da violência em determinados pontos de Recife.
Vista para o mar e proximidade do rio são as amenidades mais valorizadas na capital pernambucana
Com base nas informações compiladas, os autores do estudo confirmaram a relevância dos atributos locais para a precificação das moradias e concluíram que as unidades erguidas perto da praia de Boa Viagem e do Capibaribe tendiam a ter valores mais elevados que as demais propriedades no município, sendo as amenidades urbanas mais importantes para os seus residentes. Depois delas, a proximidade de parques também proporcionou uma maior apreciação dos imóveis. Segundo os pesquisadores, o afastamento em relação a cada um desses atributos naturais implica queda no preço de mercado da habitação. Essa desvalorização chega a ser quase 40% superior com o distanciamento do rio em comparação com o da praia.
Esse resultado, esclareceram os economistas, é consistente com a forma de ocupação da cidade que, devido às dificuldades de transporte, privilegiou a construção de moradias perto do Capibaribe e, consequentemente, do centro da localidade. Por outro lado, eles reforçaram que as unidades com vista para o mar são, em média, 17% mais caras que aquelas que não contam com essa amenidade – que é a que apresenta o maior efeito sobre o valor das propriedades.
Além disso, os autores relataram que o preço das residências tendia a ser impactado negativamente pela proximidade às estações de metrô, às Zonas Especiais de Interesse Social (Zeis) e aos espaços mais inseguros da capital. Outro ponto enfatizado foi que os imóveis longe do Centro tinham o seu valor diminuído quanto mais aumentava essa distância. Os pesquisadores ponderam ainda que o intenso adensamento urbano que caracteriza Recife e a valorização das amenidades ambientais pelos seus habitantes indicavam também a relevância das áreas naturais dos municípios e das desamenidades sociais associadas à criminalidade e à pobreza para o bem-estar de seus moradores.
Por fim, eles frisaram que os bairros mais perto da praia, como Boa Viagem, e do rio, como da Madalena e do Rosarinho, estavam entre os que tiveram as maiores expansões de suas densidades demográficas, conforme os Censos Demográficos de 2000 e 2010. Nesse contexto, analisaram os autores, as incorporadoras – através de edificações mais verticais – estariam reagindo de forma efetiva à manifestação das preferências locacionais dos residentes da cidade.
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