bondes

Circulando em regiões centrais ou auxiliando o desenvolvimento de bairros, os bondes estão de volta. Com novas tecnologias, esse transporte está sendo reintroduzido em locais que buscam atingir metas de descarbonização e diminuir os congestionamentos. Porém, essa medida não funciona em todos os lugares e precisa ter os seus objetivos e vantagens bem avaliados.

Vistos como ultrapassados até pouco tempo atrás ou como meio de locomoção com apelo principalmente turístico, os bondes modernos estão ressurgindo na paisagem urbana como alternativa para facilitar o trânsito e o deslocamento das pessoas em áreas centrais, conectar bairros mais afastados às regiões que concentram trabalho, comércio, serviços e lazer e também para revitalizar comunidades que tiveram o seu crescimento prejudicado. Em suas versões atuais, esse tipo de transporte vem com novos formatos, tecnologia e fontes de energia mais sustentáveis.

No entanto, reforçam especialistas em planejamento urbano, os bondes têm suas limitações, benefícios e desvantagens que devem ser considerados e comparados a outras estratégias de mobilidade antes de sua implementação. Por isso, o seu retorno às ruas precisa ser bem estudado e alinhado àquilo que os municípios querem alcançar. Além disso, a sua eficiência e capacidade de atrair passageiros são influenciadas por iniciativas como as políticas de tarifas e as ligações com outras maneiras de fazer os percursos existentes, como ônibus, metrô e trens, acrescentou o professor assistente de Planejamento Urbano da Universidade do Kansas (EUA), Joel Mendez, em webinar do Transportation Research Board de 2023, como destaca artigo do Smart Cities Dive.

Essa reintrodução é desencadeada ainda, segundo matéria do Tomorrow City, pela necessidade das cidades encontrarem ações para reduzir as emissões de gases de efeito estufa e cumprir as metas de descarbonização estipuladas até 2030 – o Brasil, por exemplo, procura chegar a uma queda de 53% em suas emissões. Os bondes, conforme dados da publicação, geram, em média, 20,2 gramas de CO2 por indivíduo por quilômetro. Já em um carro particular essa média é de 243,8 gramas, salientando a urgência de mudanças na forma como as pessoas fazem os seus trajetos para atingir os objetivos climáticos.

Diferente dos modelos antigos, como os que circulam por São Francisco (EUA) e em Santa Teresa, no Rio de Janeiro (RJ), esse transporte hoje lembra mais os trens contemporâneos e ressurge como Veículos Leves sobre Trilhos (VLT), equipamentos guiados autonomamente e que não precisam de trilhos, como os que estão sendo instalados na China, os Autonomous Rapid Transit (ART), que viajam sobre pneus de borracha, operam sem fios aéreos e utilizam baterias que são recarregadas nas estações de embarque, como ressalta artigo do Fórum Econômico Mundial, e trams, mais empregados na Europa e que são uma espécie de VLT que dividem as vias públicas com pedestres, bicicletas, automóveis e ônibus. Entre as vantagens apontadas dos bondes atuais estão a sua construção no nível das ruas e maior integração com os espaços urbanos, descreve reportagem do Estadão.

Os VLTs são mais indicados para uma capacidade média de passageiros e contam com composições menores que as do metrô e, por isso, ocupam menos área. Eles são mais silenciosos também. Outra característica que remete aos bondes tradicionais é que eles não possuem catraca de acesso e o pagamento é efetuado dentro do vagão. Por se locomoverem, principalmente, por regiões centrais, eles têm uma velocidade mais baixa em relação aos trens e metrô – de 20 quilômetros por hora, em média –, o que oferece segurança no trânsito, e preferência em semáforos e cruzamentos, mas pode ser mais demorado.

Outro ponto a favor desse transporte, de acordo com o Estadão, é que ele é um modal com um custo baixo de manutenção e vida útil mais longa que a de um ônibus a diesel, assim como se encaixa amigavelmente no ambiente edificado e se apresenta como uma opção para cobrir percursos menores e complementar outras maneiras de deslocamento nos centros de grandes metrópoles. A adoção dos VLT seria, relata a matéria, uma oportunidade para assegurar a multimodalidade, facilitando e agilizando a movimentação dos usuários nas localidades. Em sua maioria, esses equipamentos são elétricos, com a energia sendo fornecida por cabos aéreos ou por um terceiro trilho, porém novas pesquisas com outras fontes de abastecimento, como o hidrogênio, vêm sendo elaboradas.

Como é o caso da retomada dos bondes em São Paulo (SP), que irá atender ao Centro da capital paulista, informa o Estadão. Com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal, de R$ 1,4 bilhão, um VLT, com 12 quilômetros e duas linhas, deve ser implementado para conectar bairros como o Brás, Bom Retiro e Campos Elíseos. A expectativa é que seja o primeiro Veículo Leve sobre Trilhos movido a hidrogênio do País. Ainda em fase de trabalhos técnicos preliminares e de projetos estruturais, o Bonde São Paulo deve ser concluído em 2027. O jornal adianta também que estão sendo realizados levantamentos urbanísticos como parte do Plano de Requalificação Urbana com Desenvolvimento Orientado ao Transporte Sustentável.

A solução tem, na opinião do coordenador do Núcleo de Mobilidade Urbana do Centro de Estudos das Cidades – Laboratório Arq.Futuro do Insper, Sergio Avelleda, potencial, mas com ressalvas. Ele disse ao Estadão que o VLT será positivo se estiver inserido em um contexto maior, dentro de uma requalificação do município. Mesmo sendo um transporte de “média capacidade, bonito, moderno e atraente, que convida ao uso e valoriza os imóveis por onde passa, para funcionar como ferramenta para aumentar a atratividade urbana é preciso que o poder público adote outras medidas”.

Essas estratégias vão desde ampliar as vias para os pedestres restringindo a circulação de carros, expandir o espaço para ciclistas, ocupar as áreas centrais à noite, promovendo atividades culturais e de lazer, incentivar o comércio de rua com quiosques, food trucks e ambulantes profissionalizados até melhorar a iluminação e a segurança. Avelleda acredita ainda que é necessário trazer os indivíduos para morar de novo na região central de São Paulo e qualificar parques e lugares ao ar livre. Outro alerta que ele faz é que o VLT não pode desestimular a mobilidade ativa – caminhar e pedalar.

 

De obsoletos a alternativa de desenvolvimento, como os bondes modernos estão impactando as cidades

Desde o seu aparecimento, no início do século XIX, no Reino Unido, os bondes foram evoluindo junto com a tecnologia – passando de veículos puxados por cavalos para os movidos a vapor e depois por eletricidade – até entrarem em declínio com a popularização dos automóveis e do transporte de ônibus, recorda reportagem do Tomorrow City. Com essa alteração no jeito que as pessoas faziam as suas viagens diárias, o planejamento urbano das localidades também se modificou para um crescimento centrado nos carros.

Esse cenário começou a mudar, assinala a publicação, com a maior conscientização sobre os reflexos dos veículos no meio ambiente, no incremento dos engarrafamentos, no maior tempo gasto pelos usuários para concluir as suas tarefas cotidianas e no espraiamento dos municípios. A modernização desse tipo de transporte teve início, segundo o Tomorrow City, na Alemanha, na década de 1970 e foi seguida pela América do Norte no final desse período.

Nos anos seguintes, uma onda de bondes atualizados surgiu novamente na Europa. Os exemplos mais recentes vêm de Atenas (Grécia), que reintroduziu esses equipamentos e os integrou às redes de metrô e de ônibus para as Olimpíadas de 2004, e de Paris (França), que viu o seu transporte público chamar a atenção por seu sistema interconectado (com metrô, ônibus e os trams) ter dado apoio ao grande fluxo de visitantes durante as Olimpíadas de 2024. A mesma movimentação ocorreu em cidades dos Estados Unidos, como em Kansas City, no Missouri, que trouxe de volta esse tipo de locomoção (chamado de streetcars ou trolleys em inglês) em 2016, detalha artigo do Strong Towns.

Com uma rota de cerca de 3,5 quilômetros no Centro da localidade, o bonde torna mais simples chegar a espaços que já despertam o interesse dos residentes e turistas, como ir de uma área de trabalho para uma de bares ou da estação principal a um hotel perto da região histórica. Essa decisão, enfatiza a publicação, vem contribuindo para o sucesso da iniciativa e maior procura dos passageiros. Em 2019, o transporte – que é gratuito – alcançou o seu pico, com mais de 2,2 milhões de viagens e vem se recuperando da baixa procura ocasionada pela pandemia de coronavírus, revelou o diretor-executivo da Kansas City Streetcar Authority, Tom Gerend, no webinar do Transportation Research Board do ano passado.

A organização sem fins lucrativos que gerencia, opera e mantém o bonde do município pretende agora ampliar o seu trajeto, indo para bairros fora do Centro, ressalta a reportagem do Smart Cities Dive. No mesmo evento, a vice-diretora de Serviços do bonde de Cincinnati, em Ohio, Lori Burchett, falou que o início do transporte foi um “pouco difícil”, o que levou a administração da cidade a assumir a sua gestão e eliminar as tarifas, em 2020. Dois anos depois, conta ela, o bonde Cincinnati Connector chegou à marca de 100 mil passageiros mensais pela primeira vez.

Um grande desenvolvimento e investimentos locais foram registrados ao longo do percurso do Connector, agregou Lori. Antes da inauguração do bonde, ela explica que 90% das propriedades por onde o transporte se desloca estavam vagas e abandonadas. Panorama que já se transformou com a restauração e preservação das construções e instalação de novos negócios. Até novembro de 2023, o número de usuários do transporte ultrapassava 1 milhão de indivíduos naquele ano.

Da Europa ao Brasil, outras experiências com bondes contemporâneos

Assim como Paris e Atenas, diversos municípios europeus apostaram no retorno desse meio de transporte para aperfeiçoar a mobilidade de seus habitantes e turistas e revitalizar ambientes urbanos. Os trams podem ser vistos em espaços centrais de lugares como Londres (Inglaterra), Berlim (Alemanha), Lisboa (Portugal), Milão e Roma (Itália), Helsinque (Finlândia), entre outros. Muitas dessas cidades estão renovando seus veículos e expandindo as suas rotas. Além do investimento necessário, um dos obstáculos para isso envolve a aquisição de vagões modernos que se encaixem à rede de trilhos que já existe, evitando a necessidade de novas obras estruturais.

Em Florença (Itália), o sistema de trams faz parte de um projeto, financiado pela União Europeia, para tornar esse transporte mais inteligente, conforme matéria da Euronews, e colaborar na melhora da mobilidade das localidades do continente. Três vagões foram equipados com sensores, incluindo câmeras e aparelhos para medir a velocidade, orientação e proximidade dos bondes de um determinado objeto. Da mesma maneira, foram colocados dispositivos para a coleta de dados em três paradas do município italiano.

O objetivo é reunir informações que contribuam para antecipar como as cidades inteligentes do futuro poderiam funcionar, tendo a sustentabilidade e a diminuição da poluição como foco. Outra meta é oferecer uma opção aos veículos autônomos particulares, o que exigirá deixar o transporte mais ágil e com rotas que respondam às necessidades das pessoas e do que está acontecendo nas localidades, indica a publicação. A ação busca ainda reduzir os acidentes relacionados a trams em Florença, melhorar o trânsito e minimizar os custos de manutenção do sistema de transporte em 30%.

Já em Londres, pesquisadores da Faculdade de Arquitetura Bartlett, da University College London (UCL Bartlett), investigaram o potencial que os trams possuem para mitigar impactos sociais e econômicos no Noroeste da Europa. Eles descobriram que a infraestrutura baseada em bondes pode beneficiar áreas mais pobres, facilitando a conexão entre os centros urbanos e subúrbios e vilas, aproximando os seus moradores de empregos e outras oportunidades. A ideia nesse estudo era verificar os custos e o retorno que esse meio de transporte pode ter na ligação entre os grandes centros urbanos e os municípios das regiões metropolitanas. O levantamento também foi usado para ajudar na elaboração de propostas para novos investimentos em transporte público em lugares como Oxford e Blackpool, ambos na Inglaterra.

No Brasil, assim como em São Paulo, o Rio de Janeiro trouxe os bondes de volta, agora na versão Veículo Leve sobre Trilhos (VLT). Movido à eletricidade, o VLT Carioca foi implementado em 2016 com a missão de resgatar as áreas central e portuária da cidade, aponta reportagem da Agência Brasil. Atualmente, o transporte conta com quatro linhas que conectam o Aeroporto Santos Dumont à Rodoviária Novo Rio e à Praça XV, viabilizando o acesso a uma série de atrações turísticas da capital, como os Museus do Amanhã e de Arte do Rio, o Theatro Municipal, Confeitaria Colombo e a Vila Olímpica, por exemplo. De acordo com o site do serviço, o VLT faz ainda conexão com o trem, metrô, barcas e teleférico.

Outros estados do País também têm VLTs para ligar suas capitais a outras localidades, como acontece em João Pessoa (Paraíba), que conta com um uma rota de 30 quilômetros que atende a cerca de 7 mil passageiros ao dia, e em Maceió (Alagoas), que possui uma rede de 34,7 quilômetros que transporta em torno de 11 mil pessoas diariamente. Com uma extensão de 71 quilômetros, o VLT de Recife (Pernambuco) possui três linhas (duas eletrificadas e uma a diesel) e movimenta aproximadamente 161 mil indivíduos por dia.

Todos esses veículos são administrados pela Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), que é responsável ainda pela rota de Natal (Rio Grande do Norte), que abrange duas linhas com um total de 77,5 quilômetros e que transporta mais de 14,3 mil passageiros diariamente. Tirando os dois VLTs elétricos de Recife, todos os demais são abastecidos com diesel, como descreve a empresa que faz a gestão do serviço.

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