Habitação em crise

As rótulas, como também são chamadas no País, reduzem as velocidades de circulação dos carros, as colisões mais graves em cruzamentos e as emissões de gases de efeito estufa, apontam diferentes estudos na área. Essa estrutura alternativa aos semáforos vem sendo cada vez mais utilizada por cidades de diversas nações.

Todos os anos, cerca de 1,19 milhão de pessoas perdem a vida por causa de acidentes de trânsito no mundo, revela a Organização das Nações Unidas (ONU). A entidade afirma que, apesar de alguns progressos na queda das mortes nas ruas, os países ainda estão longe de cumprir a meta de diminuir pela metade os casos fatais até 2030. No Brasil, foram registrados 33.894 óbitos por causa de eventos dessa natureza em 2022, segundo informações do Ministério da Saúde consolidados pelo Observatório Nacional de Segurança Viária. Entre as medidas que vêm sendo implementadas pelos municípios para modificar esse cenário e dar mais proteção a motoristas e pedestres está a construção de rotatórias.

Também conhecidas em determinadas regiões do País como rótula, balão ou giradouro, as rotatórias são cruzamentos circulares projetados para oferecer mais segurança nas vias públicas, aprimorar o fluxo do tráfego e mitigar as emissões de gases de efeito estufa. O Código de Trânsito Brasileiro estabelece no seu artigo 29 que, quando os veículos se cruzam em uma rótula, a preferência é daquele que já está circulando por ela. O professor e diretor do Laboratório de Transportes da Universidade de Dayton (Ohio, EUA), Deogratias Eustace, assinalou em artigo para o site de notícias The Conversation que as essas estruturas vêm sendo cada vez mais empregadas por reduzirem o número de potenciais pontos de conflito no trânsito. 

Em um cruzamento, explicou ele, um ponto de conflito é o local onde os caminhos de dois ou mais automóveis de uma rua ou estrada se encontram. Quanto maior for a sua quantidade, mais elevada será a probabilidade de os carros baterem. O professor acrescentou que em uma rotatória há apenas oito desses pontos em comparação aos 32 de uma estrutura convencional – com semáforo ou placa de pare – de quatro vias. Como os veículos que estão nas rótulas, complementou Eustace, não se atravessam em ângulo reto as possibilidades de ocorrências mais graves são menores. 

Nos cruzamentos tradicionais, os acidentes mais sérios envolvem também conversões à esquerda e colisões frontais e podem ocorrer porque os automóveis costumam se locomover em velocidades mais altas que nas rotatórias, reforçam os Institutos de Seguros para Segurança Rodoviária (IIHS, na sigla em inglês) e o de Dados de Perdas em Rodovias (HLDI), ambos nos Estados Unidos. Nas estruturas circulares, os conflitos entre carros podem acontecer no momento em que eles estão entrando ou saindo delas. Uma pesquisa feita naquela nação identificou que cruzamentos com semáforos ou placas de pare transformados em rótulas apresentaram uma queda de 72% a 80% nas ocorrências com feridos e uma diminuição de 35% a 47% em todos os tipos de acidentes. 

O IIHS e o HLDI calculam, com base em levantamentos anteriores, que a conversão de 10% das estruturas convencionais nos Estados Unidos em rotatórias poderia ter evitado aproximadamente 47 mil ocorrências em 2022, incluindo 289 eventos fatais e mais de 31 mil casos com feridos. Um aspecto importante ressaltado pelas entidades é que grande parte dos estudos efetuados naquele país investigou cruzamentos circulares de faixa única. As pesquisas que analisaram rótulas com duas pistas indicaram reduções menores no número de acidentes em comparação com as estruturas de uma só faixa ou aumentos nas ocorrências. 

No entanto, um levantamento realizado pelo IIHS, em 2019, descobriu que a segurança em rotatórias de duas pistas melhora com o tempo, conforme os condutores se familiarizam com elas. Os pesquisadores avaliaram cruzamentos circulares erguidos no estado de Washington, entre 2009 e 2015, e averiguaram uma queda nos acidentes nas rótulas de, em média, 9% ao ano. Além disso, as chances de uma ocorrência mais grave acontecer nessas estruturas tiveram uma diminuição de cerca de 33% anualmente. Um dos motivos para isso é a velocidade reduzida com que os veículos trafegam nas rotatórias. 

O diretor do Laboratório de Transportes da Universidade de Dayton detalhou que o circuito fechado das rótulas força os automóveis que se aproximam dela a trafegarem mais devagar, darem passagem aos que já estão nelas e, então, se moverem suavemente ao redor da ilha central. Por essa característica, os cruzamentos circulares auxiliam na queda dos acidentes sérios e qualificam o fluxo do trânsito, diminuem as paradas e avanços dos carros e, consequentemente, o consumo de combustíveis e as emissões de gases de efeito estufa. Outro elemento salientado por Eustace é que, com os veículos se deslocando constantemente e em velocidades mais baixas há uma redução dos congestionamentos e as conversões em U são facilitadas. 

Distintos estudos reunidos pelo IIHS mostram melhora na circulação dos automóveis onde as rotatórias substituíram semáforos ou placas de pare. Uma pesquisa em New Hampshire, Nova York e Washington encontrou uma queda média de 89% nos atrasos dos carros e de 56% nas paradas dos veículos após essa mudança. Outro levantamento apurou que a alteração para os cruzamentos circulares impactou na geração de monóxido de carbono, com uma diminuição de 15% a 45% e de dióxido de carbono, de 23% a 34%. Já a redução do combustível verificada foi de 23% a 34%. 

 

Eficiência das rótulas demanda atenção dos motoristas, proteção aos pedestres e ciclistas e ações educativas

Apesar de ainda enfrentarem resistência de muitos indivíduos, as rotatórias nos espaços urbanos vieram para ficar, defende o professor e diretor do Laboratório de Transportes da Universidade de Dayton, Deogratias Eustace. Ele agrega que havia 356 cruzamentos circulares nos Estados Unidos em 2000, uma quantidade que saltou para mais de 10 mil atualmente. Devido aos seus resultados positivos, as rótulas são uma das contramedidas de segurança recomendadas pela Federal Highway Administration, uma agência do Departamento de Transporte daquele país, que inclusive promove uma Semana Nacional das Rotatórias para destacar os seus benefícios.

Estados como Nova York e Virgínia possuem políticas que determinam que as rótulas sejam consideradas como uma opção preferencial na edificação de novos cruzamentos ou na modernização dos mais antigos. Carmel, em Indiana (EUA), é a cidade com o maior número de rotatórias no planeta, ficando à frente de municípios europeus (onde são bastante utilizadas), aponta ranking divulgado pelo site de notícias The Mayor E.U – um em cada 17 cruzamentos é circular na localidade norte-americana. Na segunda posição aparece Nantes (França), com um a cada 23, seguida por Madrid, um em 30, Alicante, um a cada 33, e Valência, um em 35 – todas cidades espanholas. 

Um dos fatores que contribuiu para a construção das estruturas em Carmel e o enfrentamento à oposição inicial de seus moradores, relata matéria da Bloomberg, foi a criação de um plano de comunicação abrangente unido a campanhas educativas. O governo municipal exibiu em um canal a cabo vídeos informativos, promoveu reuniões em associações de bairro e distribuiu folhetos enfocando as vantagens das rotatórias. Outro exemplo dado pela publicação é do Ashland, no Kentucky (EUA), que decidiu instalar rótulas para melhorar a capacidade de caminhar em uma das principais avenidas do seu centro histórico, assim como renovar suas calçadas e reconfigurar os estacionamentos na rua. 

A resistência dos habitantes e comerciantes – que receavam que seus negócios fossem afetados – foi trabalhada com uma intensa divulgação de dados sobre o projeto e o paisagismo que seria feito, com encontros regulares com as partes interessadas e com uma presença forte nas redes sociais. A estratégia envolvia ainda um site com cronograma de fechamento de vias, mapas e materiais sobre a evolução das obras. A iniciativa, descreve a Bloomberg, está quase finalizada e possui cinco cruzamentos circulares ao longo do seu trajeto. A expectativa é que com a qualificação da experiência de se locomover pela área para condutores e pedestres, mais pessoas e estabelecimentos sejam atraídos para o centro. 

A segurança de quem anda a pé e de bicicleta é outro ponto fundamental que deve ser considerado no momento de idealização dessas estruturas. Para os Institutos de Seguros para Segurança Rodoviária (IIHS) e o de Dados de Perdas em Rodovias (HLDI), as rotatórias protegem mais os indivíduos que as versões com semáforos ou placas, pois o trecho a ser percorrido para atravessar a rua é relativamente curto e as velocidades dos automóveis tendem a ser mais baixas. Estudos revistos pelo IIHS e HLDI revelam que na Europa a transformação de cruzamentos convencionais em rótulas pode diminuir as ocorrências com pedestres em aproximadamente 75%, especialmente naquelas com somente uma faixa. 

Os motoristas também possuem um papel significativo para garantir a sua segurança e das demais pessoas que estão circulando naquele lugar. A Bloomberg lembra que as estruturas circulares exigem dos condutores uma consciência de que há outros usuários das vias que devem ser acomodados. O design das rotatórias, pontua a publicação, força os indivíduos a lidarem com o fato de que não estão sozinhos nas ruas e que precisam ceder a preferência para aqueles que caminham, pedalam e para quem já está na rótula. 

Planejar a localização das faixas de segurança é mais um quesito que deve ser considerado no momento de desenhar os cruzamentos circulares, assim como pensar em como tornar a viagem dos ciclistas mais protegida. Uma solução concebida pela Holanda vem sendo adotada por outras nações, de acordo com o jornal La Vanguardia. Referência quando o assunto é mobilidade por meio das bicicletas, o país incorporou as suas rotatórias uma pista exterior com ciclovia para o deslocamento de bikes e scooters elétricas. Essas estruturas podem ter mão dupla ou serem separadas, uma para cada sentido do trânsito. A publicação acrescenta que essas rótulas estão se tornando mais comuns na Espanha e em outras nações europeias e as regras são as mesmas aplicadas aos carros. 

 

Como surgiram os cruzamentos circulares e onde a sua implementação é mais recomendada?

Os projetos geométricos das rotatórias variam de uma cidade para outra e devem analisar pontos como volume de tráfego, uso do solo, topografia, entre outros aspectos, informam os Institutos de Seguros para Segurança Rodoviária (IIHS) e o de Dados de Perdas em Rodovias (HLDI) e suas ilhas centrais podem ter paisagismo ou instalações artísticas, por exemplo. As entidades consideram também que essas estruturas são indicadas para locais com índices elevados de acidentes, com grandes atrasos de trânsito, movimentos frequentes de conversão à esquerda ou ao longo de trechos engarrafados ou em saídas e entradas de rodovias. 

Regiões com uma circulação intensa de veículos na rua principal e tráfego muito leve na via lateral não são as mais recomendadas para a instalação de uma rótula, assinalam o IIHS e o HLDI. No que se refere aos custos de implementação, os institutos complementam que, apesar dos valores iniciais para erguer rotatórias mudarem de um município para outro, a sua manutenção é, na maioria das situações, mais barata do que um cruzamento com semáforos. A vida útil de uma estrutura circular é de em torno de 25 anos, já o de uma sinaleira tradicional é de 10 anos. 

Até chegarem aos seus formatos atuais (com tamanho menores e menos faixas), as rótulas passaram por várias modificações para acomodar o volume de automóveis de hoje. O professor e diretor do Laboratório de Transportes da Universidade de Dayton, Deogratias Eustace, recorda que já no início de 1700 alguns planejadores urbanos propuseram a construção de espaços circulares onde as estradas convergiam, como o Circus, em Bath (Inglaterra), e a Praça Charles de Gaulle, em Paris (França), sendo os precursores das rotatórias como são conhecidas agora. O professor comenta que o planejador urbano francês Eugène Hénard foi um dos pioneiros, em 1903, em introduzir a ideia de movimentar o trânsito em um círculo para controlar cruzamentos movimentados de Paris. 

Ele cita que na mesma época o empresário norte-americano William Phelps Eno sugeriu a instalação de rótulas para aliviar o congestionamento da cidade de Nova York. O professor pondera ainda que os primeiros modelos de rotatórias não tinham padrões de design elaborados e que a maioria delas era grande demais para ser eficiente, isso porque os carros entravam em velocidades mais altas nelas e nem sempre davam passagem. 

Os cruzamentos circulares modernos, menores e com normas para o seu uso, surgiram em municípios da Grã-Bretanha, na década de 1950, acrescenta Eustace. Em 1990, as versões contemporâneas das rótulas chegaram aos Estados Unidos, com a primeira delas erguida em Summerlin, em Las Vegas (Nevada). Com o passar dos anos, as estruturas receberam faixas de pedestres, ilhas divisórias e ciclovias e se espalharam pelas localidades de diferentes países.

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