revitalização

Cenário que se agravou com a pandemia de Covid-19, o fechamento de estabelecimentos e de escritórios tirou a vitalidade de muitos centros urbanos e vias públicas, impactando a economia e a segurança dessas áreas. Ações têm buscado, através da arte, de negócios criativos e sustentáveis e até mesmo de hortas, recuperar essas regiões.

Quem circula pelas ruas centrais e de diversos bairros de suas cidades está acostumado a ver placas de venda e aluguel se acumularem em casas e prédios onde funcionavam empreendimentos comerciais. Fachadas com tapumes, portas com cadeados e vias com pouco movimento são uma realidade que muitos municípios precisam lidar há algum tempo. Antes mesmo do coronavírus, o fechamento de negócios já era uma situação que afetava o dinamismo de espaços urbanos, as receitas tributárias das prefeituras, a segurança das pessoas e a economia local.

A Covid-19 acabou acelerando mudanças que já vinham se consolidando como o crescimento das compras online – o que elevou a competição das lojas físicas com as virtuais – e o trabalho híbrido, que resultou no esvaziamento de edifícios de escritório e, consequentemente, na redução dos clientes diurnos que frequentavam os comércios próximos a essas empresas. Esse panorama vem se alterando nos últimos anos através de iniciativas e programas que procuram reativar ambientes vagos e tornar esses lugares atrativos de novo.

Em Nova York (EUA), por exemplo, o Departamento de Planejamento do município apresentou no final do ano passado relatório que apontava uma diminuição da quantidade de vitrines desocupadas de mais de 30% em 2020 para 11,1% em novembro de 2024. Apesar da queda significativa, o documento reforça que as taxas de vacância permanecem altas no centro de Manhattan. Foram analisadas mais de 143 mil fachadas de estabelecimentos nos cinco distritos – Brooklyn, Bronx, Queens, Staten Island e Manhattan. O levantamento identificou ainda uma modificação de longo prazo dos negócios de varejo, como roupas, eletrônicos e itens para o lar, para os de alimentos, bebidas e entretenimento.

As mudanças na metrópole vêm sendo impulsionadas por projetos como a Cidade do Sim, que tem promovido alterações nas leis para incentivar o desenvolvimento econômico. Em outras áreas dos Estados Unidos, a arte têm sido a catalisadora de modificações nas comunidades e de aumento da ocupação de empreendimentos vazios, com diferentes propostas sendo postas em prática, como a Zero Empty Spaces, sediada na Flórida (EUA).

A organização transforma imóveis comerciais vagos em estúdios temporários para artistas, oferecendo uma oportunidade acessível financeiramente para que esses criadores fortaleçam suas carreiras, se aproximem de públicos variados e vendam suas obras. Além disso, possibilita aos proprietários uma movimentação diária para unidades que estavam fechadas há muito tempo. Lançada em 2019, a Zero Empty Spaces conseguiu colocar, até 2024, mais de 600 artistas em estabelecimentos de distintas localidades – a maioria delas na Flórida, mas há ações em Little Rock (Arkansas), em Boston (Massachusetts) e Richmond (Virgínia).

As vantagens dessa medida ressaltadas pela instituição vão desde o fomento das expressões artísticas e trazer vida nova para lojas subutilizadas até a revitalização dos bairros, o apoio ao desenvolvimento de comunidades prósperas e culturalmente ricas e o estímulo à economia criativa. Conforme a Zero Empty Spaces, os estúdios dos artistas chamam a atenção dos pedestres, residentes e apaixonados por artes, movimentando as ruas onde estão instalados, com mais indivíduos se locomovendo pelos espaços em diversos horários. Dessa forma, ocorre um incremento na segurança das vias públicas e no consumo nos comércios existentes naquele ambiente. Estabelecendo assim um fenômeno que a escritora e ativista Jane Jacobs chamou de “olhos nas ruas”.

Com grandes varejistas encerrando seus negócios e vias importantes ficando desertas, o Reino Unido (Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte) também vem restaurando suas áreas urbanas com a implementação de lojas pop-up (temporárias) e galerias de arte. De 2022 para 2023, segundo o jornal The Guardian, o número de iniciativas dessa natureza cresceu 18%. As vitrines até então desocupadas passaram a receber fabricantes locais, empreendedores independentes, grupos comunitários, estabelecimentos focados em sustentabilidade e artistas, como Daniel Thompson, idealizador da Empty Shops Network.

Iniciada em 2008, a organização ajuda criadores a assumirem lugares comerciais vazios para exposições e atividades que deixem a arte mais acessível a públicos novos e variados. Desde 2015, o projeto passou a ser parte do Dan Thompson Studio e disponibiliza workshops e seminários pelo Reino Unido sobre lojas pop-up e outros programas temporários, seus benefícios e instalação e promove a aproximação com entidades e proprietários que possuem imóveis vagos. A expansão desse tipo de negócio está ligada, de acordo com Thompson, à crença de que as regiões centrais das cidades não estão morrendo. “Tentamos um modelo de como construir centros urbanos por 30 anos e não funcionou. Agora, estamos vendo um ecossistema adequado se desenvolver nesses espaços: um pouco de uso cívico, ambiente social, varejo, habitação e lugares para estar à noite”, observou em entrevista para o jornal.

Em Bristol (Inglaterra), a Sparks reúne uma multiplicidade de empreendedores e eventos no térreo da loja de departamentos. Já na parte superior, existe um centro para artistas, onde eles contam com estúdios acessíveis e espaços para ensaios e apresentações. Uma particularidade dessa proposta, que foi concebida pelas instituições Global Goals Centre e Artspace Lifespace, é que a Sparks faz a conexão entre os visitantes do estabelecimento com consultores sobre a utilização de energia sustentável, oportunizando às pessoas interessadas conversarem sobre a crise climática.

Moradores compram prédios desocupados para garantir recuperação de suas comunidades

De uma rua decadente e sem vida, a Union Street em Plymouth (Inglaterra) transformou-se em uma região próspera, com 25% dos seus edifícios vazios reativados, relata o The Guardian. Essa mudança, que aconteceu ao longo de cinco anos, foi possível devido à Nudge Community Builders, organização que convida residentes locais a se tornarem acionistas da entidade para que, com os recursos, possam adquirir e reaproveitar imóveis vagos no bairro. A estratégia permite, conforme o jornal, que os habitantes participem da evolução da via pública.

“Estamos interessados na propriedade coletiva de terras e prédios, e em como eles são trazidos de volta ao uso de maneiras divertidas e interessantes, com vantagens duradouras”, explicou a codiretora da Nudge Community Builders e dona de um negócio de antiguidades na Union Street, Hannah Sloggett, ao The Guardian. A instituição tem atualmente três edifícios comprados e dois alugados e conta com 595 indivíduos que investiram em ações comunitárias da entidade. Em 2020, segundo informações do site da Nudge, foram arrecadadas 300 mil libras esterlinas. Cada contribuinte tem direito a um voto nas decisões da organização, independentemente do valor pago.

Um dos objetivos da iniciativa é que seus participantes gastem 40% do seu dinheiro em um raio de até 1,6 quilômetros da Union Street e 75% em Plymouth, dando suporte aos empreendimentos da comunidade e a deixando mais forte e economicamente sustentável. Com o apoio dado aos comércios do lugar, muitas dessas empresas conseguiram crescer e abrir novos empregos, detalha a Nudge. De uma via pública insegura e voltada para os carros, como descreve a instituição, a rua e o seu entorno viraram um espaço para eventos, música, grupos comunitários, startups de negócios, artistas e festas – como a Union Street Party, que ocorre anualmente.

No setor público, o governo do Reino Unido possui um programa para firmar parcerias que capacitem moradores e organizações comunitárias para atuarem em conjunto em planos de regeneração de longo prazo de suas regiões. O High Street Accelerators, lançado em 2023, irá atender no projeto-piloto a dez vias principais com recursos de 2,37 milhões de libras esterlinas para que essas ruas enfrentem os seus maiores problemas, como lojas desocupadas, falta de visitantes e dificuldades para as pessoas circularem por seus ambientes.

Além do financiamento, as áreas – que abrangem, na maioria dos casos, zonas centrais de cidades da Inglaterra – poderão se candidatar para receber até 5 milhões de libras esterlinas para melhorar os espaços verdes de suas vias principais e conceber lugares mais agradáveis e vibrantes para os residentes se encontrarem e socializarem. Essa medida alia-se a outras intervenções que já estão sendo feitas pelo governo do Reino Unido, como leilões de aluguel em ruas importantes (novas regulamentações darão mais poder aos conselhos municipais para que possam trabalhar com proprietários de imóveis vazios e vender os direitos de aluguéis dessas unidades para inquilinos interessados, como empresas e grupos comunitários) e treinamento da população dessas regiões para lidar com a vacância dos estabelecimentos comerciais e outras situações que tiram a vitalidade desses ambientes.

Escritórios vagos são transformados em fazendas urbanas

Outra estratégia que vem sendo adotada em algumas localidades pelo mundo para ocupar as salas comerciais ociosas em seus centros e torná-las dinâmicas novamente é alterar o desenho dos escritórios para que eles possam ser usados como habitação. No entanto, essa modificação é geralmente cara e demanda que mudanças sejam efetuadas nos zoneamentos urbanos, o que deixa o processo mais difícil e lento. Enquanto isso não vira uma realidade, espaços dentro de prédios estão sendo utilizados para produzir alimentos, revela matéria da BBC. Em Calgary (Canadá), uma área de 6 mil metros quadrados da Calgary Tower agora funciona como uma fazenda, com cultivo de morangos, couve e pepino, exemplifica a publicação.

Ainda de acordo com a BBC, diferentes itens têm sido plantados em fazendas verticais em lugares como Japão, Singapura e Dubai (Emirados Árabes). A agricultura interna, destaca a publicação, já vinha se expandindo há algum tempo, mas ganhou força durante a pandemia de coronavírus, quando as interrupções na cadeia de suprimentos acentuaram a necessidade de encontrar soluções locais para o abastecimento de alimentos. A implementação desses empreendimentos pode ser, argumentou o sócio de financiamento imobiliário do escritório de advocacia norte-americano ArentFox Schiff, Warren Seay Jr. à BBC, uma maneira econômica de preencher edifícios vazios.

Nos Estados Unidos, trabalhadores estão tentando transformar um andar do prédio Niels Esperson, em Houston (Texas), em uma fazenda interna e a startup 80 Acres, que atua nesse segmento, instalou uma plantação em um ambiente de 18,6 mil metros quadrados dentro do edifício comercial de Florence (Kentucky), em setembro do ano passado. Já a startup Greenspace vem trabalhando, desde 2022, com companhias como a Deloitte e Commonwealth Bank para alterar zonas sem uso, como o espaço entre elevadores e salas de reunião, em armários hidropônicos para o cultivo de folhas verdes, acrescenta a publicação.

Outro exemplo salientado é o de um antigo depósito de papel em Arlington (Texas) onde a Area 2 Farms está produzindo mais de 180 variedades de verduras, alface, ervas e vegetais de raiz orgânicos. A empresa atende a consumidores que ficam a uma distância de até 16 quilômetros, reduzindo os custos de transporte e a geração de emissões de gases de efeito estufa. Essa proximidade é um dos benefícios assinalados pelos defensores das fazendas verticais em escritórios, assim como o uso racional da água.

Por outro lado, o maior consumo de energia para iluminação, ventilação e sensores inteligentes desses negócios é citado como um dos obstáculos desse tipo de empreendimento, o que pode ser mitigado com o uso de energia de fontes renováveis, como a solar e a eólica. As regras de zoneamento são outra dificuldade a ser superada, uma vez que muitas cidades não permitem essa atividade em regiões urbanas.

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