
Apesar da resistência de alguns empresários e moradores, estudos realizados em diversas cidades do mundo revelam que reduzir o acesso de veículos em determinadas vias traz melhorias para a economia local, a mobilidade e para o meio ambiente – com diminuição da poluição do ar.
Priorizar pedestres e ciclistas em vez dos automóveis no desenho de espaços urbanos é bom para os negócios, apontam pesquisas que analisam os reflexos nos estabelecimentos comerciais de áreas nos municípios com restrições de circulação de carros. Lugares caminháveis, com calçadas qualificadas e amplas, paisagismo, mobiliário urbano, uma variedade de empreendimentos e ruas seguras, atraem mais indivíduos, que acabam permanecendo mais tempo nesses ambientes e, consequentemente, consumindo mais. Remover os veículos de certas regiões está incentivando a atividade econômica, reforça matéria do site Streetsblog NYC.
Relatório do Departamento de Planejamento da cidade de Nova York sobre a queda nas taxas de vacância de vitrines de lojas, divulgado em novembro de 2024, ressalta a relação entre o programa Open Streets (que transforma vias em espaços abertos) e negócios locais prósperos. A diretora de Domínio Público do município, Ya-Ting Liu, salientou em entrevista para o Streetsblog que a expansão de ruas sem veículos, de praças e de restaurantes ao ar livre está criando áreas caminháveis que beneficiam residentes e visitantes ao mesmo tempo que apoiam pequenas empresas e a economia da região.
O Open Streets, que foi idealizado para dar suporte aos estabelecimentos comerciais durante a pandemia de Covid-19, é atualmente um projeto permanente e que contava com mais de 130 lugares em funcionamento no início do ano passado, aumentando a movimentação de pessoas e de clientes pagantes. Também conforme a publicação, novos empreendimentos estão procurando cada vez mais vagas nessas vias com limitações aos automóveis e vêm contribuindo, em alguns casos, na revitalização de bairros onde há um grande número de habitantes trabalhando remotamente. A Berry Street, em Williamsburg, no Brooklyn, é um dos exemplos dados pelo Streetsblog. Os negócios locais se tornaram um destino para pais, jovens profissionais e outros públicos que ficam em casa em dias úteis e usufruem dos ambientes e serviços de sua comunidade.
Mesmo com referências de sucesso de estabelecimentos implementados em ruas sem carros ou com algum tipo de restrição, existe ainda muita resistência a iniciativas como essa por parte de empresários – que temem que a cobrança de tarifas ou o impedimento de veículos em determinadas áreas vão fazer os indivíduos saírem e gastarem menos nessas vias públicas. Esse era o receio de empreendedores de Londres (Inglaterra) após o anúncio feito em 2023 de expansão da Zona de Emissão Ultrabaixa (Ulez, na sigla em inglês) para todo o território da cidade, destaca o site Centre for Cities.
Lançada em 2019, a Ulez foi concebida para melhorar a qualidade do ar na capital inglesa, ajudando a reduzir a emissão de gases de efeito estufa. Automóveis que não atendem a uma série de critérios pré-definidos e que são mais poluidores, detalha a RFI (Rádio França Internacional), devem pagar uma taxa para entrar na Zona de Emissão Ultrabaixa. Os recursos arrecadados são destinados para o aprimoramento do transporte coletivo. Outro objetivo com a ação é acelerar o processo de substituição da frota para modelos mais sustentáveis. No centro do município, foi registrada uma diminuição dos índices de dióxido de nitrogênio presente na atmosfera de 46%, segundo informações do Departamento de Transporte londrino.
Um levantamento efetuado na época da ampliação da Ulez indicava que um quinto de todos os negócios dentro da zona teriam queda em suas receitas. Para descobrir o real impacto nas compras feitas nos estabelecimentos comerciais ali presentes, foram avaliados dados de transações de cartão de crédito ocorridas nas principais ruas de bairros da capital da Inglaterra incluídos na Zona de Emissão Ultrabaixa, antes e depois da modificação. O estudo verificou que não houve reflexo negativo no consumo devido à expansão da Ulez. O que foi identificado, assinala o Centre for Cities, foi uma tendência sazonal de pequena redução nos gastos no fim do verão de 2023, cenário que ocorreu também em 2022.
Já uma pesquisa desenvolvida pela organização Living Streets, o Pedestrian Pound, demonstra que pessoas que vão às compras a pé ou de bicicleta gastam mais dinheiro que aquelas que vão dirigindo e que as vias principais exclusivas para pedestres possuem as maiores vendas. Os mesmos resultados foram encontrados em levantamento realizado em Berlim (Alemanha), que apurou ainda que os condutores deixaram, em média, 23,45 euros nas lojas das ruas comerciais analisadas e aqueles que caminham, 11,63 euros, porém os motoristas disseram visitar com menos frequência essas vias do que aqueles que usam outros meios de transporte.
Publicado originalmente em 2013, o Pedestrian Pound foi atualizado em 2018 e em 2024 e faz uma compilação de estudos sobre os efeitos e as vantagens que espaços mais preparados para as pessoas andarem a pé trazem para a saúde e felicidade dos indivíduos e para o fomento de comunidades mais resilientes. O documento, que reúne relatos de casos na Inglaterra, Escócia e País de Gales, entre outros países, afirma que investimentos na melhoria da capacidade de caminhada e da atratividade de uma região tornam mais provável que os indivíduos andem por esses lugares, encontrem amigos e passem mais tempo nesses ambientes, transformando uma saída de compras utilitária em uma experiência.
“Uma rua caminhável garante que as pessoas possam atravessar com segurança de uma loja de roupas para uma cafeteria e consumir em ambas”. acrescenta a diretora de Programa da organização Strong Towns, Rachel Quednau, em artigo para a organização sem fins lucrativos que auxilia comunidades a serem financeiramente fortes e adaptáveis. Ela explicou que isso significa que os moradores de um bairro podem pegar mantimentos e outras necessidades facilmente, o que deve fazer com que eles visitem estabelecimentos próximos com mais frequência, elevando os gastos que realizam nessas áreas.
Da Coreia do Sul à América do Norte, localidades adotam estratégias para limitar acesso de carros
Políticas que preveem a cobrança de tarifas para a circulação de veículos vêm sendo implementadas pelos municípios para alcançar metas ambientais estabelecidas em acordos internacionais e também para melhorar o fluxo do trânsito e diminuir congestionamentos nas vias públicas. Essas medidas, em geral, são acompanhadas por melhorias no transporte coletivo e na infraestrutura para ciclistas e pedestres – o que contribui também para potencializar os empreendimentos comerciais locais. Em Seul (Coreia do Sul), a substituição de uma ferrovia pouco utilizada por um parque incrementou a atratividade dos bairros vizinhos.
Com cerca de 6,3 quilômetros de extensão, o parque Gyeongui Line Forest aumentou as vendas totais de empresas no seu entorno entre 10% a 12% em comparação aos negócios mais distantes desse espaço, descreve o relatório do Living Streets, o Pedestrian Pound. Em outra pesquisa em uma região de varejo da capital sul-coreana, foi averiguado, a partir da combinação de dados de GPS com estudos efetuados com consumidores, que ruas com trânsito seguro, mais assentos distribuídos ao longo do trajeto, placas informativas e outras comodidades obtiveram mais sucesso em chamar a atenção dos clientes.
No Reino Unido, agrega o Pedestrian Pound, um levantamento usando informações de telefones celulares e de vendas em diferentes centros urbanos mostrou uma relação positiva entre o tráfego de pedestres e os estabelecimentos comerciais em nove de 11 fast foods e em 17 de 23 restaurantes. Contudo, o documento faz uma ressalva que o perfil socioeconômico de um lugar é tão relevante quanto a movimentação de indivíduos para alguns tipos de empreendimentos em determinadas áreas. Em Shrewsbury (Inglaterra), um programa iniciado durante a pandemia de coronavírus virou permanente devido ao retorno que trazia tanto para os negócios como para a comunidade.
O fechamento das principais vias do centro da cidade aos finais de semana para os automóveis estimulou uma cultura de cafés, de assentos ao ar livre e eventos que trouxe os residentes e visitantes de volta às ruas. Essa mudança levou a um crescimento das vendas nos ambientes para pedestres 25% maior em comparação com espaços liberados para o trânsito, revela o relatório da Living Streets. Para chegar a esse índice, foram avaliados dados sobre comercializações feitas no centro de Shrewsbury antes da Covid-19, entre 2018 e 2019, e depois das restrições aos carros nos sábados e domingos, entre 2022 e 2023.
Já na América do Norte, a revisão de 23 pesquisas quantificou as consequências da qualificação da estrutura de viagens ativas (caminhar e pedalar) em estabelecimentos comerciais. Um desses estudos salientou que pessoas que andavam a pé, de bicicleta e que utilizavam o transporte público de uma região de Toronto (Canadá) estavam gastando mais por mês em bares, restaurantes e lojas de conveniência do que aqueles que dirigiam. O mesmo foi descoberto em um levantamento em Portland (EUA), que verificou que indivíduos que chegavam caminhando estavam consumindo mais mensalmente em bares que aqueles que iam de automóvel até esses empreendimentos.
Diversidade de negócios próximos em vias para pedestres também impacta vendas
Trabalho desenvolvido na Espanha para apurar a influência da transformação de ruas para veículos em espaços protegidos e dinâmicos para as pessoas na receita de estabelecimentos vizinhos constatou que um dos fatores-chave para o incremento dos comércios nesses lugares é a densidade dos empreendimentos. Elaborado por pesquisadores da Universidade de Tóquio e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), o estudo se debruçou, durante aproximadamente dois anos, sobre milhares de transações de cartão de crédito efetuadas em 14 municípios: Barcelona, Badalona, Palma, Sevilha, Madri, Valência, Sabadell, Bilbao, Valladolid, Granada, Múrcia, Málaga, Zaragoza e Gijón, lista artigo do site Mobility Friendly.
Essas informações foram combinadas a dados do Open Street Map, que forneceu o histórico de alterações no uso do solo nas vias investigadas. Os autores do levantamento concluíram que os negócios em áreas voltadas para os pedestres tendem a ter maiores volumes de vendas que aquelas com o foco nos carros e que ambientes mais amigáveis para quem anda a pé qualificam a experiência de compra e atraem mais clientes – resultados em sintonia com outros estudos sobre esse tema. Além disso, eles observaram que uma maior densidade de cafés e restaurantes despertam o interesse de mais indivíduos aos locais para pedestres do que os demais.
Um dos aspectos da pesquisa reforçado pelo Mobility Friendly é que a concentração de lojas aliada a uma região caminhável eleva os reflexos positivos sobre as vendas dos estabelecimentos comerciais. Outro elemento destacado é que as limitações aos veículos e aperfeiçoamento da estrutura para quem anda a pé e de bicicleta são fundamentais para melhorar a mobilidade das pessoas em espaços urbanos, de acordo com a publicação.
Os benefícios de iniciativas que restringem a circulação dos automóveis e ampliam as possibilidades de utilização de outros meios de locomoção abrangem também a valorização de imóveis nesses lugares e uma economia para o setor público, como enfatiza a diretora de Programa da organização Strong Towns, Rachel Quednau. Conforme ela, o custo para pavimentar calçadas é muito baixo em relação ao de ruas largas para os veículos, de instalação de semáforos, pagamento de salário de guardas de trânsito, entre outros.
“Até mesmo o custo de fornecer melhorias ao ambiente para pedestres, como árvores e bancos, é insignificante em comparação ao que gastamos quando construímos ao redor dos carros”, frisa. O desgaste causado pelo tráfego de indivíduos na infraestrutura é também muito menor que o desencadeado por automóveis e caminhões, reduzindo os recursos destinados para a manutenção de longo prazo de áreas para quem caminha, conclui a diretora do Strong Towns.
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