
Apesar de ser usada para explicar a elevação de custos de uma série de produtos, a lei da oferta e demanda ainda é questionada quando aplicada ao mercado imobiliário. O incremento na busca por unidades na cidade alagoana após o desastre ambiental causado pela Braskem e diversos estudos auxiliam a compreender essa teoria na prática.
Maceió (Alagoas) possui o metro quadrado mais caro entre as nove capitais do Nordeste, com um preço médio de R$ 9.379,00, segundo o relatório do Índice FipeZap de fevereiro deste ano. Com isso, o município de cerca de 958 mil residentes ficou na oitava posição do ranking nacional, que analisa 56 localidades do País – a primeira colocada foi Vitória (Espírito Santo), com R$ 12.781,00 por metro quadrado. Mas, que fatores fazem com que uma cidade pequena e com uma renda média por domicílio menor quando comparada a lugares como Fortaleza (Ceará) e Recife (Pernambuco) alcance esse alto valor nas habitações?
A lei da oferta e demanda pode ajudar a entender o atual cenário de Maceió. A teoria econômica, que é adotada por especialistas e acadêmicos para explicar o aumento de preços de uma multiplicidade de produtos em diferentes setores, ainda é contestada quando aplicada ao mercado imobiliário. No entanto, uma revisão recente de pesquisas desenvolvidas em vários países e contextos evidencia que o acréscimo de mais imóveis em uma área pode reduzir o valor de aluguéis e melhorar a acessibilidade à moradia na região onde são implementados e, em alguns casos, em seu entorno. Conforme esses estudos, quando há uma procura maior por unidades do que a disponibilidade de residências, ocorre uma elevação dos preços devido ao incremento da demanda.
Uma situação que vem sendo vivida pela capital de Alagoas desde o desastre ambiental e urbano causado pela Braskem. Em torno de 60 mil pessoas precisaram deixar suas casas desde os tremores sentidos no bairro Pinheiro e o surgimento das primeiras rachaduras nas habitações, em 2018. Fendas nas ruas, afundamento do solo e crateras se abriram na área, danos que ocorreram também em outras quatro comunidades: Farol, Bebedouro, Bom Parto e Mutange, de acordo com Ministério Público Federal (MPF).
A Secretaria do Planejamento, Gestão e Patrimônio de Alagoas (Seplag) acrescenta que foram atingidas ao todo 69 vias públicas, mais de 36 mil pescadores e marisqueiras tiveram suas atividades econômicas afetadas e 907 empresas com inscrição estadual foram baixadas, 638 inativadas e 339 mudaram de endereço. Em 2019, o Serviço Geológico do Brasil (SGB), empresa do governo federal, apresentou documento com as avaliações efetuadas na região prejudicada e os resultados revelaram a extração mineral de sal-gema feita pela Braskem como a responsável pelo desastre, detalha o MPF.
Até fevereiro de 2025, a empresa informa, através de site criado para reunir dados sobre os danos ocorridos em Maceió e as medidas que estão sendo adotadas para atender aos residentes, proprietários e comerciantes de 14,5 mil imóveis afetados, que foram feitas 19.190 mil propostas de indenização e pagas 19.008 dessas compensações. Entre indenizações e auxílios financeiros, a companhia reporta que já destinou R$ 4,2 bilhões. Diante da necessidade de evacuação dos bairros atingidos pelo afundamento do solo, houve um crescimento representativo na busca por habitações no município, que em 2022 contava com 336 mil unidades e 77 mil apartamentos, segundo dados do FipeZap.
“A causa para esse incremento dos preços está vinculada ao desastre urbano e ambiental da Braskem, que elevou a procura por imóveis em milhares de unidades”, argumenta o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT Brasil), Felipe Cavalcante. Ele enfatiza que isso comprova empiricamente os impactos da lei da oferta e demanda no mercado imobiliário.
Outro elemento que auxilia a compreender o panorama da capital alagoana, e que também gerou aumenta da demanda por imóveis na vcidade, está relacionado ao grande número de complexos do tipo Studio e quarto e sala, empreendimentos de menor tamanho e mais voltados para investidores e segunda moradia na localidade, complementa o presidente da Associação das Empresas do Mercado Imobiliário de Alagoas (Ademi/AL), Osman Ramires. Em 2024, foram lançadas 5.068 unidades residenciais em Maceió e Região Metropolitana, sendo 57% delas apartamentos – a maioria deles imóveis de dois quartos e de um dormitório. As informações são do Estudo de Mercado – Expectativas para 2025 – Maceió/Alagoas efetuado no último trimestre do ano passado pela Brain Inteligência Estratégica para o Sinduscon-AL e Ademi-AL.
Ramires salienta que o crescimento do interesse turístico pela capital alagoana também tem reflexos sobre o valor do metro quadrado na cidade, assim como reforça o impacto do aumento da demanda provocado pelo desastre da Braskem, que elevou, principalmente, a busca por produtos enquadrados até a faixa 3 do Minha Casa, Minha Vida (na qual a família precisa ter renda mensal bruta entre R$ 4,4 mil e R$ 8 mil nas áreas urbanas ou anual de R$ 52,8 mil a R$ 96 mil para regiões rurais).
Empecilhos para a construção de mais moradias e os efeitos da oferta e demanda na redução de preços e na falta de unidades
A escassez de domicílios no Brasil era de 6 milhões de imóveis, em 2022, conforme a Fundação João Pinheiro apresentados no ano passado. A entidade é responsável pelo cálculo do déficit habitacional do País em parceria com o Ministério das Cidades. A Agência Brasil destaca que em comparação com 2019 houve um crescimento de cerca de 4,2% na falta de residências. O levantamento agrega ainda que essa carência atinge especialmente famílias com até dois salários mínimos de renda por unidade. Por região, a carência de moradias é de 2.433.642 no Sudeste do Brasil, 1.761.032 no Nordeste, 773.329 no Norte, 737.626 no Sul e 499.685 no Centro-Oeste.
Entre as dificuldades para reverter esse cenário e oferecer mais imóveis no mercado estão, na opinião do coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante, as limitações dos zoneamentos, legislações e planos diretores para evitar que domicílios sejam erguidos nos locais onde os indivíduos querem viver, nos pontos mais desejados, colocando barreiras ao adensamento dos municípios. O que explica o contexto experimentado por um grande número de cidades do País, como Maceió e o seu alto preço do metro quadrado. “Existe ainda a questão dos requisitos mínimos muito superiores ao que as pessoas mais pobres podem pagar, de lotes grandes e uma série de outras condições que fazem os indivíduos não conseguirem adquirir uma habitação. Tem também a burocracia enorme do licenciamento de empreendimentos”, lista.
Ele frisa que o grau de burocracia, os requisitos mínimos e as restrições urbanísticas são tão grandes que a disponibilidade de residências acaba sendo artificialmente limitada. A pesquisa “O Ceticismo de Fornecimento Revisitado”, publicado em 2023 pelas diretoras do corpo docente do Furman Center, da Universidade de Nova York (EUA), Vicki Been, Ingrid Gould Ellen e Kathy O’Regan, faz uma revisão dos mais recentes levantamentos sobre os reflexos da lei da oferta e demanda no valor das locações e na acessibilidade à moradia. “Temos muitas evidências sobre a importância da habitação e a maneira como essa nova disponibilidade (de residências) pode contribuir para sair dessa crise (de falta de domicílios)”, disse Vicki em painel sobre o tema realizado pelo Furman Center.
Após a análise de distintos estudos, as professoras chegaram à conclusão que há indicativos de que elevações na oferta de unidades diminuem ou desaceleram o aumento do preço dos aluguéis na área em que são implementadas e que, em algumas situações, as novas construções também reduzem o valor das locações ou a velocidade do seu crescimento na região do entorno. Elas também reforçaram que as cadeias de mudanças desencadeadas pelos empreendimentos mais recentes voltados para habitantes de alta renda liberam domicílios que são alugados por famílias de todas as faixas de rendimentos – efeito chamado de filtragem.
Sobre a possibilidade de gentrificação e deslocamento de pessoas, as autoras da pesquisa assinalaram que embora os levantamentos apurados geralmente descubram que a oferta está associada a um incremento da gentrificação (definida como uma elevação nos níveis de renda e de educação no bairro), não foi demonstrado que ela cause um deslocamento representativo de famílias de baixa renda. Pelo contrário, alguns estudos verificados indicaram que novas edificações podem mitigar a probabilidade de movimentação dos antigos moradores.
Por fim, elas apontaram que amenizar as restrições de uso do solo, pelo menos em larga escala e de forma que alterem as restrições que limitam o desenvolvimento em áreas que estão com demanda, leva na maioria dos casos ao crescimento da disponibilidade de imóveis. Porém, as docentes alertaram que esse aumento leva tempo e responde somente a uma parcela da necessidade por unidades, isso acontece por causa de todos os outros fatores que determinam o que é construído e onde.
Pesquisas mostram impactos após acréscimo de mais residências em diferentes nações
Depois de registrar um incremento de aproximadamente 130% no preço médio dos domicílios entre 2011 e 2021, a Nova Zelândia decidiu rever suas leis de zoneamento e liberar a edificação de habitações médias em todos os lotes residenciais dos municípios mais populosos do país. Com a modificação das regras, no final de 2021, foram autorizadas construções com até três andares ou três moradias nos terrenos, elevando a disponibilidade de imóveis. Em Auckland, de acordo com a revisão concretizada pelas professoras do Furman Center, houve um crescimento do estoque de unidades de 4,1%.
O levantamento averiguou ainda que, seis anos após a implementação da nova regulamentação, os aluguéis referentes a habitações de três quartos na localidade eram de 26% a 33% menores quando comparadas a residências com as mesmas características e tendências do mercado de locação em anos anteriores à aprovação da reforma do zoneamento. Outro estudo na Alemanha descobriu que o aumento de 1% na oferta anual de novas moradias em uma cidade faz com o nível médio de aluguel caia 0,2%. A investigação, salientaram as docentes do Furman Center, demonstrou também que novos imóveis a preços de mercado reduzem o fardo do custo das unidades para todos os locatários de um município e não apenas para aqueles que alugam domicílios nas faixas mais caras.
Por sua vez a economista e pesquisadora do Center for Economic Studies do US Census Bureau (EUA), Kate Pennington, se aprofundou sobre os reflexos da oferta e demanda da construção em São Francisco (Califórnia) e como isso impactava no deslocamento de seus habitantes. Em seu estudo ela verificou que o valor das locações tem uma diminuição de em torno de 2% para residências que ficam a 100 metros de novas edificações erguidas em lotes onde grandes incêndios ocorreram. A economista identificou ainda que o risco de os locatários serem deslocados para um bairro de baixa renda reduzia em aproximadamente 17%. Além disso, Kate levantou que esses dois reflexos caíam para zero em 1,5 quilômetro de distância.
A partir da análise de avisos de despejo, ela confirmou que proprietários de prédios com aluguel controlado e instalados em um perímetro de 100 metros de novos empreendimentos contam com aproximadamente 31% menos chances de despejar os seus inquilinos. Efeitos esses que persistem por, pelo menos, quatro anos depois da conclusão das obras dos edifícios. A pesquisadora pondera que as informações reunidas em seu estudo sugerem que os reflexos da oferta de mais moradias superam qualquer consequência da procura por imóveis.
Kate enfatiza também que elevar a disponibilidade de unidades a preço de mercado tem efeitos indiretos benéficos para os habitantes atuais, diminuindo o valor dos aluguéis e as pressões de deslocamento ao mesmo tempo em que melhora a qualidade do bairro. Com base em suas pesquisas, a economista conclui que a edificação de mais residências a taxas de mercado e de moradias com preços acessíveis são iniciativas complementares que devem ser estimuladas pelos tomadores de decisão das localidades para reduzir os efeitos da falta de domicílios e os altos valores cobrados por eles.
Preço médio do metro quadrado nas capitais do Nordeste
Maceió (Alagoas) – R$ 9.379,00 m²
Fortaleza (Ceará) – R$ 8.105,00 m²
Recife (Pernambuco) – R$ 8.082,00 m²
São Luiz (Maranhão) – R$ 7.725,00 m²
Salvador (Bahia) – R$ 7.116,00 m²
João Pessoa (Paraíba) – R$ 7.183,00 m²
Natal (Rio Grande do Norte) – R$ 5.690,00 m²
Teresina (Piauí) – R$ 5.585,00 m²
Aracajú – (Sergipe) – R$ 5.112,00 m²
Fonte: Relatório Fipezap de fevereiro de 2025
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