
Os ambientes construídos desempenham um papel importante no bem-estar de seus usuários e podem incentivar ou desestimular o uso dos espaços pelos indivíduos e a socialização que ocorre neles. Diferentes estudos indicam a relação entre locais caminháveis e a redução de doenças, estresse e até mesmo da sensação de isolamento.
A saúde é hoje uma das principais preocupações das pessoas e assunto nas rodas de conversa, assim como a busca por atividades que aliviem a sobrecarga da rotina e do excesso de informações. E motivos para isso não faltam, o Brasil é o quarto país mais estressado do planeta, conforme a pesquisa “Dia Mundial da Saúde Mental 2024”, realizada pelo Instituto Ipsos. Suécia, Turquia e Polônia ocupam as três primeiras posições do relatório, que reúne 31 nações. O levantamento revelou ainda que em torno de 77% da população brasileira já pensou sobre a relevância de cuidar da saúde mental. Somente no Instagram, os termos saúde e exercício possuem, respectivamente, mais de 62 milhões e de 1,1 milhão de publicações.
Entre os fatores que influenciam o bem-estar, o ambiente construído tem um impacto significativo na qualidade de vida e felicidade dos indivíduos, isso porque as decisões urbanísticas sobre os lugares afetam o acesso à moradia, às oportunidades de emprego, de fazer atividades físicas e de contato com a natureza e com áreas de lazer e de interação social. Diversos estudos desenvolvidos nas últimas décadas demonstram a relação entre a criação de municípios caminháveis – com edificações que se comunicam com a rua, serviços, comércios e comodidades instalados a curtas distâncias e espaços verdes – e pessoas mais saudáveis.
A professora de Arquitetura da Universidade de Miami (Flórida, Estados Unidos), Joanna Lombard, que investiga esse assunto junto ao Built Environment Behavior and Health Research Group, descreveu em webinar do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU) três aspectos fundamentais das cidades onde os residentes podem andar a pé com segurança que favorecem a saúde. Um deles é a possibilidade que regiões com calçadas amplas, menos carros nas vias públicas e com uso misto oferecem de maiores níveis de socialização. Segundo a docente, essas descobertas permanecem consistentes quando analisadas em toda cultura, idade, sexo e estado de saúde.
Outro ponto confirmado por distintas pesquisas, salientado por Joanna, é que os exercícios diminuem os riscos de doenças cardíacas, hipertensão, diabetes do tipo II, sintomas depressivos, perda de massa muscular, 13 tipos de câncer, assim como elevam a capacidade aeróbica, a força muscular e a mobilidade. O terceiro elemento citado por ela é como a proximidade de ambientes verdes também está associada a uma queda nos índices de várias doenças e melhora a cognição e o bem-estar.
Levantamento efetuado pela Universidade de Miami com idosos hispânicos de East Little Havana verificou ainda a importância dos chamados “laços fracos” – conexões informais que ocorrem entre vizinhos que se cumprimentam ao se encontrarem em praças, lojas, mercados ou cafés – para a saúde mental e a longevidade. A professora comentou que indivíduos mais velhos que residem em quadras com poucas características positivas de entrada frontal tinham 2,7 vezes mais probabilidade de terem algum comprometimento físico ou mental em comparação a pessoas da mesma idade que vivem em ruas com mais qualidade, com prédios com sacadas ou casas com alpendre ou varadas voltadas para a rua.
O estudo identificou também que uma criança no ensino fundamental que mora em uma quadra residencial da mesma região da localidade possuía 1,74 vez mais possibilidade de ter notas de comportamento mais baixas e desempenho escolar pior que outra que vive em um bloco de uso misto. A explicação para esse resultado, de acordo com Joanna, é que quando se conta com uma loja de esquina, mais adultos cuidando das crianças, olhos nas ruas e convívio social se fomenta um lugar melhor para todos. A docente afirmou, em artigo para a Universidade de Miami, que arquitetos e planejadores devem projetar de forma mais inteligente, com o foco em idealizar bairros saudáveis e autossuficientes. Ela acrescentou que comunidades caminháveis, que reduzem a dependência dos veículos, são uma maneira de alcançar esses objetivos.
O planejador urbano, Jeff Speck, autor do livro “Cidade Caminhável”, outro participante do webinar do CNU, apontou mais uma vantagem para a saúde de espaços pensados para os indivíduos andarem a pé: o menor risco de acidentes e fatalidades no trânsito, que é uma das principais causas de morte de pessoas com menos de 21 anos nos Estados Unidos. Ele observou ainda que o desenvolvimento suburbano, que foi baseado nos deslocamentos feitos de automóvel, é mais perigoso para os pedestres, pois “não há calçadas, as estradas são inóspitas e as distâncias (entre as moradias, trabalho e outras funções do dia a dia) são grandes”.
A velocidade de circulação dos carros é o fator principal entre as causas de acidentes e mortes nas ruas, agrega Speck. Algo que, em sua opinião, pode ser transformado pelos planejadores urbanos através de medidas como remover faixas de tráfego desnecessárias, estreitar pistas muito largas e implementar ciclovias. Outras iniciativas destacadas por ele envolvem a reversão de vias de mão única para ruas duplas, substituir sinais por placas de parada quando possível, estreitar cruzamentos superdimensionados e plantar mais árvores nos passeios públicos.
Pesquisa avalia os elementos das áreas que atraem os indivíduos e os tornam mais caminháveis
A capacidade de andar a pé nas regiões qualifica também a identidade da comunidade, a conexão com o patrimônio cultural, o turismo, a gestão de águas pluviais, a vitalidade da vizinhança e o contato entre gerações, lista o planejador urbano Jeff Speck em novo trecho da edição de dez anos do livro “Cidade Caminhável”, lançada em 2022, que foi publicado pela Bloomberg. Conforme ele, os benefícios de desenhar lugares que privilegiam as pessoas e a mobilidade ativa (andar a pé e de bicicleta) abrangem ainda a redução de crimes e da dependência de combustíveis fósseis e o aumento da expectativa de vida, da criatividade dos trabalhadores, do investimento local, da eficiência do uso da terra e da felicidade.
O reflexo do ambiente construído na saúde e no bem-estar é maior do que se imagina, declarou o professor de planejamento e política urbana ambiental da Universidade Tufts (Massachusetts, EUA), Justin Hollander, em conferência da Associação Americana de Planejamento, como ressalta matéria do The Dirt, blog da Sociedade Americana de Arquitetos Paisagistas. Ele relatou que o ser humano tem uma resposta automática e não consciente a formas, padrões e cores. “Nossas mentes são como icebergs, temos consciência de menos de 5% de nossas respostas aos espaços”, enfatizou.
Hollander argumentou também que corredores e ruas bem definidos encorajam a caminhada e que os indivíduos são atraídos por paisagens que fornecem sequências claras. Isso porque as pessoas estão sempre em busca de refúgio, de uma sensação de segurança e de perspectiva. Algo que é transmitido por meio da concepção de uma moldura visual, que engloba limites verticais – como edifícios e árvores – ao longo de uma via. O chamado senso de enclausuramento transmite um sentido de orientação e conforto. O professor complementou que os seres humanos são programados para “procurar rostos em todos os lugares” e que talvez por isso muitos prédios tradicionais remetem muitas vezes a uma face, com uma porta central e janelas de cada lado.
Um levantamento feito por Hollander na Tufs examinou como os alunos reagiam a uma série de imagens de ambientes construídos. Através de um software de rastreamento ocular, o docente conseguiu identificar a trajetória que os olhos dos estudantes percorriam e percebeu que eles se fixavam primeiro na entrada e janelas de um edifício, ignorando as áreas em branco. Ao mostrar uma biblioteca contemporânea, com fachada de vidro, os olhares foram brevemente para as bordas e depois para o céu. Segundo Hollander, isso aconteceu porque a fotografia causava estresse cognitivo.
A partir dos dados apurados no estudo com 30 alunos, o pesquisador averiguou que ruas que possuem casas mais próximas umas das outras, com arquitetura que remete a rostos e boas calçadas incentivam a caminhada. Em comparação, quando uma imagem de uma fileira de garagens de estacionamento, sem portas ou janelas voltadas para a rua foi apresentada, os estudantes buscaram por esses itens nas fachadas e acabaram desistindo rapidamente e olhando o céu. “Havia menos intensidade visual (nessa foto), e é um espaço menos caminhável”, frisou Hollander.
A urbanista Megan Oliver detalhou no mesmo evento que os indivíduos estão constantemente respondendo ao ambiente construído e tentando moldá-lo para diminuir o estresse, ansiedade e infelicidade que esses lugares possam vir a despertar. Ela pontuou também que locais felizes são planejados para encorajar as interações sociais e que comunidades onde isso ocorre estabelecem uma identidade compartilhada por meio de jardins, arte pública e outras melhorias que ajudam a reduzir aspectos estressores, como a poluição, fachadas de vidro e concreto e ruídos, por exemplo.
Já o professor de matemática, arquitetura e teoria urbana da Universidade do Texas em San Antonio (EUA), Nikos Salingaros, assinalou que os “arquitetos hoje estão casados com um estilo enraizado na Alemanha dos anos 1920 – a Bauhaus – que cria um ambiente construído insalubre”. De acordo com ele, milhões de dólares são desperdiçados na “idealização de caixas de vidro estilisticamente irrelevantes que são essencialmente invisíveis para as pessoas”. O docente defende que em vez de seguir investindo nessas edificações é necessário colocar as conexões humanas em primeiro lugar através da concepção de espaços onde se possa caminhar e pedalar. Para isso, Salingaros sugere começar pelo desenvolvimento de bairros que sejam confortáveis para os seres humanos, com quadras menores e centradas nos indivíduos.
Áreas verdes: como elas contribuem para melhorar a saúde de adultos e crianças?
O contato com a natureza é um fator essencial para o bem-estar da população confirmam diferentes estudos concretizados nas últimas décadas – pesquisas estimuladas especialmente pelos efeitos da urbanização nas mudanças climáticas e no aquecimento global. A proximidade com ambientes verdes e azuis, reforça artigo do Instituto de Saúde Global de Barcelona (ISGlobal), possui impactos positivos na saúde física e mental de adultos e crianças e promove os encontros e a permanência nesses lugares, assim como impulsionam as caminhadas, transformando os bairros em destinos mais qualificados.
Os espaços verdes urbanos são, conforme o ISGlobal, qualquer área pública ou privada (jardins, praça, parques, bosques) coberta com vegetação de qualquer tipo (árvores, grama, flores ou arbustos). Já os ambientes azuis são definidos como qualquer extensão visível de água, seja ela natural (lagos, rios, córregos, mar) ou artificial (fontes, lagoas em parques, entre outras). Ainda segundo a publicação, independentemente da densidade urbana, estar perto de uma infraestrutura verde está associada a uma melhor autopercepção da saúde em geral e mental.
Os levantamentos analisados pelo ISGlobal evidenciam também que o incremento de 0,1 no índice de vegetação próxima a uma residência pode estar conectado a uma diminuição de 4% na mortalidade por todas as causas. Além disso, foi observado que a exposição a regiões verdes desempenha, a médio e longo prazo, um papel significativo na prevenção de obesidade, hipertensão e altos níveis de gordura corporal e açúcar no sangue, especialmente em locais com mais árvores. Os motivos para isso, detalha o instituto, podem ser uma combinação de elementos, como melhor qualidade do ar, temperaturas mais baixas e redução do estresse térmico, aumento da atividade física, maior interação social e uma sensação de restauração psicológica.
A proximidade de espaços verdes auxilia ainda na diminuição da poluição do ar, redução essa que é mais eficaz quando as árvores e demais vegetações estão a menos de 300 metros de onde as pessoas vivem, trabalham e estudam. Outro exemplo dado pela ISGlobal sobre a importância da natureza nas cidades é que crianças que brincam em áreas caracterizadas pela alta biodiversidade têm uma melhora no sistema imunológico. O instituto afirma que muitos municípios estão elevando a sua cobertura vegetal, com a instalação de corredores verdes, paredes vivas, novos parques e telhados verdes em prédios e escolas, como estratégia para auxiliar as localidades a se adaptarem e enfrentarem os reflexos das mudanças climáticas.
Seja o primeiro a receber as próximas novidades!
Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.