fachadas

Vistas como um símbolo de avanço tecnológico, essas edificações podem ser encontradas em qualquer parte do mundo, independentemente das características climáticas, culturais, da tradição construtiva ou do contexto urbano dos municípios. A monotonia dos panoramas criados por esses prédios e os seus efeitos na sustentabilidade e no bem-estar das pessoas vêm sendo cada vez mais estudados e criticados.

A disseminação de prédios com fachadas de vidro vem padronizando a paisagem de diferentes cidades do globo, reduzindo os elementos que tornam os locais únicos e geram identificação com os seus frequentadores. De São Paulo a Londres, Nova York, Dubai, Bangkok ou Xangai, os cenários urbanos dos municípios estão ficando mais semelhantes, apesar das particularidades geográficas, ambientais, culturais e das técnicas construtivas e dos materiais presentes em cada região. Segundo o Conselho de Edifícios Altos e Habitat Urbano (CTBUH, na sigla em inglês), entre os 100 prédios com maiores alturas sendo erguidos no planeta, grande parte deles são arranha-céus com estrutura de vidro, aço e concreto, ressalta a revista Dezeen.

Em um momento em que a crise climática se agrava e as cidades procuram soluções para mitigar os seus reflexos, o debate sobre os impactos das edificações envidraçadas ganha novo fôlego. Além da questão da sustentabilidade desses prédios, outros efeitos nas localidades têm sido pesquisados e criticados por arquitetos, urbanistas e demais profissionais preocupados com o futuro dos municípios – com muitos deles defendendo o fim da construção de empreendimentos desse tipo. O diretor do escritório de arquitetura norueguês Snøhetta, Robert Greenwood, disse à Dezeen que a maioria das cidades vai exigir mais dos edifícios do que apenas uma torre isolada, com vidros uniformes em todas as fachadas.

“De nossa parte, declaramos mais uma vez que o arranha-céu todo de vidro está finalmente morto. Com fins comerciais, essa objetificação da arquitetura busca celebrar o que o prédio é, em vez do que ele faz”, acrescentou o diretor. A mesma visão é compartilhada pelo presidente da empresa de arquitetura norte-americana Kohn Pedersen Fox, James von Klemperer. “Acho que todos nós sentimos, como uma comunidade de arquitetos, que idealizamos e construímos muitas extensões de vidro em nossas localidades”, afirmou. Em 2019, o prefeito de Nova York (EUA), Bill de Blasio, tentou impedir a edificação de prédios envidraçados, recorda matéria da Fast Company . Na ocasião, ele argumentou que os arranha-céus de vidro e aço não tinham mais “lugar no município e no planeta” por causa da sua ineficiência energética contribuir para o aquecimento global.

No entanto, os esforços até agora não evitaram que mais projetos dessa natureza fossem desenvolvidos, acentuando os problemas desencadeados pela sua implementação. A monotonia dos panoramas e a falta de identidade local são outros reflexos negativos dos edifícios de vidro, assim como a sua pouca interação com a rua. Por contarem com características genéricas, essas construções podem ser erguidas em qualquer cidade, estabelecendo os chamados “não-lugares”. O conceito foi elaborado pelo etnólogo e antropólogo francês Marc Augé em seu livro “Não Lugares: introdução a uma antropologia da supermodernidade”, lançado em 1992, destaca artigo do Observatório do Espaço Público, laboratório vinculado ao Departamento de Arquitetura e Urbanismo e ao Programa de Pós-Graduação em Planejamento Urbano da Universidade Federal do Paraná (UFPR), em Curitiba.

Os “não-lugares” são ambientes de passagem, sem significado suficiente para promover identificação nos indivíduos e que dificultam ou impedem a socialização. Aeroportos, redes de hipermercados, vias expressas, shoppings, redes de fast food e estações de metrô são alguns exemplos de áreas que não incentivam a permanência das pessoas ou possuem traços que sejam reconhecíveis. Em sua obra, Augé explica que um lugar só pode ser definido a partir do momento em que “ele se coloca como identitário, histórico e relacional para um ou mais indivíduos de uma sociedade”.

Associados muitas vezes à ideia de avanço tecnológico, progresso e leveza – resquícios da era modernista –, os prédios envidraçados se transformaram em um modelo, principalmente, para os empreendimentos comerciais. Outra consequência da massificação desses complexos que pode ser percebida nos municípios é uma claridade excessiva causada pelas superfícies reflexivas dessas edificações, algo que pode gerar desconforto visual em pedestres e motoristas e impactar no uso dos espaços públicos e no dinamismo das ruas.

Em Nova York, esse contexto levou, na opinião do crítico de arquitetura e de música clássica, Justin Davidson, a uma paisagem urbana “de brilho implacável”, com prédios de escritórios e torres de apartamentos diversas em “físico, mas vestidos com as mesmas roupas cristalinas, como se tentassem em vão não serem vistos”. Em artigo para o site Cuberd, da New York Magazine, ele escreveu que a arte de construir “já é limitada demais para abrir mão de sombras, texturas, profundidade, cores, imperfeições orgânicas e marcas do tempo”. Projetar edifícios melhores e em sintonia com as demandas contemporâneas e as realidades regionais é o caminho indicado por um grupo crescente de profissionais para ser ter locais mais qualificados e preparados para o futuro.

Sustentabilidade posta em xeque

A proibição de arranha-céus totalmente de vidros também é difundida pela professora de ciências e políticas ambientais da Universidade Centro-Europeia, na Hungria, e vice-presidente do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, Diana Ürge-Vorsatz. Em entrevista para a revista Wired, ela enfatizou que essa medida é necessária para alcançar qualquer objetivo climático razoável. O vidro, complementa a reportagem da Fast Company, sempre foi um material improvável para grandes prédios em razão da dificuldade de controlar a temperatura e o brilho nas áreas internas, isso ocorre porque o calor da parte de dentro não consegue escapar da estrutura envolta por uma película de vidro.

Alterar essa situação só foi viável a partir da evolução dos sistemas de refrigeração e do acesso à energia abundante, que surgiram na metade do século XX. Conforme a publicação, distintos estudos demonstram que as emissões de carbono de edifícios de escritórios com ar-condicionado são 60% maiores do que as de escritórios com ventilação natural ou mecânica. A Agência Internacional de Energia revela que a quantidade de energia usada para resfriamento no mundo mais que dobrou de 2000 até 2019 e deve duplicar novamente até 2040, se não houver uma diminuição na dependência dos aparelhos de ar-condicionado, destaca a Wired.

Hoje em dia se estabeleceu um ciclo vicioso, em que se ergue arranha-céus de vidro para depois resfriá-los, consumindo energia e colaborando para elevar as temperaturas. Cenário que piora em regiões de clima quente. E essa é uma realidade que não pode ser resolvida apenas desligando a refrigeração, é necessário pensar em como a arquitetura pode manter os indivíduos confortáveis sem a utilização desnecessária do ar-condicionado, comentou a professora da Universidade Centro-Europeia. “Sim, o vidro é bonito, mas no século XXI, quando enfrentamos uma emergência climática, precisamos redefinir a estética. Um prédio pode ser bonito sem ser, do ponto de vista climático, extremamente irresponsável”, frisou Diana.

Um dos motivos para que novos empreendimentos envidraçados sigam sendo realizados apesar de seus efeitos no meio ambiente e nos espaços urbanos, de acordo com a revista Dezeen, é que as fachadas de vidro são baratas de produzir, instalar e manter, além de oferecerem muita luz natural e várias vistas das cidades. Outro fator citado é a introdução de novas tecnologias que melhoraram o desempenho térmico e energético, como a utilização de paredes-cortina compostas por até quatro camadas de vidro. O complexo de escritórios planejado pelo Zaha Hadid Arquitetos em Hong Kong usa esse recurso e conta com painéis de vidro isolante de quatro camadas, duplamente laminados e duplamente curvos.

Contudo, o diretor da Escola de Ambiente Construído na Universidade de Nova Gales do Sul, em Sydney, Philip Oldfield, tem dúvidas quanto à redução dos reflexos dos edifícios envidraçados trazidos pelas inovações. À Dezeen, ele observou que está se adicionando mais materiais e tecnologias para resolver algo que poderia ser efetuado empregando menos vidro. A durabilidade e reciclagem do produto são outros aspectos que afetam a sustentabilidade desses empreendimentos.

O arquiteto britânico, especialista em meio ambiente e fundador da Targeting Zero, Simon Sturgis, reforçou à Wired que, apesar das camadas de vidro diminuírem os obstáculos de resfriamento dos prédios, o material deve ser substituído a cada 30 ou 40 anos, gerando uma grande pegada de carbono. E os painéis de vidro ficam grudados com plástico, o que dificulta até mesmo a reciclagem. Segundo a publicação, o produto é ótimo para fazer janelas, mas no restante da construção, mesmo com iniciativas inovadoras, ele não consegue competir como material sustentável. A Wired relata ainda que os arranha-céus do futuro continuarão necessitando de vidro, porém ele deverá representar, no máximo, 40% da fachada – o restante será feito de elementos mais duradouros –, com novas edificações que lembram mais o Empire State Building (Nova York) do que o Gherkin (Londres, Inglaterra).

Materiais ligados às memórias e tradições locais estão voltando às construções

Projetos em diferentes municípios estão investindo em outros elementos para as suas fachadas. Em Vancouver (Canadá), um prédio residencial de 18 andares voltado para estudantes da Universidade da Colúmbia Britânica foi erguido com madeira, exemplifica a Wired. Materiais produzidos regionalmente ou que remetem à história dos lugares também vêm sendo utilizados por empreendimentos pelo planeta, inclusive no Brasil, assim como o uso de verde nas fachadas. Em Nova York, tijolo, pedra e terracota retornaram às edificações do município, salientou o crítico de arquitetura e música clássica Justin Davidson em artigo para a Curbed.

Novas construções em desenvolvimento na localidade confirmam a visão de Davidson, como uma grande casa unifamiliar concebida com tijolos e terracota no bairro West Village, que lembra antigas moradias que eram erguidas na área. Já o Grand Mulberry, um prédio de apartamentos em Little Italy, é revestido de tijolos artesanais, colocados à mão. Algumas dessas peças, descreveu o crítico, possuem saliências arredondadas que parecem blocos de Lego.

O presidente da empresa de arquitetura norte-americana Kohn Pedersen Fox, James von Klemperer, assinalou na publicação que há “um interesse e uma apreciação maiores pelo artesanato e pela arquitetura humanística. Gostamos de ver como os tijolos são assentados e a madeira é fresada”. Para Davidson, é um sinal encorajador quando arquitetos e construtoras redescobrem ferramentas que não deveriam ter sido abandonadas

Em outro artigo para o site Intelligencer, também da New York Magazine, o crítico sustentou que tijolo, granito, calcário, cobre, zinco, madeira e terracota – que são materiais com longa tradição nas edificações de Nova York – nunca desapareceram completamente dos exteriores da cidade. Mas, conforme ele, por décadas foram rebaixados a “papéis secundários”, sendo substituídos por vidro. A diretora-fundadora do escritório Selldorf Arquitetos na Big Apple, Annabelle Selldorf, afirmou à revista que os materiais históricos concentram a atenção dos profissionais em detalhes que se registram no nível da rua, que satisfazem o desejo humano de intimidade, mesmo no meio de uma megametrópole.

“A terracota incentiva você a pensar sobre cor e forma de uma maneira mais refinada, sem ter que provar que um prédio pode se sustentar em uma perna só”, detalhou Annabelle. Na mesma linha, o cofundador do escritório SHoP Arquitetos, Gregg Pasquarelli, insiste que a volta de elementos como o cobre não é um movimento para reviver uma moda vintage ou evocar o passado. Ele declarou a Davidson que os arquitetos do SHoP escolhem os materiais pela função que realizam e pelos sentimentos que despertam. “Há uma razão pela qual você ainda pode usar elementos tradicionais como cobre e terracota: eles têm um bom desempenho, quebram a escala de um edifício e lhe dão textura. Você pode se conectar com eles. Não é nostálgico. O cobre está no nosso arsenal. Usaremos para sempre”, adiantou.

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