
A expansão urbana é algo natural nos municípios, que precisam crescer para atender às demandas dos atuais e novos moradores. Porém, essa movimentação precisa ser bem planejada, revendo leis que incentivam o espraiamento das localidades em vez de um desenvolvimento sustentável, que reduz os impactos ambientais e melhora o aproveitamento do solo e a qualidade de vida das pessoas.
Em um cenário de aumento da população global, que deve chegar próximo a 10 bilhões de habitantes em 25 anos e com aproximadamente 70% desses indivíduos vivendo nas cidades – segundo a Organização das Nações Unidas (ONU) –, os municípios precisam encontrar soluções para continuar se desenvolvendo ao mesmo tempo que lidam com os reflexos das mudanças climáticas, a desigualdade e a falta de imóveis nas áreas onde as pessoas querem residir. “A expansão urbana é natural, nenhuma localidade cresceu até hoje sem isso ocorrer”, salienta o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante.
Essa movimentação, seja ela informal com as favelas e ocupações irregulares ou regular com os loteamentos e condomínios, é resultado de distintos elementos. Terrenos mais longe dos centros urbanos são mais baratos e oferecem uma alternativa para quem procura moradia, mas não pode pagar muito por ela, o que leva mais indivíduos para as extremidades dos municípios. Por outro lado, há também aqueles que desejam habitações maiores e um outro estilo de vida e buscam imóveis em bairros planejados ou condomínios. “Existem diversos tipos e tamanhos de residências, preços e lugares para os diversos públicos. Inclusive, uma mesma pessoa pode ao longo da vida, em diferentes estágios, ter preferências variadas”, assinala Cavalcante.
No entanto, aponta o empresário, há um momento em que a expansão horizontal deixa de ser natural e saudável e passar a ser um espraiamento, o que resulta na criação de bairros caracterizados pelas casas unifamiliares instaladas em grandes lotes e pela dependência dos carros – mesmo para viagens curtas. Os subúrbios norte-americanos são uma tradução dessa visão de desenvolvimento, que foi tanto impulsionada por legislações urbanas e restrições de zoneamento como pelo desejo das pessoas por unidades maiores e pelo incremento das rendas familiares.
As normas que estabeleceram o que, onde e como poderiam ser construídas as moradias, os comércios e as fábricas nas localidades, e acabaram por separar as inúmeras atividades que ocorrem nos espaços urbanos, são citadas como um dos principais fatores para a crise habitacional nos Estados Unidos, limitando a oferta de residências e elevando artificialmente os preços das propriedades e dos aluguéis, como relata matéria da CNN. Conforme a publicação, essas regras também fomentaram o ideal suburbano norte-americano de possuir uma moradia com varanda e um grande pátio após a Segunda Guerra Mundial.
Além disso, a CNN ressalta que muitos críticos às leis de zoneamento afirmam que elas se tornaram excludentes, reforçando a segregação racial e de classe, dificultando que muitos indivíduos e as gerações mais novas consigam comprar uma casa própria e impedindo que um grande número de famílias fosse viver em comunidades com melhores oportunidades de trabalho, de entretenimento, de serviços e escolas, por exemplo. Apesar de ainda hoje cerca de 75% dos terrenos destinados à habitação naquele país proibirem imóveis multifamiliares, algumas cidades e estados estão modificando as suas legislações para reverter o panorama atual e evitar o espraiamento.
Uma densidade mais baixa é uma das consequências dessa forma de crescimento dos municípios. O espraiamento está associado também a um consumo mais alto de energia (para aquecer e resfriar as construções, iluminação pública e transporte), incremento dos custos de infraestrutura, fragmentação de habitats, poluição do ar e da água e desigualdade, lista artigo da revista Nature. A publicação observa ainda que o desenvolvimento suburbano nos Estados Unidos foi causado, entre outros motivos, pelo aumento populacional e investimentos históricos em estrutura para os veículos.
A infraestrutura rodoviária crescente, o afastamento de residências, empregos e lazer gerado pelas normas de zoneamento urbano e a falta, em muitas localidades, de transporte público e de conexões com ciclovias e boas calçadas elevam a utilização de automóveis particulares e as emissões de gases de efeito estufa. As cidades são responsáveis por mais de 70% da liberação de dióxido de carbono (CO2) na atmosfera. Estudo publicado pela revista Nature apurou que o incremento de 1% na densidade de um município com 10 mil pessoas está associado a uma queda das emissões de CO2 de 0,42%.
A mesma alteração realizada em uma metrópole com 1 milhão de moradores demonstrou uma redução de 0,56% no gás carbônico gerado. O levantamento, que teve como base informações de localidades dos Estados Unidos, indicou que o adensamento de áreas urbanas populosas provavelmente terá contribuições significativas para baixar a produção de dióxido de carbono.
Desenvolvimento equilibrado das cidades e com bom urbanismo
Um crescimento sustentável pode ser alcançado através do balanço entre a expansão vertical (para cima) e horizontal (para os lados) dos municípios, destaca artigo do Grupo Independente de Avaliação (IEG, na sigla em inglês), entidade que analisa a eficácia do desenvolvimento do Banco Mundial. Ainda de acordo com o IEG, cada uma dessas maneiras de evolução das localidades traz benefícios e desvantagens que devem ser ponderados pelos governos para que possam ser adotadas estratégias que impulsionem o aumento das cidades de forma planejada e com redução dos impactos ambientais, sociais e econômicos dessa movimentação.
A organização argumenta que quando ocorre um crescimento horizontal que distorce esse equilíbrio pode acontecer uma queda das densidades nas regiões centrais, afetando a aglomeração dos municípios, o que favorece a proximidade entre os indivíduos e empresas e diminui os custos de transporte – uma vez que as pessoas podem viver perto de seus trabalhos, universidades, parques e comércios. Isso traz ainda elevação da produtividade e melhores possibilidades de inovação, acrescenta o artigo. O IEG frisa que outras vantagens são agregadas quando é implementada nas localidades uma infraestrutura de transporte robusta, com vias qualificadas e conectadas e uma diversidade de alternativas para a locomoção das pessoas. Isso ajuda a reduzir o tempo gasto nos deslocamentos e a produção de gases de efeito estufa.
A extensão com urbanismo pode ser vista como uma oportunidade de desenvolvimento sustentável das cidades, segundo artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). A publicação relata exemplos de uma série de municípios que cresceram investindo em caminhabilidade e no aproveitamento da infraestrutura já implementada, ampliando o conjunto de ruas convidativas para os indivíduos andarem a pé. O jornal informa ainda que as expansões têm funcionado bem quando conseguem elevar a rede viária, sem deslocar ninguém e sendo eficiente em termos de localização.
A transformação de uma área de 160 mil metros quadrados à beira do rio Arkansas onde ficava um lixão em um novo bairro em Buena Vista, Colorado (EUA), é uma das referências dadas pelo Public Square. O projeto, descreve a publicação, reconectou a localidade à água por meio da extensão das vias públicas que favorecem as caminhadas e o pedalar. No momento, a praça principal da comunidade, que se chama South Main, é cercada por edifícios de uso misto, fornece um ambiente de convivência para residentes e visitantes e as suas ruas permitem vistas para o rio e a montanha.
Os bairros planejados são outro exemplo de expansão urbana que vem apresentando resultados positivos e disponibilizando mais e variadas moradias, acrescentou o coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante, em reportagem do portal. Distintas iniciativas no Brasil têm aliado crescimento dos municípios a boas práticas urbanísticas, com ações que colocam os pedestres em primeiro lugar e tiram o protagonismo dos carros e reaproximam as habitações de uma série de comodidades e oportunidades de emprego, idealizando comunidades dinâmicas e conectadas por diferentes meios de mobilidade a outras regiões.
Além disso, muitos projetos contam com espaços públicos, como praças e parques, que incentivam as interações entre as pessoas e estabelecem novos destinos nos municípios. A preocupação com os reflexos no meio ambiente e sustentabilidade é outra particularidade desses empreendimentos, que buscam em seus terrenos preservar grandes áreas verdes e ainda estimular o contato de seus residentes e visitantes com a natureza através de locais para caminhar, pedalar e da instalação de mobiliário urbano confortável e atrativo para o descanso e a contemplação.
A expansão urbana brasileira entre 1993 e 2020
Estudo da organização de pesquisa WRI, lançado em março de 2025, revela como as cidades brasileiras cresceram nos últimos 30 anos. O levantamento combinou dados de sensores de radar, do MapBiomas (rede formada por ONGs, universidades e empresas de tecnologia) e do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para investigar o desenvolvimento dos municípios entre 1993 e 2020. Os pesquisadores verificaram que, nesse período, as metrópoles concentraram a maioria dos empreendimentos verticais enquanto a expansão horizontal ocorreu majoritariamente nas localidades médias e pequenas.
A avaliação mostrou também que o aumento de imóveis erguidos nas últimas três décadas foi maior que o de moradores urbanos no País. Colaborar para a definição de políticas públicas que encontrem o equilíbrio entre densidade populacional e oferta de infraestrutura é mais um dos objetivos do estudo frisado por seus autores. Tanto o crescimento vertical como o horizontal, quando bem planejados, podem trazer vantagens para as cidades e seus habitantes. No caso do desenvolvimento para cima, ele permite reunir uma maior quantidade de indivíduos em uma mesma região, viabilizando a implementação de comércios, serviços, cafés, escolas e outras amenidades, assim como diminui o custo de instalação de infraestrutura e promove a caminhabilidade.
Já a expansão lateral pode criar novas centralidades urbanas, com complexos de uso misto, espaços públicos e pensados para a multimobilidade. Por outro lado, ambos os tipos de desenvolvimento possuem aspectos negativos quando ocorrem sem organização e pelo fomento de leis que restringem o crescimento natural dos municípios e o uso do solo, que levam ao espraiamento. Por muito tempo, esse foi considerado um problema apenas dos norte-americanos, analisa o editor de Ciências da Terra e da Vida da Enciclopédia Britânica, John Rafferty, em artigo.
Porém, esse é um fenômeno que se repete em vários países, incluindo o Brasil, impulsionado por diferentes fatores como o crescimento econômico e a globalização. Contudo, Rafferty enfatiza que muitos especialistas acreditam que as “leis de planejamento frágeis e zoneamento de uso único também contribuem para a expansão urbana”.
O crescimento inteligente e a adoção dos princípios do Novo Urbanismo (com áreas caminháveis e centradas nos pedestres) são algumas das alternativas ao espraiamento salientadas pelo editor da Enciclopédia Britânica. Conforme ele, ambas as estratégias incentivam o desenvolvimento econômico em municípios sem muitos dos impactos ambientais, comunitários, sociais e financeiros que são relacionados à expansão suburbana.
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