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Das fachadas dos prédios e arborização das ruas à iluminação, mobiliário urbano e uma variedade de atividades, diferentes elementos são planejados para criar espaços públicos que os indivíduos gostem de ficar e com os quais se identifiquem e cuidem. Em tempos de relações mais digitais, proporcionar experiências significativas nas áreas urbanas e interações sociais é um desafio para as cidades e profissionais.

A vida cotidiana acontece nos espaços urbanos. Quando as pessoas saem de suas moradias para realizar tarefas diárias, elas se encontram com o ambiente coletivo. Por isso, o desenho dos municípios é tão relevante e impacta o bem-estar, a saúde e até mesmo a felicidade dos indivíduos e a maneira como eles se apropriam desses lugares. Apesar de todos os seus reflexos positivos e da sua importância para a vitalidade das vias e o desenvolvimento econômico local, muitas dessas regiões não são atrativas e confortáveis para os seus frequentadores – inclusive alguns parques e praças.

“A gente está precisando reaprender a fazer espaços urbanos de qualidade, para eles serem acolhedores, agradáveis e para que as pessoas queiram permanecer neles. Se olhar para os municípios brasileiros hoje, são raríssimos os ambientes que os indivíduos realmente gostam de ficar”, argumenta o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (Adit), Felipe Cavalcante. Ele reforça que para ter bons lugares é necessário, cada vez mais, pensar em como compor a paisagem urbana e os seus diversos fatores.

A qualidade de uma área urbana influencia ainda as relações sociais, comportamentos e tendências, acrescenta a arquiteta e urbanista Luciana Pitombo, diretora do estúdio de arquitetura e consultoria Plantar Ideias. “O suprassumo de um bom resultado de um projeto urbanístico seria a pessoa se sentir tão bem, segura e tranquila em um local público como quando está dentro da sua casa”, compara. Algo que ela percebe que ocorre no Ibirapuera, em São Paulo (SP). A Plantar Ideias elaborou o plano de intervenções do parque, um masterplan de revitalização da arquitetura e de uma série de estruturas que fazem parte do espaço de mais de 1,5 milhão de metros quadrados. “Os frequentadores falam que se sentem bem lá e a gente nota que há um sentimento de carinho pelo ambiente”, comenta Luciana. O sucesso de um lugar, pondera a arquiteta, pode ser resumido no tripé: indivíduos querendo ocupar uma área, um espaço adequado e ter o que fazer.

Um ambiente público possui atividades necessárias, como a passagem da infraestrutura e a circulação de veículos, que envolvem as funções mais brutas das cidades, complementa a arquiteta e urbanista Juliana Castro, diretora criativa da J8 Arquitetura Viva. Além dessas, há as opcionais que são, por exemplo, o parar, sentar e permanecer no lugar e as sociais, que abrangem a interação entre as pessoas. “Quando planejamos áreas urbanas para serem acolhedoras, estamos incluindo esses dois últimos grupos de atividades e não somente o essencial”, explica. Segundo Juliana, quando se projeta dessa forma, se qualifica e proporciona oportunidades para o convívio dos indivíduos e o contato deles com a natureza e com regiões comerciais.

A construção de uma paisagem urbana demanda um olhar integral, avaliando os distintos componentes que devem ser considerados para se chegar ao resultado esperado que são locais melhores para residentes e visitantes das cidades. Entre os itens que devem ser analisados estão fachadas dos edifícios, calçadas, mobiliário urbano, espaços verdes e o dinamismo das vias. O conforto ambiental é uma premissa para idealizar áreas urbanas agradáveis e aconchegantes, aponta a diretora criativa do J8. “Isso quer dizer entender as condições climáticas de cada lugar, pensando em sombreamento, incidência de ventos e vegetação – algo cada vez mais importante nos nossos municípios”, detalha.

O plantio de árvores, descreve a arquiteta, ajuda a melhorar o microclima urbano, assim como mantém o contato das pessoas com a fauna e a flora. Ela sempre opta por espécies nativas da região onde está trabalhando, escolhendo aquelas que têm copas grandes e formam uma verdadeira massa vegetal. Há ainda os canteiros a serem desenhados, jardins de chuva e a drenagem, elementos que precisam ser estudados caso a caso. “Quando a gente integra parques e ruas em um sistema, uma rede de espaços públicos livres, estamos criando um tecido na cidade que inclui a natureza, onde as vias são corredores com árvores e, às vezes, temos pequenos oásis que são bons para os indivíduos e a fauna que habita a localidade”, salienta.

Dentro do contexto de paisagem urbana, ressalta Luciana, a natureza é um fator que torna a conexão das pessoas com os ambientes mais fácil. Uma rua arborizada é viva, pontua a diretora da Plantar Ideias. “Mas, além de ser um elemento vivo, tem toda uma questão estética que a vegetação traz, de sombreamento, drenagem e o benefício climático”, frisa. A arquiteta enfatiza que atualmente não se tem como imaginar o desenvolvimento de áreas urbanas sem refletir sobre esse tema e as ações práticas que podem contribuir na resiliência dos lugares, como soluções mais baseadas na natureza.

Planejando espaços que gerem identificação e permanência

Uma grande diversidade de indivíduos utiliza os ambientes públicos, que devem ser projetados para serem inclusivos e atenderem às diferentes necessidades e condições de seus frequentadores, seja através do mobiliário ou das atividades e trajetos disponibilizados. Nesse sentido, a diretora criativa do J8 Arquitetura Viva, Juliana Castro, observa que podem ser pensados bancos, mesas e equipamentos para grupos ou para as pessoas se sentarem sozinhas e também se sentirem à vontade. Assentos com encosto e braços tornam a experiência mais confortável para indivíduos mais velhos e para aqueles com mais dificuldades de mobilidade, exemplifica a arquiteta.

Incluir atividades recreativas nas áreas urbanas, como espaços gastronômicos, pontos para sentar e comer e lugares para crianças, jovens e adultos brincarem e para a prática de exercícios e esportes, é algo fundamental para que esses ambientes sejam usados, proporcionem bem-estar e estabeleçam um sentimento de pertencimento. Um bom espaço urbano permite ainda o ócio, afirma a diretora do Plantar Ideias, Luciana Pitombo, e que as pessoas se sintam bem ali, fiquem nela e se identifiquem com o espaço, passando a cuidar dele. Esse movimento ganha eco e mais usuários começam a ter essa atenção com as regiões que frequentam e a exercer um olhar de zeladoria nessas regiões.

“A gente precisa acrescentar atividades que possibilitem a interação entre os indivíduos, extravasar a energia, ter contato com a natureza, praticar esportes, viver em comunidade e trazer um pouco dessa coisa lúdica para os ambientes urbanos. A ludicidade é super importante”, defende Juliana. O balanço é um componente que a arquiteta utiliza em seus projetos para oferecer esse momento de diversão para os públicos de todas as idades. A iniciativa nasceu a partir da experiência da profissional: ao empurrar sua filha pequena no balanço de uma pracinha perto de sua casa em Florianópolis (SC), ela também ficou com vontade de se balançar. “E sempre alguém me olhava torto, porque eu não sou criança, então não posso usar o equipamento. Daí veio a ideia de idealizar áreas para os adultos brincarem também e liberarem suas tensões e termos indivíduos e cidades mais felizes”, conta.

Em uma época em que as relações são cada vez mais digitais, o desafio de oferecer áreas que façam as pessoas saírem para a rua e ficarem em um local público é ainda mais difícil. “Para isso, a gente precisa ter um pouco de estratégia de projeto, de entender o comportamento da sociedade e incorporá-lo nos espaços urbanos. A arte é algo que transcende os séculos, que sempre vai despertar o interesse dos indivíduos, mesmo que eles estejam com o celular na mão. Alguém vai dar uma olhadinha e tirar uma selfie”, assinala Luciana. Ela acredita no poder da arte – em todas as suas formas – nos ambientes urbanos e na sua capacidade de criar conexões das pessoas com os lugares. Algo que se potencializa quando há mobiliário com design interessante, com bancos coletivos, mais lineares, arquibancadas e mesas coletivas.

A arquiteta relata ainda que no Plantar Ideias eles gostam de pensar em narrativas para as áreas, principalmente quando estão desenvolvendo um novo local, como um bairro planejado. A proposta é compreender a história do espaço e planejar elementos que possam trazer significado para os indivíduos, como mobiliários, isso torna mais fácil eles se conectarem com o lugar. “São várias composições que vão se somando para que todos tenham uma sensação de bem-estar nessa área e diferentes experiências no espaço urbano”, argumenta Luciana.

A iluminação das vias é outro fator essencial para ter ambientes públicos qualificados, informa Juliana. Ela lembra que muitas ruas são iluminadas acima das copas das árvores, formando áreas de escuridão em vez dos pontos de luz estarem no nível dos pedestres – o mesmo precisa ser feito com a sinalização. “A interface entre o espaço público e privado, ou seja, através das fachadas das edificações também é muito importante e quanto mais imperceptível ela for, mais se consegue ter a fusão entre essas duas esferas”, aponta. E isso se alcança com fachadas ativas, muitas portas abertas para as vias e convites para entrar e sair das construções.

A diretora criativa da J8 reforça que as ruas não podem ser tratadas somente como ambientes de circulação. Elas devem ser entendidas como um lugar de estar e como o local público mais relevante da vida cotidiana das pessoas. “Se a gente tem ruas boas, vai ter uma cidade boa”, projeta. Ela destaca que as vias são a base da qualidade dos municípios e, em razão disso, precisam ser acessíveis, possuir calçadas amplas, arborização, fachadas ativas, mobiliário e iluminação – o que vai resultar em áreas acolhedoras e agradáveis que promovem a vida coletiva.

Regeneração urbana: melhorando os espaços já edificados

Planejar a paisagem urbana de um ambiente novo possibilita que os profissionais alinhem todos os componentes necessários para conceber lugares atrativos e dinâmicos e pensem as atividades que farão parte do desenvolvimento e a sua distribuição no território. Porém, em locais já construídos essa tarefa pode ser mais complexa. No Centro de Recife (PE), adianta a diretora da Plantar Ideias, Luciana Pitombo, o estúdio está trabalhando na regeneração urbana de uma avenida consolidada, mas sem vida. Apesar de possuir comércios, eles têm fachadas que se voltam pouco para a rua, faltam mobiliário e iluminação qualificados e os passeios públicos são estreitos.

“É um lugar que não tem como ficar. Nesse momento, estamos fazendo o estudo para requalificar as fachadas dos prédios, para que exista permeabilidade visual nos térreos, alargar as calçadas e colocar iluminação, mobiliário urbano e arborizar”, comenta. Luciana afirma ainda que para recuperar e adequar as áreas é preciso entender como os indivíduos se movimentam nelas e as usam para então sugerir as soluções mais apropriadas. “A cidade é igual uma casa, que tem que ser reformada, mantida e vai mudando e evoluindo com o passar do tempo”, avalia. A diretora analisa ainda que as prefeituras vão começar a olhar cada vez mais para o retrofit, a regeneração dos espaços coletivos, como alternativa para adaptá-los às novas demandas.

Um dos principais problemas atualmente dos ambientes urbanos, conforme a diretora criativa da J8 Arquitetura Viva, Juliana Castro, é o privilégio do automóvel em detrimento das pessoas, algo que ocorre por causa das leis brasileiras e de uma mentalidade antiga sobre como devem ser os municípios, mas que vem se transformando. “E isso dificulta a caminhabilidade. Não temos calçadas boas em muitas localidades do País, elas são estreitas, o pavimento não é adequado”, lista. Ela salienta que ainda hoje é o pedestre que precisa descer da calçada para atravessar uma rua em vez do carro subir para estar no mesmo nível dos indivíduos.

Juliana acrescenta que o seu escritório está trabalhando na revitalização de uma via na capital catarinense em que o desafio é justamente tirar espaço dos automóveis. Para isso, a equipe vai mexer na caixa de circulação dos veículos, diminuindo-a para aumentar o passeio público que é muito pequeno, trocar pavimento, meio-fio, iluminação e drenagem. “É um grande projeto de reorganização do ambiente urbano”, resume. A arquiteta agrega que compreender o que deve ser mantido e aquilo a ser modificado nos lugares auxilia na manutenção dos traços e da identificação dos usuários com a área em transformação.

As decisões sobre os pisos que serão empregados em cada espaço são mais um elemento da concepção de bons ambientes urbanos, pois os pavimentos são determinantes na forma de caminhar, frisa Luciana. Por serem destinados para regiões com fluxo intenso de pessoas, é necessário ainda planejar os materiais que serão empregados e a sua manutenção. “Temos que verificar também a vida útil e como esses componentes envelhecem. Por tudo isso, não pode ser uma seleção apenas estética, mas sim pensada em como você quer que os indivíduos circulem, se sintam e que os materiais perdurem ao longo dos anos com a mesma qualidade inicial. Algo que se aplica para o mobiliário, iluminação e vegetações”, enfatiza.

Inspiração que vêm de distintos lugares

O parque Ibirapuera e a Avenida Paulista, em São Paulo, são referências de bons espaços urbanos para a arquiteta Luciana Pitombo. Para a diretora da Plantar Ideias, a Paulista é “um exemplo bárbaro, mas de qualidade ruim”, isso significa que é um ambiente com pouco mobiliário, porém muito bom para o encontro de pessoas, bem iluminado, com calçadas generosas e que é plano, o que facilita caminhar por ela. “Acho que a sensação de segurança é grande na Avenida, porque tem gente, vida e ela é adequada ao seu propósito, que é ser uma área de movimento, da continuidade”, explica.

O parque High Line, em Nova York, é outra referência da arquiteta de transformação de uma infraestrutura que não foi pensada na escala humana. A antiga linha férrea ganhou bancos, mesas, vegetação compatível com o local e trajetos para os indivíduos aproveitarem o ambiente público, há conexão com os prédios do entorno e atividades diversas. “Ressignificar uma coisa que não foi feita para você e se sentir bem andando nesse lugar é um grande exemplo do que pode ser realizado nos espaços urbanos, inclusive liberar um novo marco turístico”, ressalta.

Já para Juliana Castro o Rio de Janeiro (RJ) possui ambientes inspiradores. Ela recorda que voltou há pouco tempo de uma viagem à cidade, onde andou pelas ruas do bairro Leblon e viu muita coisa interessante. “Não é 100% da região, mas a maior parte tem calçada sombreada, muita atividade comercial, bastante portas se abrindo para as vias e uma vida de bairro”, descreve. Fora do Brasil, a diretora criativa da J8 Arquitetura Viva, cita Barcelona (Espanha), Londres (Inglaterra) e Zurique (Suíça) como referências de lugares qualificados e com muitas pessoas caminhando nas áreas públicas.

A caminhabilidade, assinala Juliana, é o mínimo que um município pode oferecer aos seus residentes. Um bom município, pondera ela, tem espaços de permanência agradáveis que geram oportunidades para os indivíduos terem interação social e encontros nos ambientes públicos. Luciana finaliza indicando que é necessário que se tenha um olhar para as áreas urbanas ao longo dos anos, o que significa ter uma gestão pública ou uma associação de bairro ativa. “A cidade é um organismo vivo que, como a gente, também precisa de um médico que de tempos em tempos dê uma vitaminazinha para nos manter saudável”, brinca.

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