
Instrumentos que já foram importantes para o desenvolvimento econômico das localidades, os bondes estão retornando às vias em versões mais ecológicas e tecnológicas, com modelos que circulam sem trilho, funcionam com bateria ou contam com energia solar. Transportar mais pessoas com menos impacto é uma das principais vantagens desse meio de locomoção.
Com a missão de reduzir suas emissões de gases de efeito estufa nos próximos anos e cumprir as metas de descarbonização estipuladas em acordos internacionais, municípios pelo mundo estão investindo em medidas para diminuir o uso dos carros e, consequentemente, os engarrafamentos e a poluição do ar. É nesse cenário que os bondes estão sendo reintroduzidos nas cidades como uma alternativa de transporte público mais sustentável. Em média, esse tipo de veículo gera 20,2 gramas de CO2 por indivíduo por quilômetro enquanto a média de um automóvel particular é de 243,8 gramas de dióxido de carbono, ressalta artigo da Tomorrow City.
As redes de bonde conectaram comunidades, transformando os espaços urbanos e potencializando o desenvolvimento de inúmeras localidades no século XIX e início do século XX. Uma realidade que começou a mudar na metade do século XX com a popularização dos carros e uma nova visão de planejamento urbano que privilegiou esse formato de transporte, alterando o desenho dos municípios e a maneira como as pessoas passaram a fazer suas viagens diárias e a ocupar as áreas coletivas.
Mas, com o avanço do conhecimento sobre os reflexos dos veículos no meio ambiente e a sua contribuição para o aquecimento global e a necessidade de uma transição para uma mobilidade mais sustentável, diferentes iniciativas foram adotadas pelas cidades para reduzir a utilização dos automóveis e disponibilizar outros meios para os indivíduos se deslocarem. Com isso, foram postas em prática múltiplas ações como a melhoria de calçadas e ciclovias – incentivando a mobilidade ativa – e do transporte público, tornando-o mais eficiente, ecológico e acessível. Entre essas estratégias, muitos governos decidiram investir nas últimas décadas na retomada dos bondes, agora em versões mais tecnológicas.
Um levantamento feito pela organização Campaign for Better Transport (Campanha para um Transporte Melhor, em tradução livre do inglês), do Reino Unido, apurou que uma única faixa de uma rua poderia transportar 22 mil usuários por hora de bonde, 8 mil pessoas de ônibus e 1,5 mil em carros. Agilizar a realização dos percursos rotineiros para um número maior de indivíduos é um dos benefícios dos bondes modernos apontados pela entidade, que vem atuando na disseminação desse tipo de locomoção na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.
A segurança oferecida pelos bondes é outra vantagem destacada pela Campaign for Better Transport. Isso ocorre porque os veículos ajudam a estabelecer velocidades mais baixas nas vias, deixando as viagens mais protegidas para pedestres, ciclistas e motoristas e criando espaços urbanos que estimulam as pessoas a caminharem e pedalarem. Por operarem no nível das ruas, sem degraus, eles proporcionam ainda uma maior integração com as áreas urbanas e permitem a acessibilidade de usuários com a mobilidade reduzida, indivíduos com carrinhos de bebês ou com bagagens pesadas, acrescenta matéria do jornal O Estadão.
Os bondes auxiliam também a mitigar congestionamentos – uma vez que contribuem para que menos pessoas escolham pegar o automóvel para fazer suas atividades – e, por serem elétricos, em sua grande maioria, colaboram para a diminuição da emissão de gases de efeito estufa do trânsito. Implementado em regiões centrais ou em bairros mais afastados, esse transporte facilita a conexão dos indivíduos com ambientes que reúnem oportunidades de trabalho, comércios, serviços e lazer, ajudando no crescimento econômico e na regeneração dos lugares.
Em Salford Docks, bairro na parte portuária da Grande Manchester (Inglaterra), o bonde auxiliou na modificação da área para um centro próspero com mais de 1.250 empresas, exemplifica a Campaign for Better Transport. Esses equipamentos têm sido instalados pelas localidades como um complemento dos trajetos feitos por ônibus, metrô e trens, compondo uma rede integrada que melhora a qualidade de vida de todos. A entidade recorda ainda que há atualmente nove sistemas de bondes no Reino Unido em contraste com os 28 que existem na França e os 60 que operam na Alemanha.
Porém, apesar de suas vantagens, esse tipo de transporte tem limitações que precisam ser analisadas e comparadas às demais soluções de mobilidade e às características e necessidades de cada município antes de ser adotado. Outro fator salientado por especialistas em planejamento urbano é que o sucesso dos bondes depende também de políticas de tarifas e da acessibilidade aos ônibus, metrôs e trens já implementados. Os modelos em funcionamento hoje vão desde os Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs) até os equipamentos autônomos, os movidos à bateria, os que não precisam de trilhos (os ARTs) e os trams, mais utilizados na Europa e que se assemelham aos VLTs e dividem as ruas com pedestres, bicicletas e carros.
Tecnologia pode baratear instalação de bondes e torná-los mais ecológicos
Desde que começou a circular nas cidades puxados por cavalos no início do século XIX, esse meio de transporte experimentou várias transformações, adaptando-se às inovações que surgiam. Da tração animal, os bondes passaram a usar eletricidade até serem desativados e substituídos pelos carros. No seu retorno às localidades, eles reaparecem em versões que lembram mais os trens contemporâneos do que os antigos modelos, como os que operam em São Francisco (EUA), em Santa Teresa (RJ) e na região turística de Santos (SP).
Os Veículos Leves sobre Trilhos (VLTs), por exemplo, são equipamentos indicados para uma capacidade média de passageiros e podem funcionar em vias exclusivas ou compartilhadas, de forma integrada ao espaço urbano (com menos poluição visual e ruídos que um trem tradicional), descreve artigo do Viatrolebus, site sobre mobilidade no Brasil. Com composições menores e transportando menos usuários que o metrô, eles ocupam área menores e são mais silenciosos.
Os VLTs possuem ainda um custo de manutenção mais baixo e uma vida útil maior do que a de um ônibus a diesel, detalha O Estadão. No entanto, o investimento inicial para a sua implementação é mais alto que o dos BRTs (Bus Rapid Transit – Trânsito Rápido de Ônibus, na tradução do inglês), compara o Viatrolebus, devido aos valores envolvidos na construção de trilhos e infraestrutura.
A energia para o deslocamento dos VLTs vem de cabos aéreos ou por meio de um terceiro trilho, no entanto pesquisas mais recentes têm investigado o emprego de outras fontes de abastecimento, como o hidrogênio. No País, segundo o site, pelo menos dez municípios tinham esse tipo de transporte em funcionamento até 2024: Rio de Janeiro, Santos e São Vicente (SP), Fortaleza e Sobral (CE), Maceió (AL), Teresina (PI), Recife (PE), João Pessoa (PB) e Natal (RN).
Uma opção mais econômica e sustentável ao VLT está sendo projetada na região de West Midlands (Inglaterra) e possibilitará às cidades de porte médio contarem com uma medida de mobilidade mais acessível, relata a BBC. O Very Light Rail (VLR – Trem Muito Leve, na tradução do inglês), é um sistema de bonde moderno com carros individuais movidos a bateria que podem transportar cerca de 50 passageiros cada um deles. Em vez de depender de cabos elétricos aéreos ou linhas eletrificadas, eles serão recarregados regularmente, adianta a publicação. No começo eles precisarão de condutores, mas o objetivo é que sejam autônomos.
O VLR irá operar por meio de lajes de concreto especialmente concebidas para esses veículos que serão embutidas na superfície das ruas, a uma profundidade de aproximadamente 30 centímetros – em torno de três vezes menos do que o necessário para implementar um bonde tradicional –, com os trilhos colocados sobre delas. Por essa particularidade, explica a BBC, não ocorre, na maioria dos casos, interferência em serviços públicos subterrâneos, e há uma redução significativa dos custos e do tempo de instalação do equipamento. Outro ponto assinalado é que não preciso eletrificar as rotas, o que deixa a tecnologia mais barata.
A ideia está sendo elaborada através de parceria do Conselho Municipal de Coventry com a Universidade de Warwick e a Black Country Innovative Manufacturing Organisation, que administra o Centro Nacional de Inovação do VLR de Dudley, e nasceu a partir da demanda de Coventry de conectar a localidade até a cidade de Solihull, também na área de West Midlands. A proposta inicial de implementar um VLT mostrou-se inviável devido aos custos e ao layout do lugar. Uma pista de demonstração de 220 metros está sendo edificada em Coventry e deve ser concluída neste ano. A prefeitura estima que a primeira rota completa seja inaugurada até 2027.
Com os direitos de propriedade intelectual sobre a tecnologia, o Conselho Municipal de Coventry pretende no futuro levar o VLR para outros países, como Canadá, Nova Zelândia, Argentina e Filipinas, que já demonstraram interesse na iniciativa, informa a publicação. A BBC salienta ainda que, embora a produção das baterias para movimentar os carros tenha impacto ambiental, o VLR é ecológico por diminuir a circulação de automóveis no local, ter emissão zero de gases de efeito estufa e pela sua estrutura mais enxuta.
De Melbourne a Santos, cidades investem em bondes e inovação
Seguindo na contramão de muitos municípios, Melbourne (Austrália) manteve o seu sistema de bondes ao longo dos anos, o que resultou em uma rede de mais de 250 quilômetros de vias duplas, com 1,7 mil paradas e mais de 500 veículos em operação. Anualmente, esse sistema proporciona mais de 200 milhões de viagens, de acordo com artigo do Create Streets. A empresa e consultoria focada em design urbano, planejamento e regeneração trabalha em conjunto com a Campaign for Better Transport para valorização desse meio de transporte.
Os bondes, que foram sendo atualizados e expandidos com o passar do tempo, atendem a importantes pontos da localidade e áreas de conexão com ônibus e trens, ligando subúrbios à região central. Além disso, Melbourne conta, desde 2015, com um serviço gratuito de bonde, o “City Circle Tram”, que percorre as principais atrações turísticas e tem comentários em áudios sobre a história da cidade. A ação facilita a circulação dos visitantes, impulsiona a utilização do transporte público e alivia os engarrafamentos.
O município possui também a “Iniciativa de Bondes Solares”, do governo estadual, na qual mais de 400 bondes funcionam com emissão neutra de carbono. A estratégia compensa 200 mil toneladas de geração de carbono anualmente com o uso de energia solar. Segundo a Create Streets, a rede de Melbourne sustenta direta e indiretamente mais de 5 mil empregos, incluindo funções em operações, manutenção, desenvolvimento de infraestrutura e indústrias associadas.
Outro dado revelado é que a operação desse transporte na área central contribuiu para reduzir os congestionamentos em cerca de 28% e os atrasos nas viagens em 66%. Os corredores de bondes também incentivaram 84% dos novos empreendimentos habitacionais em um raio de 400 metros de centros de atividades na região Metropolitana do Sudeste de Melbourne. Para a consultoria, a experiência da cidade australiana evidencia a relevância de uma abordagem de longo prazo para se ter um sistema de transporte acessível e integrado.
Já a China vem desenvolvendo e aprimorando modelos de bonde sem trilhos há aproximadamente 20 anos, ressalta artigo do Fórum Econômico Mundial. Em 2017, a Corporação Ferroviária Chinesa lançou o Transporte Rápido Autônomo (ART, na sigla em inglês), veículo que se movimenta sobre pneus de borracha e é guiado de maneira autônoma por meio de tecnologias óptica, radar e GPS. Bidirecionais e com diversos vagões, os ARTs possuem baterias e sistemas de carregamento que dispensam os trilhos e os fios aéreos. Eles recebem uma carga adicional em estações específicas enquanto os passageiros embarcam. Por não precisarem de trilhos, seu custo de instalação é menor que o de um VLT.
Em 2020, uma subsidiária da Corporação Ferroviária Chinesa inaugurou o Digital Rapid Transit (DTR – Trânsito Rápido Digital, na tradução do inglês), com duas rotas em funcionamento em Xangai. O equipamento, que é mais estreito e um pouco mais leve que o ART, é conduzido magneticamente e alimentado por uma célula de combustível de hidrogênio ou bateria elétrica. Tanto o DTR como o ART devem ser testados na Austrália, o que trará mais informações sobre os custos de instalação, características operacionais e os requisitos dos dois tipos de tecnologia.
No Brasil, o Bonde Fechado, também conhecido como Camarão, em Santos (SP), conta desde o começo de 2025 com energia solar para abastecer os sistemas de multimídia e iluminação do veículo com 113 anos de idade, aponta a Secretaria de Turismo, Comércio e Empreendedorismo da cidade. A placa fotovoltaica, instalada no teto do carro, substitui três equipamentos, entre eles um motor, o que torna as viagens mais silenciosas, diminui os custos com energia e deixa a manutenção mais ágil. A expectativa é ampliar a utilização da fonte renovável para outros quatro bondes elétricos que percorrem pontos históricos da área central de Santos.
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