
A arquitetura autoral contemporânea no Brasil vem rompendo resistências ao alinhar inovação estética e espacial à viabilidade econômica e benefícios para incorporadores, usuários e municípios. O Somos Cidade conversou com os arquitetos Kardec Borges, da UNYT Arquitetura, Laurent Troost, do Laurent Troost Architectures, e Lucas Obino, do Grupo OSPA, sobre os desafios e retornos do investimento em iniciativas dessa natureza.
O ambiente construído tem um impacto significativo nos indivíduos, refletindo em seu bem-estar, saúde, mobilidade, acesso a oportunidades e ao lazer e na forma como eles se apropriam de suas localidades. Diante disso, as discussões sobre os efeitos dos empreendimentos em desenvolvimento atualmente nos municípios se tornam cada vez mais importantes. É nesse cenário que a arquitetura autoral contemporânea nacional vem crescendo no mercado imobiliário, trazendo mais qualidade de vida, melhorando os espaços urbanos, oferecendo novas experiências e gerando diferenciais competitivos.
“Hoje, o que mais marca a arquitetura autoral é a tentativa de romper com o genérico. A gente vive cercado por edificações que parecem todas iguais”, assinala o arquiteto e urbanista Kardec Borges, sócio e diretor-executivo da UNYT Arquitetura, sediada em Goiânia (GO). Conforme ele, o desafio agora é justamente idealizar algo com identidade, que faça sentido para o lugar e para quem irá usá-lo, e isso passa por compreender a conjuntura, o clima e o estilo de vida dos cidadãos. “Não é sobre estética, é sobre propósito. E, felizmente, vejo um movimento cada vez maior de pessoas e empresas buscando isso”, aponta.
As questões que pautam as propostas de arquitetura autoral são diversas e estão relacionadas, na visão do arquiteto Laurent Troost, fundador do Laurent Troost Architectures, escritório que fica em Manaus (AM), à experimentação espacial, à possibilidade de conexões sociais mais intensas e a fatores mais sensoriais, de como elementos como a água e o vento, por exemplo, são introduzidos e percebidos nos empreendimentos. “É fazer coisas que não foram realizadas, pensar de maneira distinta do que sempre foi a resposta da arquitetura ao setor imobiliário”, define. Ele comenta ainda que a arquitetura autoral aqui é entendida como uma tendência de ter iniciativas mais criativas, “fora da caixa”, disruptivas e que não são “mais do mesmo”, uma vez que todo projeto arquitetônico possui um autor por trás.
A arquitetura autoral, acrescenta o arquiteto e urbanista Lucas Obino, sócio-fundador e CEO do Grupo OSPA, de Porto Alegre (RS), é aquela em que o profissional vai além da função técnica ou decorativa, influenciando a forma como o edifício se insere no ambiente, respondendo ao usuário e propondo uma solução conectada a sua realidade. “É um projeto com método, não com receita”, enfatiza. Obino pondera também que as iniciativas autorais contemporâneas procuram combinar inteligência territorial com qualidade do produto. “As propostas relevantes hoje não nascem da inventividade do arquiteto, mas da leitura precisa do lugar, do comportamento urbano e das mudanças no modo de vida das pessoas. A boa arquitetura, nesse contexto, é a que responde com clareza e estratégia”, argumenta.
Apesar de ainda enfrentar resistências, os projetos mais inovadores e com personalidade vêm encontrando uma abertura maior no mercado imobiliário, principalmente quando unem recursos distintos e vantagens para incorporadores, moradores, frequentadores e localidades, assim como não representam custos adicionais – e sim valor agregado mensurável. A contratação de iniciativas dessa natureza tem se expandido por todas as regiões do País e tipologias de empreendimentos (residencial, comercial, hotelaria ou corporativo), sendo especialmente eficazes naqueles que buscam se destacar e diferenciar em um segmento tão competitivo.
Muita gente segue vendo a arquitetura como um custo e não como um investimento, reforça Borges, porém o número de incorporadores e investidores que entendem o poder de um bom projeto vem aumentando. Já para Obino, o que falta é escala e consistência, tornar a qualidade em processo, e não exceção. Outro ponto ressaltado por Troost é que a viabilidade econômica das iniciativas de arquitetura autoral é fundamental, seja ela alcançada por meio do custo direto mais baixo ou da valorização que elas trazem aos empreendimentos.
Sobre viabilidade econômica e liberdade criativa nessas propostas, os profissionais concordam que elas precisam caminhar juntas com a realidade de cada projeto. “O autoral inteligente não luta contra o orçamento – ele o usa como motor criativo. O segredo está em trabalhar com sistemas e técnicas viáveis e escolhas precisas”, defende Obino. Para ele, a iniciativa que sobrevive no mercado é a que sabe onde simplificar. As restrições de orçamento, às vezes, obrigam os arquitetos a pensarem fora da caixa e a chegarem a soluções que não teriam sido cogitadas, pontua Borges. “Acho que a criatividade verdadeira aparece justamente nesses limites (entre viabilidade e liberdade na concepção de um empreendimento)”, avalia.
Desafios da arquitetura autoral vão de equilibrar expectativas a entender o lugar onde a edificação será inserida
Tudo o que é novo causa uma desconfiança inicial e, em alguns casos, rejeição. Na arquitetura autoral não é diferente, pois é mais fácil apostar em uma fórmula que vem funcionando do que investir em algo surpreendente, que vai chamar a atenção e que pode, até mesmo, se tornar um marco nos municípios e um catalisador do desenvolvimento econômico local. Além de vencer essa barreira, as propostas desse tipo lidam com outros desafios, como compreender se o cliente vai topar essa estratégia e os indivíduos comprarão esse produto.
“Atuando em várias cidades, você entende bem que tem lugares que são mais conservadores e outros menos, e a gente precisa compreender que fazer (um projeto) fora da caixa tem que trazer benefícios para os usuários e não ser diferente só por ser”, descreve Laurent Troost, fundador do Laurent Troost Architectures. Ele frisa que é necessário também conhecer o cenário em que o empreendimento será implementado em todas as suas dimensões: geográfica, financeira, social ou cultural.
Equilibrar as expectativas dos arquitetos com as dos clientes, que em geral têm uma visão mais pragmática do negócio, é outro obstáculo a ser enfrentado pela arquitetura autoral, segundo Kardec Borges, sócio e diretor-executivo da UNYT Arquitetura. Ele observa ainda que uma iniciativa autoral exige mais envolvimento, tempo e escuta. “E isso nem sempre cabe nos cronogramas apertados do mercado imobiliário”, recorda. Há também, na opinião de Lucas Obino, sócio-fundador e CEO do Grupo OSPA, um desafio cultural, que é o de convencer os incorporadores de que a inovação estética e espacial não é um risco e sim um diferencial competitivo real. “A arquitetura autoral não pode ser indulgente, ela precisa performar”, complementa.
Por outro lado, os retornos do investimento em propostas dessa natureza são múltiplos e abrangem tanto a valorização do imóvel, que funciona para os empreendedores e os compradores, como a melhora da qualidade de vida das pessoas e dos ambientes urbanos e oferece a experiência de morar em um lugar que conversa com o seu tempo e território. Projetos autorais impactam ainda, de acordo com os profissionais, o valor percebido da construção pelos clientes, que sentem que o produto é especial e isso se traduz na velocidade das vendas, em marca e reputação. E, muitas vezes, uma planta bem resolvida, um gesto arquitetônico simples, mas marcante, alteram como uma edificação é vista – minimizando o esforço de comercialização.
Iniciativas arquitetônicas autorais bem planejadas também ativam a rua, aprimoram e costuram o entorno, proporcionam referências positivas, acolhem e inspiram os indivíduos e deixam um legado para os municípios. Esses projetos podem inclusive se transformar na âncora de um bairro, em um estímulo econômico ou em um local com espaço público que acaba sendo compartilhado, incentivando conexões e interações sociais. Todo esse movimento estabelece uma cultura de qualificação das cidades para todos os seus habitantes e visitantes.
Sem receita milagrosa
As inspirações para as propostas de arquitetura autoral contemporânea são diversas e vão se modificando conforme a realidade dos projetos. “Não tem receita milagrosa, há sempre um estudo do contexto, do município em que a gente está, da cultura, hábitos e tipologias”, detalha Laurent Troost, fundador do Laurent Troost Architectures. Ele conta que em cada situação procura entender como fazer uma diferença que traga algo positivo para o empreendimento. “Às vezes, trabalhamos mais com uma questão tipológica e em outras mais com a natureza”, compartilha.
No dia a dia, a escuta é a inspiração mais poderosa para Kardec Borges, sócio e diretor-executivo da UNYT Arquitetura. Ouvir o cliente, compreender quem vai usar aquele ambiente e olhar para o local com atenção são essenciais para o arquiteto. Depois disso, entra o repertório: as referências de arquitetura, arte, natureza e cultura, destaca ele. “Vamos costurando tudo isso até que o projeto comece a ganhar forma e sentido”, pondera Borges.
Já urbanistas como Alain Bertaud, que pensa as cidades como sistemas vivos, e práticas arquitetônicas que conseguiram traduzir território em estratégia são referências para Lucas Obino, sócio-fundador e CEO do Grupo OSPA. Ele aponta que, em cada iniciativa, a empresa analisa os seguintes pontos: vocação territorial, experiência do usuário e viabilidade econômica. “O projeto está onde esses três vetores se cruzam com clareza”, assinala Obino.
Além disso, a sustentabilidade está cada vez mais presente nas propostas dos profissionais desde o início dos trabalhos, pensando em ventilação natural, luz do sol, escolha de materiais, utilização inteligente de energia e outros elementos que devem ser incorporados ao conceito, sem comprometer o desenho. Além disso, o projeto precisa ser enxergado de maneira sistêmica, considerando o ciclo de vida do edifício, reflexo no entorno e viabilidade econômica. A tecnologia, por sua vez, surge como uma aliada nas iniciativas da UNYT, mas não protagonista, afirma Borges.
Por estar baseado em uma área que tem recursos muito escassos para aplicar em empreendimentos imobiliários, Troost indica que no seu escritório tenta evitar recursos que possam encarecer a proposta de maneira desproporcional, preferindo ir na essência do que cada proposta precisa e trabalhando a tipologia para que ela surpreenda. Na OSPA, comenta Obino, a tecnologia é uma ferramenta para projetar e operar melhor. Ele acrescenta ainda que a empresa utiliza análise de dados para definir a vocação do produto.
A arquitetura autoral pode ainda incorporar elementos locais, como um material típico, uma técnica construtiva regional ou um jeito de morar que é particular de um determinado lugar, de forma sutil e sofisticada. “O desafio é evitar o óbvio e caricato. O objetivo não é imitar o passado, mas sim fazer com que ele dialogue com o presente”, salienta Borges. E isso pode ser feito, agrega Obino, através de uma leitura aprofundada do território. “Esses elementos entram nos projetos quando entendemos a escala urbana, os fluxos sociais e as técnicas disponíveis, o que gera autenticidade e conexão”, pontua.
A boa arquitetura não se fecha em si mesma, defendem os arquitetos, não isola o edifício do mundo. Pelo contrário, ela avalia como pode contribuir com o espaço em que está inserida, em como ativa o entorno, oferece travessia e convoca o pedestre. “A arquitetura deixou de ser apenas sobre o prédio, e sim uma experiência ampliada, de como eu chego, circulo e como esse edifício conversa com a rua e o bairro”, descreve Borges. Ele reforça ainda que a arquitetura autoral não é sobre vaidade ou assinatura, mas sobre responsabilidade com o que se constrói e que, quando ela é feita com verdade, todo mundo ganha – cliente, usuário e os municípios.
Obino detalha também que na OSPA se diz que os projetos começam do lado de fora para dentro. “É na interface com a cidade que se mede a verdadeira relevância de uma arquitetura”, avalia. Ele enfatiza que os caminhos da arquitetura estão na interface entre dados e design, onde a inteligência territorial encontra a expressão formal e gera valor urbano de fato.
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