
A partir de sua pesquisa sobre as transformações que impulsionaram o desenvolvimento urbano de Manhattan e a tornaram um símbolo de localidade moderna, o arquiteto e escritor Rem Koolhaas identifica na alta densidade e na verticalização uma oportunidade para o dinamismo dos espaços, a interação social e evolução da arquitetura.
Um dos dilemas vividos pelos municípios atualmente é o de como crescer de maneira sustentável para atender às demandas de uma população em constante expansão. O número de megacidades no mundo – aquelas com mais de 10 milhões de habitantes – vem aumentando significativamente nos últimos anos exigindo soluções inovadoras para responder à necessidade de moradia, empregos, transporte, serviços e lazer. Estudo realizado na Universidade Tongji, em Xangai (China), apontou que em 2024 havia mais de 30 localidades no mundo, especialmente na Ásia, que se enquadravam nessa descrição, indicando uma alteração importante na dinâmica urbana global.
Nesse cenário, o adensamento e a verticalização ganham ainda mais destaque nas discussões sobre os caminhos para o desenvolvimento e o futuro dos municípios, com defensores e críticos sobre os seus efeitos nas cidades e no acesso das pessoas aos ambientes e às oportunidades. Um outro olhar para esses dois temas e que pode contribuir nesse debate e na qualificação das localidades é trazido pela cultura do congestionamento. A ideia, elaborada pelo arquiteto e urbanista holandês Rem Koolhaas em seu livro “Nova York Delirante: Um Manifesto Retroativo para Manhattan”, lançado em 1978, é de que o adensamento de prédios, indivíduos e atividades em áreas limitadas pode gerar inovação, diversidade social, avanços na arquitetura e energia criativa, detalha matéria da revista de design e arquitetura ArchEyes.
Com seus arranha-céus, sistema de grelha (composto por ruas que se cruzam perpendicularmente e formam ângulos retos, facilitando o deslocamento e o uso da infraestrutura) e vida vertical, o denso espaço urbano de Manhattan promove uma cultura única que prospera com intensidade e interação entre as pessoas, acrescenta a publicação. A partir de sua investigação histórica, Koolhaas ponderou que o congestionamento e a densidade dessa parte do município não deviam ser entendidos como um problema a ser resolvido, mas sim uma característica a ser adotada.
Antes de concretizar o seu primeiro projeto arquitetônico, Koolhaas, que nasceu em Roterdã (Holanda), atuou como jornalista e escreveu roteiros de cinema. A obra “Nova York Delirante” foi idealizada após ele se formar na Architectural Association, em Londres (Inglaterra), em 1972, e ganhar uma bolsa de estudos nos Estados Unidos. O trabalho é considerado até hoje um dos mais relevantes sobre arquitetura e sociedades modernas, conforme ressalta a organização do prêmio Pritzker – distinção que ele recebeu em 2000. Em 1975, Koolhaas fundou o escritório OMA (Office for Metropolitan Architecture), em parceria com Elia Zenghelis, Madelon Vriesendorp e Zoe Zenghelis, em sua cidade natal.
Em sua pesquisa, Koolhaas reuniu informações através de diferentes fontes, algumas delas bastante peculiares, como por meio da participação de encontros de colecionadores de cartões-postais de Nova York e estudando caricaturas publicadas em jornais do começo dos anos 1900, conta artigo da revista de arquitetura MAJA. No início do século XX, Manhattan experimentava um ritmo acelerado de crescimento, desencadeado pelo incremento da densidade humana e pela introdução de novas tecnologias, como o elevador elétrico e as edificações com estrutura de aço. É nesse contexto que surgem os primeiros arranha-céus e onde se concentra a investigação do arquiteto holandês.
Na década de 1920, relata artigo da revista Design Boom, a chamada “corrida pelo céu” atingiu o seu clímax em Nova York com a construção dos prédios Chrysler e do Empire State, que marcam a paisagem da localidade até agora e estão entre os mais altos do município. Foi nesse panorama que Manhattan se tornou um laboratório mítico para a concepção e teste do estilo de vida proporcionado pela cultura do congestionamento, agrega matéria do ArchDaily. O livro, de acordo com a publicação, retrata a relação simbiótica entre a cultura metropolitana mutante e sua arquitetura.
Além disso, na obra de Koolhaas, a coexistência e justaposição de múltiplas funções – como edifícios que podem ter ao mesmo tempo residências, um teatro, escritórios, um restaurante na cobertura e uma atividade comercial no térreo ou subsolo – viraram um indicador cultural da contemporaneidade, reforça a revista MAJA, e ajudam a levar vitalidade para os ambientes urbanos. O arquiteto argumenta também, segundo a ArchEyes, que a cultura de congestionamento de Manhattan é uma consequência inevitável do seu planejamento, assim como a chave para o seu sucesso.
A revista salienta que o arranha-céu era visto na obra de Koolhaas como uma metáfora da vida naquela região, personificando a ambição, competição e verticalidade de Nova York, e que se tornou a expressão arquitetônica máxima da cultura de congestionamento de Manhattan. A publicação assinala ainda que um dos assuntos centrais do livro é a visão de que o programa, ou seja, a finalidade de uma construção, impulsiona a forma arquitetônica. Conforme a ArchEyes, o arquiteto observa que a arquitetura do distrito nova-iorquino é moldada por demandas funcionais e não preocupações estéticas. Dessa maneira, a forma e o layout dos prédios são determinados pelas atividades que os arranha-céus acomodam: apartamentos, escritórios e salas comerciais, por exemplo.
Esse pensamento, enfatiza a revista, está alinhado com a ideia de que a forma segue a função, algo que é sempre associado à arquitetura modernista. No entanto, em “Nova York Delirante”, Koolhaas expande esse olhar, frisando que a arquitetura de Manhattan é impulsionada pela necessidade de acomodar programas distintos e complexos dentro de uma mesma estrutura. Isso acabou proporcionando uma experiência urbana caótica e em camadas, produzindo resultados inesperados que ultrapassam a racionalidade estrita das abordagens modernistas tradicionais. Ao ver os arranha-céus como uma possibilidade para estimular a convivência social, diversidade e inovação, concentrando muitas funções em um mesmo lugar, o profissional se afasta dos conceitos do urbanismo modernista, que defendia a separação entre o morar, trabalhar e se divertir.
Novo estudo estabelece parâmetros para avaliar locais hiperdensos
O arquiteto Rem Koolhaas cunhou também a expressão “Manhattanismo” em sua obra “Nova York Delirante: Um Manifesto Retroativo para Manhattan”. O termo abrange a ideia de que a extrema densidade e verticalidade do município criam uma maneira de vida urbana e arquitetura inovadoras. A sua característica é a existência ao mesmo tempo de ordem e caos, de sobreposição das diferentes atividades e da constante negociação entre ambientes públicos e privados, complementa a revista ArchEyes. A visão disseminada pelo profissional no final da década de 1970 foi revisitada e ampliada por levantamento efetuado na Universidade Tongji, em Xangai, em 2024.
A investigação dos pesquisadores Yi Guo e Qichang Zou propõe uma compreensão mais aprofundada de como a densidade e a complexidade podem gerar condições urbanas positivas. A visão de Koolhaas sobre a cultura de congestionamento e a do filósofo alemão Walter Benjamin sobre a experiência sensorial metropolitana foram a base para o trabalho e levaram à definição do “paradigma de congestionamento” como uma estrutura empiricamente verificável para a compreensão das áreas urbanas hiperdensas.
Para o estudo, foi idealizada uma ferramenta de análise de informações quantitativas e qualitativas sobre esses espaços, que apurou dados em dez modos de congestionamentos. Entre eles estão o físico (que avaliou vários elementos para determinar limites de densidade ideais), ambiental (verificou a qualidade do ar), econômico (densidade de transações, índices de criação de valor e diversidade econômica), arquitetônico (comparou taxas de sobreposição programática e fatores de compressão espacial), social (averiguou como a configuração dos ambientes catalisa trocas e promove senso de comunidade) e psicológico (dados sobre níveis de estresse, capacidade de adaptação e carga cognitiva em relação à complexidade da região).
O distrito da estação ferroviária de alta velocidade de Futian, no Centro de Shenzhen (China), e o distrito cultural de West Kowloon, em Hong Kong, foram os lugares investigados pelos autores do levantamento, que durou 18 meses, entre 2022 e 2024, e envolveu 437 horas de observações em horários de pico e 1.892 entrevistas com moradores. Eles descobriram que essas áreas tiveram 32% de aumento na atividade econômica, 45% de elevação nas interações sociais e 28% de melhora na utilização dos espaços em relação a ambientes do entorno. Outro ponto destacado no trabalho é que esses distintos modos de congestionamento interagem para estabelecer “zonas de intensidade produtiva”, onde a alta densidade potencializa a inovação e o dinamismo urbano e pode colaborar para o desenvolvimento sustentável.
As evidências encontradas pelos pesquisadores reforçam também que o congestionamento traz resultados positivos mensuráveis quando é compreendido e gerenciado adequadamente e que a intensificação da experiência urbana se relaciona diretamente com o crescimento das métricas de inovação, incluindo taxas de formação de novos negócios e índices de produção cultural. Essa mudança de paradigma, concluem os autores do estudo, desafia os profissionais a encontrarem soluções mais sofisticadas para otimizar a complexidade urbana, sugerindo novas abordagens para o design das cidades, acolhendo as possibilidades do congestionamento.
Ideias de Koolhaas reverberam na arquitetura atual da Estônia
Assim como o arquiteto Rem Koolhaas percebeu que a sobreposição de funções nos arranha-céus de Manhattan contribui para a vitalidade da região, diferentes prédios públicos de menor escala da Estônia vêm, nos últimos anos, combinando atividades inusitadas e múltiplas instituições em cidades de vários portes do país, impondo uma série de desafios aos arquitetos na concepção desses projetos, aponta a revista MAJA. Um dos exemplos da publicação é o de Suure-Jaani, que possui uma população de aproximadamente 1 mil habitantes e precisava construir um parque aquático.
O que deveria ser somente um espaço para o lazer e a prática de esportes foi transformado em um lugar que alia piscina pública e saunas a um centro de saúde, odontologia, farmácia, cafeteria, posto da polícia e salão de beleza, impulsionado sua utilização pela comunidade local. A concentração de funções em uma mesma estrutura foi aplicada ainda ao Centro de Estudos de Narva, da Academia Estoniana de Ciências de Segurança. Ao mesmo tempo que intensifica o uso do solo, essa medida permite uma conexão entre uma diversidade de públicos, como sugere a cultura do congestionamento.
Nesse ambiente, foram combinadas em uma mesma edificação piscina pública, campo de tiro, salas de seminários, ginásio de combate e dormitórios, que são usados por integrantes de diferentes organizações e pela população em geral. Já a casa estatal de Kärdla irá acomodar em seus pouco mais de 1,8 mil metros quadrados servidores públicos de em torno de 20 instituições, como o Conselho de Agricultura e Alimentação e o Fundo de Seguro-Desemprego. O projeto, que foi escolhido através de concurso público, ressalta a MAJA, propôs escritórios baseados em atividades, onde cada funcionário pode escolher um espaço de trabalho dependendo da tarefa que irá realizar e modificá-lo ao longo do dia, se for necessário.
A iniciativa, já utilizada no Ministério do Interior, conta com a colaboração do Centro de Antropologia Aplicada para diminuir os reflexos psicológicos de uma cultura de trabalho híbrida. Outros concursos para casas estatais devem ser efetuados no país, gerando oportunidades para que os profissionais da arquitetura possam aplicar novos conceitos aos empreendimentos, incentivando uma maior densidade de pessoas, atividades e usos, adianta a publicação.
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