Zoneamento

Diferentes localidades do mundo estão testando soluções com inteligência artificial para analisar dados, facilitar o acesso da população a serviços, planejar novas configurações urbanas e se comunicar com os seus moradores. O Brasil vem se destacando nos estudos com IA na América Latina, conforme recente pesquisa.

A tecnologia tem se tornado cada vez mais presente no dia a dia das pessoas e dos municípios, modificando a forma como as administrações públicas interagem com os indivíduos – como através dos chatbots, que simulam uma conversa humana por voz ou texto –, aprimoram suas funções internas e externas e melhoram as cidades para todos os seus residentes. Alterações essas que foram impulsionadas, principalmente, pela pandemia de coronavírus, que levou muitas localidades a acelerarem a implementação de iniciativas nessa área para conseguir atender à demanda de vacinação e de outras atividades que precisaram ser realizadas remotamente.

Nesse cenário, a inteligência artificial (IA) vem auxiliando os municípios a entrarem em uma nova fase de governança, com decisões baseadas em dados, testarem mudanças urbanísticas e impactos de eventos climáticos, medirem a qualidade do ar e da água e aperfeiçoarem o transporte, a gestão de resíduos, a segurança e o acesso à habitação. A IA pode ainda contribuir para restaurar a confiança e dar maior transparência aos governos, defende o sócio-gerente da The US Mayoral Roundtable, George Burciaga, em artigo da Tomorrow City.

O empreendedor, que é líder global em transformação digital urbana e especializado em engajamento cidadão, infraestrutura e otimização de financiamento, acredita que quando a inteligência artificial funciona como um “agente de equidade e progresso”, é possível contar com bairros mais seguros por meio de proteção antecipada, aprovação de moradias mais rapidamente – com avaliação ágil de documentos –, uma estrutura responsiva que se adapta às necessidades em tempo real e comunidades mais participativas e com maior conhecimento sobre os procedimentos e serviços disponibilizados. Para ele, a IA é o começo de um modelo de setor público mais dinâmico, inclusivo e centrado nas pessoas.

A The US Mayoral Roundtable (Mesa Redonda de Prefeitos dos EUA, em tradução do inglês) é uma plataforma de desenvolvimento de negócios e estratégias tecnológicas que incentiva a inovação da esfera pública daquele país. Em parceria com a gestão de Chicago (Illinois), a empresa apoiou a idealização do Super Block (Super Quadra), projeto que irá utilizar IA, LiDAR (tecnologia que calcula distâncias entre objetos e superfícies e cria modelos 3D precisos) e sensores inteligentes para explorar maneiras de reduzir a criminalidade em lugares historicamente vulneráveis. O programa prevê também, segundo Burciaga, sinalização inteligente e mensagens públicas, acesso à banda larga e sensores ambientais e ferramentas de mobilidade integradas em fluxos de dados em tempo real.

Já em Miami, em colaboração com as companhias Dell e NVIDIA, a prefeitura deve lançar um piloto de gêmeo digital – uma réplica virtual das localidades que permite examinar reflexos de modificações em regiões urbanas antes de concretizá-las. O sócio-gerente da The US Mayoral Roundtable explica que o objetivo com a medida no município da Flórida é simular os impactos climáticos, prever falhas de infraestrutura e orientar o planejamento operacional. A mesma solução foi adotada em Singapura, que possui a cidade-estado copiada digitalmente, incluindo prédios, ruas e serviços públicos. Com a integração de informações sobre o meio ambiente e padrões de tráfego de pedestres, a proposta do governo é melhorar a sustentabilidade, adequando a sua estrutura para responder às demandas de uma população crescente em um território limitado, ressalta artigo da Tomorrow City.

A tecnologia tem ajudado ainda a mitigar a escassez de imóveis. Em Los Angeles (Califórnia), exemplifica Burciaga, a inteligência artificial está sendo implementada tanto para acelerar o desenvolvimento de residências como para humanizar esse processo. Com o uso de modelagem avançada, licenciamento guiado por IA e análise preditiva (utilização de dados históricos e atuais para adiantar eventos ou comportamentos futuros), a localidade vem agilizando a entrega de habitações populares.

Para qualificar o acesso aos serviços do município e auxiliar os moradores a compreenderem melhor as normas de alvarás de construção, Kelowna (Canadá) começou a usar inteligência artificial generativa. Por meio de um aplicativo, a população da cidade pode ver toda a documentação específica do seu imóvel online, detalha a Tomorrow City. A ferramenta orienta os usuários durante o processo de aprovação do licenciamento, otimizando essa etapa e a edificação e a venda de casas e apartamentos.

O avanço da IA generativa e as oportunidades que ela oferece às localidades

Um ramo da inteligência artificial, a IA generativa (IA Gen) permite que a tecnologia conceba algo novo e inesperado, descreve a revista Forbes. Baseada em algoritmos de aprendizado de máquina que são treinados utilizando conjuntos gigantescos de dados, a IA Gen se diferencia da inteligência artificial convencional, que é programada para executar tarefas específicas. Um exemplo dado pela publicação é o de um algoritmo de aprendizado de máquina treinado usando milhões de imagens de gatos, o que possibilitará que ele idealize suas próprias versões desse animal.

Um levantamento da Bloomberg Philanthropies, de 2023, sobre o interesse das prefeituras na adoção de iniciativas de IA generativa em suas administrações e os segmentos nos quais estavam as principais oportunidades de utilização de novas tecnologias, descobriu que 96% dos prefeitos entrevistados queriam usar IA Gen. No entanto, somente 2% dos municípios estudados já tinham efetivamente implementado a ferramenta. A pesquisa verificou também que 69% das cidades estavam explorando ou testando a tecnologia.

A falta de conhecimento técnico e de conscientização e as restrições orçamentárias foram listadas como os maiores obstáculos para colocar em prática projetos com IA Gen, aponta o levantamento. Por outro lado, questões como implicações éticas, legais e sociais, reflexos nos serviços e na eficiência da localidade e como implementar a tecnologia foram as principais dúvidas dos participantes apuradas. O estudo, que ouviu 100 prefeitos e funcionários públicos municipais de todo o mundo, identificou ainda que os entrevistados veem grande potencial de uso da inteligência artificial generativa para trabalhar com as áreas de transporte, infraestrutura, meio ambiente e clima e educação.

A segurança e privacidade das informações foram indicadas por quatro em cada cinco cidades como os princípios que norteiam a utilização da IA Gen, seguidas pela responsabilidade e transparência com o uso dos dados. Entre as possibilidades de emprego da tecnologia, governantes e funcionários públicos salientaram a qualificação do engajamento dos residentes, aperfeiçoamento da formulação de políticas baseadas em dados e agilização da prestação de serviços e dos processos administrativos.

Uma das aplicações práticas da tecnologia na rotina dos municípios vem sendo feita em Dallas e Houston (ambas no Texas). Caminhões autônomos treinados com inteligência artificial generativa e equipados com sensores LiDAR têm previsto eventos com até 10 segundos de antecedência, de acordo com a Tomorrow City. Se esses veículos provarem ser mais seguros e confiáveis que seus antecessores, acrescenta artigo do Fórum Econômico Mundial, poderão contribuir na diminuição dos atrasos na cadeia de suprimentos e das emissões de carbono e a lidar com a falta de mão de obra.

Já em Buenos Aires (Argentina), a prefeitura lançou um chatbot para WhatsApp que se tornou um dos principais canais de comunicação entre os habitantes e a cidade, com uma média de 5 milhões de conversas por mês, assinala a Tomorrow City. O recurso, que utiliza IA Gen, processa as mensagens e fornece respostas mais precisas e em tempo real às perguntas sobre mobilidade urbana, reciclagem, saúde, cultura, eventos, espaços públicos, turismo e segurança. Atualmente, sua abrangência foi ampliada e engloba também dados sobre serviços de assistência social e de compartilhamento de bicicletas.

A inteligência artificial generativa está colaborando ainda para aprimorar a gestão dos resíduos nas localidades e a promover a reciclagem, complementa matéria da Bloomberg. Para melhorar a separação dos materiais descartados, East Lansing, um município universitário do Michigan, estabeleceu um programa-piloto para divulgar mensagens mais personalizadas com o propósito de alterar o comportamento de cada família quanto ao descarte dos resíduos. Iniciado em 2022, caminhões de reciclagem receberam computadores e câmeras com IA, treinados para identificar e fotografar objetos não-recicláveis colocados em lixos para itens recicláveis.

A partir dessas informações, a administração da cidade envia a foto geolocalizada como um cartão-postal para o proprietário da lixeira, notificando-o do erro e dando dicas de reciclagem. Todos os dados na imagem ficam borrados, menos o resíduo. Em um período de 24 semanas, conforme a Bloomberg, foram enviados mais de 5 mil cartões e houve uma queda de mais de um quinto nas ocorrências de descarte incorreto.

Mesmo com os resultados positivos, especialistas em segurança cibernética entrevistados pela publicação alertam sobre os riscos à privacidade dos moradores quando as localidades não ponderam adequadamente os objetivos das ações e os processos de segurança das empresas de IA que irão coletar os dados pessoais. O lixo de um indivíduo, enfatizam os profissionais, revela muito sobre hábitos, saúde, rotinas e vida financeira dos residentes, que podem ter suas informações roubadas ou vendidas para outras companhias. Diante dessa realidade, East Lansing definiu medidas para garantir que as empresas de IA não comercializem dados a terceiros.

Brasil desponta em estudos sobre IA na América Latina

Com 144 unidades de pesquisa espalhadas por diversas regiões, o País vem se consolidando como um dos mais importantes polos de inteligência artificial da América Latina, aponta levantamento realizado pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos, instituição ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. As investigações abrangem, especialmente, setores como ciências da vida, energia e agricultura, agrega reportagem da CNN Brasil. Divulgada no começo de 2025, a pesquisa mostra que São Paulo e Amazonas concentram a maioria dos trabalhos.

Distintos municípios brasileiros já implementaram ferramentas com IA para qualificar a prestação de serviços e a comunicação com os usuários. No Recife (PE), cita o jornal O Globo, a tecnologia foi empregada para a concepção do Geração de Oportunidade, em 2021, uma plataforma que aproxima quem busca emprego de quem oferece vagas de trabalho. A inteligência artificial, nesse caso, cria em segundos um currículo profissional com base nos dados de formação. A iniciativa, adianta a publicação, será replicada em Belo Horizonte (MG), Londrina (PR) e Rio de Janeiro (RJ).

A capital de Pernambuco conta também com a IA para agilizar a análise e liberação de crédito no CredPop, uma modalidade voltada para micro e pequenos empreendedores. A ferramenta ajuda o beneficiário sugerindo um plano de negócios e caminhos para ele aumentar a rentabilidade do recurso e investir bem o dinheiro. Já o canal do governo da cidade no WhatsApp atende tanto às demandas dos habitantes como dos turistas, indicando circuitos de turismo em português, inglês, espanhol e francês, relata o jornal.

A inteligência artificial tem sido utilizada ainda para pilotar um “drone semeador” no Rio de Janeiro (RJ), segundo O Globo. O equipamento dispersa sementes nativas para reflorestamento em Campo Grande, na zona Oeste da cidade – o objetivo com a solução é amenizar os efeitos das ondas de calor. Em outra frente, a tecnologia auxiliará o processamento de previsões meteorológicas imediatas e de curto prazo. Com isso, a prefeitura terá mais elementos para determinar ações de prevenção e mitigação de fenômenos climáticos.

Outras experiências estão sendo concretizadas em lugares como São Paulo (SP), que possui um conjunto de soluções de IA que contribuem em atividades como identificação, validação, classificação e preenchimento de documentos, formulários e relatórios. Na Secretaria de Fazenda, afirma o jornal, uma espécie de ChatGPT interno da administração municipal ajuda os servidores a encontrarem informações sobre IPTU, ITBI e outros assuntos. Enquanto isso, na SPTrans, a inteligência artificial colabora no planejamento das linhas de transporte e no gerenciamento do Bilhete Único.

Já em Brasília, o governo do Distrito Federal (DF) está estudando modelos de IA para aperfeiçoar a medição da qualidade do ar e da água em tempo real com o processamento de dados de sensores no Parque da Cidade. Apesar dos avanços e benefícios que a IA e novas tecnologias vêm trazendo às localidades, ainda é pequeno o número de municípios do País que usam essas ferramentas. Ausência de infraestrutura e profissionais nas áreas de tecnologia e gestão de dados são algumas das dificuldades enfrentadas pelas prefeituras – demonstrando o grande potencial para a inovação das cidades brasileiras de diferentes portes.

Seja o primeiro a receber as próximas novidades!

    Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.