
A falta de boas calçadas, a insegurança nas vias e as grandes distâncias entre o local onde se vive e trabalha ou estuda são alguns dos fatores que acabam desestimulando os indivíduos a fazerem seus trajetos a pé. Diferentes ações podem ajudar a mudar essa realidade e potencializar os vários benefícios de andar.
Quando questionadas sobre qual a melhor maneira de conhecer um lugar, a resposta da maioria das pessoas acaba sendo a mesma: caminhando. Apesar disso, andar a pé pelas ruas de boa parte dos municípios brasileiros e do mundo não é uma das tarefas mais fáceis. Além de muitas cidades continuarem priorizando a circulação de veículos em seus desenhos, há uma carência de calçadas qualificadas – com dimensões adequadas e sem buracos ou obstáculos para a locomoção –, de comodidades urbanas, áreas verdes, segurança e de atividades diversificadas que deixem os espaços mais atrativos.
As discussões sobre como incentivar que mais moradores optem por caminhar ou pedalar ou utilizem o transporte coletivo em vez de seus automóveis não são uma novidade, mas vêm se intensificando nas últimas décadas a partir da maior conscientização e conhecimento sobre os impactos negativos dos carros na saúde e no bem-estar dos indivíduos, no meio ambiente e na vitalidade das localidades. Governantes têm, cada vez mais, buscado medidas para transformar seus municípios em destinos amigáveis para quem anda a pé ou de bicicleta, revendo leis de zoneamento e de requisitos de estacionamento e a quantidade de área urbana voltada para os veículos.
A caminhabilidade, detalha o Planetizen, é um conceito que se baseia na ideia de que as vias públicas devem ser mais do que simples corredores de transporte projetados para o deslocamento rápido de uma grande quantidade de automóveis, e sim espaços completos que aliam habitação, empregos, lazer, serviços e comércio, atendendo a uma multiplicidade de públicos, usos e de meios para as pessoas realizarem as suas viagens diárias. O movimento em favor da mobilidade ativa (caminhadas e ciclismo), ressalta a publicação, surge em parte como uma reação às características da expansão suburbana, como separação das residências do trabalho, das lojas e dos restaurantes, escassez de passeios públicos e de ruas sem saída.
Para o urbanista e escritor norte-americano Jeff Speck, existem quatro condições para um lugar se tornar caminhável, destaca artigo do ArchDaily. Ele deve ser proveitoso, possibilitando que os cidadãos possam fazer suas atividades cotidianas e ter momentos de lazer andando a pé, ou seja, moradias, escritórios, praças, parques, mercados, cafeterias e estabelecimentos comerciais, por exemplo, devem ser instalados próximos uns dos outros.
Além disso, os locais precisam ser seguros – com calçadas e vias que protejam e minimizem acidentes – e confortáveis – para uma circulação sem barreiras e com a presença de mobiliário urbano, árvores e outros elementos que tragam sombra e abrigo em dias de chuva. Por fim, o urbanista enfatiza que eles devem ser interessantes, com fachadas de prédios que chamem a atenção, aberturas dos térreos para as ruas, fazendo a conexão entre interior e exterior dos empreendimentos, e outros fatores que tornem andar a pé uma experiência agradável.
No livro “Cidade Caminhável (Walkable City)”, lançado em 2012, Speck sugere dez passos para a caminhabilidade. A obra, segundo artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU), trouxe contribuições significativas para o planejamento urbano no século XXI. Quando completou uma década, em 2022, foi publicada uma versão atualizada do livro, como uma análise de novas tendências que apareceram nos últimos dez anos e seus reflexos nos municípios, como o aumento dos ciclistas, a consolidação dos serviços de compartilhamento de veículos, patinetes e bicicletas e o maior interesse pelos automóveis elétricos e autônomos.
As iniciativas que as localidades podem adotar para melhorar a caminhabilidade em seus ambientes abrangem, como relata artigo do Smart Cities Dive, colocar os carros em seu lugar (retirando o seu papel de protagonistas nas vias) e mesclar os usos (bairros com distintas funções têm mais indivíduos andando a pé do que aqueles que possuem apenas habitação ou empresas, conforme a publicação). Envolve ainda adequar os estacionamentos (repensando o elevado número de vagas existentes para os automóveis nas ruas e empreendimentos e o valor cobrado por essas áreas nas vias).
Também compõem a lista de dez passos de Speck o investimento em transporte público (aprimorando os serviços disponibilizados e permitindo a conexão entre diferentes tipos de mobilidade) e a proteção dos pedestres (adaptando e sinalizando as ruas através da legislação e de conhecimento técnico). Acolher as bicicletas (estimulando o ciclismo, construindo infraestrutura necessária para isso e tornando as cidades mais preparadas para os deslocamentos feitos dessa maneira), criar bons espaços (equilibrando áreas abertas com locais de acolhimento e idealizando lugares onde as pessoas querem ficar) e plantar árvores (estabelecendo uma transição suave e segura entre veículos e pedestres, capturando gás carbônico e reduzindo a temperatura do ambiente, assim como diminuindo a poluição de águas pluviais) são outros pontos salientados por Speck.
Complementam os tópicos relacionados pelo urbanista em sua obra a concepção de faces de edifícios amigáveis e únicas, com fachadas ativas, para que quem anda a pé se sinta protegido, confortável e entretido, descreve o Smart Cities Dive, e a definição de prioridades, ponderando onde os recursos devem ser aplicados. Dessa forma, não se desperdiça o dinheiro público em regiões que não irão atrair pedestres. Ele defende a priorização dos investimentos nos centros urbanos e em corredores curtos que possam conectar bairros caminháveis.
O papel das calçadas na caminhabilidade dos municípios
Mesmo não sendo o único fator que impacta na escolha dos indivíduos em fazer a pé os seus percursos rotineiros, as calçadas possuem uma função importante na vida urbana, possibilitando que as pessoas se movimentem e acessem os espaços de uma cidade, melhorando a conectividade e promovendo o caminhar, assinala artigo da NACTO, associação de localidades e agências de trânsito norte-americanas que atua para aprimorar a mobilidade. A publicação reforça ainda que os passeios públicos ativam as ruas social e economicamente, sendo pontos de interação entre os indivíduos e deles com empresas e negócios presentes nas áreas urbanas.
Bons projetos de calçadas, com larguras apropriadas, piso adequado, iluminação e sem obstáculos, oferecem uma ótima experiência aos seus usuários, melhorando a qualidade de vida dos bairros e criando ambientes coletivos acolhedores, nos quais as pessoas querem permanecer mais tempo, acrescenta matéria do Smart Cities Dive. Das regiões urbanas e suburbanas até as rurais, os passeios públicos proporcionam acesso democrático e barato ao transporte, parques, praças, empregos, educação e demais atividades do dia a dia, agrega reportagem da revista da Associação Americana de Planejamento.
Mesmo diante de tantas vantagens que as calçadas podem oferecer, em muitos municípios a ausência de conservação desses espaços ou a inexistência dos passeios públicos acaba expondo os indivíduos a situações de insegurança e de falta de opções, levando muitos a procurarem outros meios de transporte. Buracos, pavimento solto, sujeira e lixo acumulados são alguns dos problemas gerados pela falta de manutenção, o que obriga, em muitos casos, os usuários a caminharem pela via, elevando os riscos de acidentes.
Na hora de construir uma calçada, alguns quesitos devem ser considerados para que elas sejam de fato usadas, frisa artigo do Smart Cities Dive. Entre as recomendações está o dimensionamento correto delas: estabelecendo uma zona livre para a locomoção, uma de serviço, onde são instalados bancos, lixeiras e iluminação, e uma de transição, que dá acesso aos prédios existentes nas ruas. Os passeios públicos devem ter também uma drenagem eficiente para não acumularem água e forçarem os pedestres a desviarem seu trajeto para a via, disputando lugar com os carros.
Outro ponto relevante, apontado pela Associação Americana de Planejamento, é que as calçadas devem ser idealizadas para atender a pessoas de todas as idades e com diversas condições de mobilidade, garantindo a acessibilidade universal. Os passeios precisam ser projetados para que indivíduos com muletas, cadeira de rodas ou empurrando carrinhos de bebê consigam caminhar. “Calçadas sem barreiras, largas e bem cuidadas são particularmente importantes para as mulheres, que ainda desempenham uma parcela maior do trabalho de cuidado”, afirmou a PhD e professora associada de Geografia e Meio Ambiente e diretora de estudos sobre Mulheres e Gênero na Universidade Mount Allison (Sackville, Canadá), Leslie Kern, à Associação Americana de Planejamento.
O Smart Cities Dive indica também que os passeios públicos devem ter conexões seguras com as estações de ônibus, metrô ou trem, serem áreas interessantes e dinâmicas, tornando o caminhar mais atrativo, e contarem com sinalização clara. A NACTO observa que a seleção das árvores que serão plantadas junto aos passeios precisa ser cuidadosa para optar por espécies com raízes que não venham a afetar a estrutura das calçadas. A associação destaca ainda a necessidade de delimitação dos espaços para que as distintas atividades de uma rua não atrapalhem quem anda a pé, como as mesas de cafés e restaurantes ou a implementação de ciclovias.
Caminhar faz bem para as pessoas e as cidades
Os reflexos da crise climática têm levado uma quantidade crescente de municípios, estados e países a buscarem estratégias para mitigar os seus efeitos e fomentar atitudes mais sustentáveis, como a redução do uso de automóveis e o consumo mais consciente. Ao disponibilizar infraestrutura adequada para as caminhadas, as localidades contribuem para essas metas e para impulsionar outras formas dos indivíduos efetuarem suas viagens diárias. No entanto, os benefícios de andar a pé não se restringem à diminuição dos impactos ambientais – com menos veículos circulando há uma melhora na poluição do ar e sonora e também uma queda nos congestionamentos e, consequentemente, no tempo gasto nos percursos.
Caminhar traz vantagens ainda para a saúde e o bem-estar das pessoas. Uma pesquisa divulgada pela revista Endocrine Reviews, da Sociedade de Endocrinologia (uma organização médica internacional), concluiu que indivíduos que vivem em bairros onde é mais fácil andar a pé e que ficam perto de praças e parques são mais ativos e menos propensos a terem doenças do que quem reside em comunidades com mais dificuldades para se caminhar. “Quanto mais as pessoas andam, mais saudáveis elas ficam, e a sociedade economiza em custos com saúde”, afirmou o produtor do programa “Perils for Pedestrians Television (Perigos para Pedestres na Televisão), John Wetmore, à revista da Associação Americana de Planejamento.
A série aborda assuntos relacionados à segurança de quem caminha e é transmitida para 150 cidades dos Estados Unidos. De acordo com o produtor, andar pode também desempenhar um papel fundamental na independência dos indivíduos, que não precisam mais de um carro para os deslocamentos, e na economia de recursos. Além disso, ao caminhar, as pessoas estão incluindo uma atividade física ao seu cotidiano, reduzindo o sedentarismo e as doenças associadas a ele e à obesidade.
Ruas mais caminháveis potencializam ainda, segundo artigo do Smart Cities Dive, uma economia forte, com mais pessoas frequentando os comércios locais. Para identificar se uma região é caminhável, existem várias soluções que verificam as características de cada região, como o Walk Score. Na ferramenta de pesquisa, basta digitar o endereço desejado que ele traz uma avaliação de 0 a 100 sobre o lugar – sendo que a nota de 90 a 100 indica um “paraíso para os pedestres”, no qual as funções rotineiras podem ser feitas sem um automóvel, explica artigo do Planetizen.
Conforme os critérios definidos pelo Walk Score, um bairro caminhável tem um centro, alta densidade populacional e renda e uso mistos. Conta também com parques, espaços públicos, escolas e áreas de trabalho a uma curta distância a pé e vias completas que incentivam o transporte multimodal. Porém, ressalta a publicação, a ferramenta não considera as condições das ruas e outros elementos que podem deixar o trajeto menos caminhável ou inseguro.
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