
Elaboradas para proteger inquilinos, essas legislações estão reduzindo os imóveis disponíveis no mercado e aumentando a deterioração de prédios com locação estabilizada. Especialistas apontam outros caminhos para elevar a oferta de unidades e baixar os preços das residências.
Mecanismos criados por diversas cidades para garantir habitação acessível, as regras de controle de aluguel estão gerando resultados diferentes dos esperados. Pesquisas realizadas em localidades que implementaram essa política revelam uma crescente disparidade entre o incremento anual permitido para essas moradias e os custos operacionais de edifícios, assim como uma diminuição na construção de novos imóveis e na manutenção do estoque existente. Cenário esse que agrava a escassez de unidades verificada por inúmeros municípios e acaba dificultando que jovens que estão entrando no mercado de trabalho, pequenas famílias e imigrantes encontrem uma residência com valores compatíveis com suas rendas.
Em Nova York (EUA), onde a Lei de Estabilidade Habitacional e Proteção ao Inquilino entrou em vigor em 2019, as locações controladas tiveram um aumento autorizado pelo Conselho de Diretrizes de Aluguel (RGB, na sigla em inglês) de cerca de 20%, entre 2012 e 2024, conforme artigo do professor de Economia da Universidade Rutgers, em Newark (Nova Jersey), Jason M. Barr. No mesmo período, o custo operacional de prédios de apartamentos teve uma elevação de aproximadamente 63%.
Barr, que é também autor do livro “Cidades no Céu: A Busca para Construir os Arranha-céus Mais Altos do Mundo” e do site “Construindo o Horizonte – O Nascimento e o Crescimento dos Arranha-céus de Manhattan”, explica que alguns desses custos adicionais podiam ser compensados, antes da legislação, pelo incremento do preço das locações de moradias vazias ou daquelas que foram descontroladas (sobre as quais não se aplicam mais as normas de estabilidade dos aluguéis). Essa situação, acrescenta o professor, mais a inflação alta, tem levado muitos proprietários a adiarem os serviços de conservação dos edifícios, provocando uma deterioração dessas estruturas.
Ele apurou, em recente levantamento, que antes de 2019, não havia uma diferença perceptível entre a ocorrência de infrações de construções do tipo C – que abrangem aquecimento inadequado das unidades no inverno, telhado quebrado, presença de roedores, falta de água quente e mofo ou bolor nos imóveis, por exemplo – entre prédios com locações estabilizadas e o grupo estudado de edifícios não afetados pela regulamentação. Porém, depois de 2019, e especialmente a partir de 2022, ocorreu um pico de aumento desses casos.
Outro fator ressaltado por Barr é que esses problemas não foram resolvidos pelos donos das residências em até 24 horas após o recebimento da notificação, como determina a legislação. “O que sugere fortemente que a lei está incentivando os proprietários de prédios com aluguel controlados a efetuarem uma manutenção insuficiente de seus edifícios”, escreveu o professor. Anualmente, o RGB define os preços de locação para aproximadamente 1 milhão de habitações em Nova York, complementa matéria da revista Forbes. Fora do centro de Manhattan, as moradias possuíam um aluguel médio de 1.406 dólares em 2023, destaca a publicação.
Ainda segundo a Forbes, nos últimos cinco anos, o município de Nova York teve uma grande retração no aporte institucional em prédios com locação estabilizada. No passado, recorda a revista, os investidores destinavam bilhões de dólares ao setor, financiando reformas, melhorias em edifícios e unidades, aprimorando as estruturas e os bairros sem deslocar os inquilinos com aluguel controlado. No entanto, reforça a publicação, desde a vigência da norma de 2019, esse capital praticamente desapareceu, bem como a capacidade de reinvestir nesse estoque de imóveis.
Para o professor adjunto de Direito da Universidade de Nova York, Max Raskin, e o aluno da pós-graduação em Economia na Universidade de Stanford (Califórnia), Alexander Haberman, o fracasso das locações estabilizadas é fácil de entender: limitar os preços enquanto a demanda permanece estável leva à escassez. Em artigo para o City Journal, eles citam as localidades de Minneapolis e Saint Paul (ambas em Minnesota) como exemplos dessa teoria. Se por um lado as novas construções apresentaram uma queda de 48% depois da aprovação de regras de controle dos aluguéis em Saint Paul, Minneapolis – que não conta com essa legislação e revisou as restrições de zoneamento urbano – manteve o valor de locação das residências estável, mesmo com a alta da média nos Estados Unidos.
Os autores enfatizam ainda que os principais prejudicados com a estabilidade dos aluguéis são os recém-chegados nas cidades, os imigrantes e as gerações mais jovens, que acabam excluídos do mercado porque os inquilinos existentes permanecem em suas habitações por muitos anos e novas moradias não são erguidas. Eles ponderam também que, mesmo auxiliando alguns locatários de baixa renda, os efeitos das leis de controle dos aluguéis a longo prazo elevam os preços das unidades para todos os demais – impedindo a rotatividade dos residentes.
Municípios de vários países enfrentam o incremento dos valores das locações e a falta de imóveis
A carência de habitações no Brasil, que é estimada em aproximadamente 6 milhões de domicílios, tem sobrecarregado as famílias, que comprometem cada vez mais suas rendas para pagar o aluguel e veem a possibilidade de adquirir a casa própria mais distante. O indicador de acesso habitacional do Instituto Cidades Responsivas em sua mais recente atualização, com base em dados de junho deste ano, mostra que a maioria das famílias das 26 capitais do País e do Distrito Federal destinam mais de 30% de seus rendimentos médios para as despesas com a locação de moradias. Belém (PA) apresentou a maior taxa de comprometimento da renda, de 92%, e Brasília a menor, 25%.
O objetivo da ferramenta é contribuir para o monitoramento do funcionamento das localidades brasileiras, evidenciando quando há um desequilíbrio entre a demanda e a oferta de unidades, o que pode desencadear o aumento dos preços dos imóveis e das locações. Nos Estados Unidos, de acordo com relatório de 2024 do Centro Conjunto de Estudos de Habitação da Universidade de Harvard (Massachusetts), 22,4 milhões de famílias que alugavam casas gastaram mais de 30% de renda com a locação e serviços públicos. No mesmo período, 12,1 milhões de famílias destinaram mais de 50% de seus rendimentos para essas áreas – um recorde histórico, conforme artigo da revista NYU American Public Policy Review, da Universidade de Nova York.
Uma pesquisa concretizada em São Francisco (Califórnia), salienta a publicação, apurou que os proprietários impactados pela lei de controle de aluguéis reduziram a oferta de moradias em 15% após uma mudança na norma realizada em 1994. A falta de unidades elevou os valores das demais residências. A Alemanha, onde mais da metade da população não possui imóvel próprio, também vem enfrentando dificuldades para lidar com o incremento dos preços das locações e a escassez de habitações, relata a Deutsche Welle (DW). Em 2024, faltavam mais de 800 mil apartamentos naquela nação e cerca de 9,5 milhões de pessoas, principalmente pais solteiros e seus filhos, viviam em condições precárias.
O governo alemão, informa a DW, estendeu o congelamento dos aluguéis no País até 2029 como medida para tentar reverter o atual panorama. Com uma regra nessa mesma linha, Berlim não conseguiu impedir o aumento das locações e teve a sua legislação de estabilização dos aluguéis anulada em 2021. Na época, o Tribunal Constitucional Federal da nação considerou que a norma se sobrepunha à legislação nacional de 2015, que trata do mesmo tema, mas com critérios distintos. Apesar de ter diminuído os valores das locações no mercado regulamentado pela lei, ocorreu uma acentuada queda na oferta de moradias. A capital alemã, além dos altos preços registrados e carência de novas construções, precisa também resolver a questão da crescente oferta de apartamentos no Airbnb – uma realidade vivida por outros municípios turísticos.
Mais unidades é principal estratégia sugerida por economistas
Não colocar inquilinos contra os seus proprietários é uma das primeiras ações a serem estimuladas nas cidades, na opinião do professor de Economia da Universidade Rutgers, Jason M. Barr. Em vez disso, ele defende que a chave é focar na oferta de mais imóveis, especialmente na faixa intermediária, a chamada moradia média – que consiste em prédios e chalés com dois a quatro andares e diversos apartamentos. Ele afirma ainda que se as residências fossem abundantes o suficiente para que as taxas de vacância fossem maiores que 5%, haveria uma estabilização dos aluguéis e não seriam necessárias regras de controle dos valores das locações.
Entre as iniciativas recomendadas por Barr para chegar a esse patamar estão o fomento à edificação de mais habitações, principalmente nos bairros onde elas são demandadas, através de amplas modificações no zoneamento urbano, subsídios para o setor imobiliário e o apoio para a construção de imóveis próximos a linhas de trem e de metrô. O professor lista também o incentivo às unidades habitacionais acessórias (ADUs, na sigla em inglês) em lotes unifamiliares e a integração de políticas de oferta e acesso à moradia às de transporte, escolas, serviços e parques.
Já a revista Forbes aponta a necessidade de fortalecer as Parcerias Público-Privadas (PPPs) para estabilizar o mercado imobiliário acessível e de transparência e compartilhamento de dados. A publicação ressalta que a tomada de decisões sobre os rumos das localidades deve ser embasada em informações que beneficiem todas as partes envolvidas nesse processo. O aperfeiçoamento e expansão dos subsídios de aluguel e de programas federais de vouchers – que ajudam as pessoas a pagar suas locações sem forçar os proprietários a reduzirem ainda mais a oferta – é indicada pela revista NYU American Public Policy Review, da Universidade de Nova York.
Segundo o artigo, o projeto de Escolha de Moradia dos Estados Unidos oportuniza que as famílias encontrem sua residência no mercado imobiliário privado, permitindo que elas selecionem onde desejam viver e possibilitando que os donos das unidades estabeleçam preços que equilibrem a balança entre o valor dos aluguéis e os custos operacionais dos imóveis. A publicação aconselha também a expansão dessa medida para alcançar mais pessoas e para oferecer aconselhamento sobre habitação, promovendo o conhecimento dessas famílias sobre suas opções e colaborando para que elas consigam, mais adiante, sair desse programa.
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