Zoneamento

As regras que impõem a inclusão de unidades acessíveis em novos empreendimentos não têm disponibilizado o volume necessário de residências para atender às pessoas de baixa e média rendas. Diferentes pesquisas mostram que a lei vem reduzindo a oferta em geral de habitações e elevando os seus preços. A revisão dos zoneamentos e a adoção de políticas públicas na área são indicadas por estudos como soluções para essa realidade.

As cidades vêm há décadas enfrentando os problemas desencadeados pela falta de moradia, como a expansão desorganizada do seu território e o incremento dos valores dos imóveis para compra e aluguel – empurrando uma parcela significativa da população para longe das oportunidades de trabalho, do lazer e de redes de serviços e comércios mais qualificadas. Somente no Brasil, o déficit habitacional é calculado em cerca de 6 milhões de domicílios. Reverter esse panorama e ampliar a oferta de unidades, especialmente para as faixas de baixa e média rendas, é um desafio para os municípios, que ainda não encontraram mecanismos eficientes para responder a essa necessidade.

Uma das estratégias que vem sendo implementada pelas localidades para estimular a construção de mais moradias acessíveis é o zoneamento inclusivo. Essa ferramenta de planejamento urbano estabelece que os empreendedores destinem em seus novos complexos uma porcentagem de imóveis abaixo dos valores de mercado para locatários ou compradores. Para isso, uma grande parte dos lugares opta por definir um bônus de densidade para compensar total ou parcialmente os custos dos desenvolvedores para fornecer residências àqueles com baixa ou média rendas, detalha em artigo a pesquisadora sênior e diretora do Projeto Urbanidade no Mercatus Center, da Universidade George Mason (Fairfax, EUA), Emily Hamilton.

O objetivo com a medida, explica o site de notícias Planetizen, é assegurar a diversidade econômica e a inclusão de indivíduos com rendimentos mais baixos no mercado imobiliário. No entanto, essas iniciativas – idealizadas para atenuar os reflexos das normas de uso do solo excludentes, que limitavam a edificação de habitações multifamiliares e determinavam tamanhos mínimos de lotes para casas unifamiliares – não têm conseguido produzir a quantidade suficiente de domicílios, ressalta Emily.

Dessa forma, as ações nesse sentido acabam beneficiando uma pequena parcela de pessoas. Ela recorda que o urbanista francês Alain Bertaud relata em seu livro “Ordem sem Design: Como os Mercados moldam as Cidades” que o município de Nova York (EUA), com seus mais de 8,5 milhões de moradores, ergueu apenas 172 unidades anualmente nos primeiros 25 anos da vigência do zoneamento inclusivo – situação identificada em outras localidades dos Estados Unidos que adotaram a mesma prática.

A pesquisadora da Universidade George Mason salienta que essa política pode agravar ainda mais a escassez de imóveis, aumentando os seus preços para todos que não recebem uma habitação subsidiada. Artigo da Califórnia YIMBY, organização ligada ao movimento Sim no Meu Jardim, que defende a edificação de mais domicílios naquela região dos Estados Unidos, acrescenta que vários estudos sobre o assunto revelam que o zoneamento inclusivo não teve efeito na edificação geral de moradias, porém afetou onde elas foram erguidas, deslocando os novos empreendimentos para terrenos que não eram abrangidos pelas regras do zoneamento inclusivo.

Para diminuir os custos, muitos desenvolvedores buscam áreas onde a terra é mais barata, o que acaba restringindo o alcance da legislação em bairros mais nobres e com melhor infraestrutura e oportunidades. Em muitos casos, a elevação dos custos faz com que projetos sejam adiados ou cancelados, reduzindo os lançamentos imobiliários e acentuado o déficit de imóveis. Emily argumenta que levantamentos efetuados na Califórnia demonstraram que o zoneamento inclusivo fez os valores das unidades subirem de 2% a 3% mais rápido nas cidades que implementaram essa solução, em comparação ao esperado sem essas normas.

Já no estudo realizado por ela na região de Baltimore e Washington (EUA), onde 15 municípios adotaram o mecanismo de maneira obrigatória e voluntária, foi constatado que as regras incrementaram os preços das residências em mais de 1% ao ano com a vigência do zoneamento inclusivo, em relação ao que era estimado sem ele. Além disso, a pesquisadora verificou que não houve impacto na disponibilidade de mais habitações. As evidências apuradas pela diretora do Projeto Urbanidade reforçam que a estratégia resultou no aumento dos valores dos domicílios em geral e queda na oferta total de moradias – com os custos dessa medida recaindo mais pesadamente sobre os residentes com menor renda que não têm a sorte de se qualificar para um dos imóveis designados como acessíveis.

Mesmo com essas informações, muitos formuladores de políticas seguem apostando nessa ferramenta, que vem sendo empregada nos Estados Unidos desde o início da década de 1970, quando Fairfax, na Virgínia, colocou em prática o seu zoneamento inclusivo, abrindo o caminho para outras localidades, destaca o Planetizen. Um dos motivos para isso, conforme Emily, está associado à percepção de que essa é uma forma “gratuita” de produzir mais unidades, já que os recursos para a construção de prédios e casas são da iniciativa privada. Outra razão listada por ela é a de permitir que os gestores públicos “pareçam estar adotando uma agenda pró-acessibilidade sem reformar as leis de uso do solo excludentes que levam à alta dos preços das habitações”. A pesquisadora enfatiza em seu artigo que o zoneamento inclusivo não deve ser buscado como uma ação de acessibilidade.

Estudos em Los Angeles e Seattle avaliam retorno de programas de moradias acessível

Os reflexos do zoneamento inclusivo em Los Angeles foram investigados pelo gerente de Projetos de Iniciativa Habitacional do Lewis Center, da Universidade da Califórnia (UCLA), Shane Phillips, em artigo divulgado no ano passado. O modelo utilizado por ele calcula que a cidade ao exigir uma reserva de 11% de imóveis acessíveis, diminui em 28% a edificação de domicílios. Um cenário que não contribui para que o município alcance a meta de erguer 456 mil novas residências entre 2021 e 2029 – incluindo 185 mil unidades para famílias de renda baixa e muito baixa – para tentar atenuar a falta de habitações na localidade.

Relatório de 2024 do Escritório de Analistas Legislativos da Califórnia averiguou que o preço de uma casa de nível básico naquele estado era 33% mais alto do que o valor de uma moradia média no restante dos Estados Unidos, segundo artigo do think tank Carnegie Endowment. Quando comparados entre si, os imóveis de padrão médio registraram uma diferença de preço entre a Califórnia e as demais áreas do país de 221%. O déficit de domicílios nos Estados Unidos, de acordo com o último Censo publicado neste ano, chegou ao número histórico de 4,7 milhões de unidades, informa relatório do grupo Zillow – plataforma de compra e aluguel de residências – de julho de 2025.

Escassez essa, apontada como o principal fator para a crise de acessibilidade à moradia. O levantamento da plataforma cita também que apesar de terem sido adicionadas cerca de 1,4 milhão de novas casas ao estoque habitacional em 2023, essa quantidade não acompanhou os 1,8 milhão de famílias recém-formadas. O estudo identificou ainda que a geração Y (nascidos entre o início da década de 1980 e 1995, mas conhecidos como millennials) divide domicílio com pessoas que não são parentes mais do que qualquer outra geração, representando 38% das famílias em 2023. Outro dado apurado pelo Zillow é que entre as 50 maiores metrópoles norte-americanas, Nova York, Los Angeles, Boston (Massachusetts), São Francisco (Califórnia) e Washington DC possuem os índices mais altos de falta de imóveis.

Já em Seattle (Washington), os pesquisadores Jacob Krimmel e Betty Wang examinaram os efeitos do programa de Acessibilidade Obrigatória à Habitação (MHA, na sigla em inglês) da cidade. A norma combinou, conforme o Califórnia YIMBY, um pequeno upzoning (que possibilita a elevação da densidade) com zoneamento inclusivo obrigatório em 33 bairros no entorno do município. A ação foi testada inicialmente em seis regiões para então ser ampliada, em 2019, e abranger aproximadamente 11% das terras da cidade.

A solução da localidade concede uma expansão modesta da área edificável e impõe uma reserva obrigatória de acessibilidade a todos os empreendimentos nos bairros rezoneados, independentemente de o complexo usar ou não o índice adicional de construção autorizado. Os autores do levantamento frisam também que os incorporadores têm duas alternativas para atender aos requisitos de inclusão: destinar apartamentos para os inquilinos de baixa renda ou pagar uma taxa, que vai para o fundo de moradia acessível de Seattle – opção escolhida por 98% dos desenvolvedores que erguem prédios na região do MHA.

Outro ponto assinalado é que o projeto não se aplica a nenhuma parcela da cidade voltada para casas unifamiliares e não teve impacto na produção geral de imóveis. Eles ponderam ainda que os resultados obtidos sugerem que a estratégia do governo municipal foi mal concebida para potencializar a construção de unidades populares. Os autores dizem que o incremento de densidade aprovada é insuficiente para compensar o custo adicional de fornecer residências acessíveis ou pagar a taxa. Para eles, a legislação está transferindo a edificação de novos prédios para quarteirões próximos que não precisam cumprir os requisitos definidos pelo mecanismo.

Revisão das restrições de zoneamento é mais eficaz para erguer novos domicílios, afirmam especialistas

Em vez de criar programas de acessibilidade habitacional, pesquisadores dos segmentos de economia urbana e de regras de uso do solo defendem a revogação do zoneamento excludente para responder às necessidades de moradia das localidades. A diretora do Projeto Urbanidade no Mercatus Center, da Universidade George Mason, Emily Hamilton, ressalta que a liberação das leis de uso do solo pode permitir que qualquer pessoa com renda pelo menos moderada encontre imóveis com preço de mercado que possa pagar. Algo que Houston (EUA) e Tóquio (Japão) já mostram ser viável.

Com a reforma dos zoneamentos, as cidades podem permitir densidades maiores, uso misto e reduzir as exigências mínimas de lote e de vagas de estacionamento nas garagens, aumentando a oferta de unidades de maneira sistêmica e a produção de residências em bairros onde os indivíduos querem viver, junto a uma série de comodidades, serviços e empregos. Um estudo sobre habitação nos municípios norte-americanos revelou que as vantagens da construção de moradias abundantes podem se estender até à população com recursos mais limitados, lembra artigo do Instituto Sightline. O levantamento reforçou que os principais motivos correlacionados com a falta de imóveis são os altos aluguéis e as baixas taxas de vacância – os dois indicadores mais representativos da escassez de unidades.

Mesmo com normas de zoneamento que impulsionem a edificação de mais residências, algumas famílias de baixa renda ainda terão dificuldades para pagar os custos da habitação, alerta Emily. Para garantir o acesso desses cidadãos à moradia, a diretora e pesquisadora da Universidade George Mason sustenta que é preciso ter políticas públicas, com subsídios financiados pelos governos e não por meio da tributação da construção de novos imóveis através do zoneamento inclusivo. Vales-habitação ou vouchers que deem liberdade para as famílias decidirem onde querem residir e moradias públicas são algumas das sugestões dela.

Segundo Emily, essas estratégias são mais eficazes e viáveis no âmbito federal do que no local, onde a base tributária é menor e grandes elevações de impostos podem levar as pessoas a se mudarem para outros lugares. Contudo, ela destaca que os limites do potencial das gestões municipais para financiar a habitação não significam que as prefeituras devem buscar o zoneamento inclusivo para resolver a lacuna de apoio federal. A diretora salienta que o foco deve ser na revisão das normas de uso do solo excludente.

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