Os gargalos do planejamento urbano no Brasil, principalmente o déficit de moradias, a precariedade do saneamento básico e os problemas de mobilidade, que tanto afetam a qualidade da vida, ficaram ainda mais evidentes na pandemia da Covid-19. Além disso, transformaram-se em desafios prementes para a retomada das atividades econômicas e adaptação das empresas e pessoas ao chamado “novo normal”.
Questões não atendidas há décadas por políticas públicas precisam agora de respostas urgentes: como manter práticas de higiene, se aproximadamente 20% dos brasileiros não têm acesso a redes de água e metade não conta com esgoto coletado, segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS)? Tais problemas concentram-se em áreas densamente povoadas, como favelas e conglomerados de casas em regiões com infraestrutura precária, muitas vezes resultantes de uso e ocupação ilegais do solo, o que permite supor que ainda teremos bolsões nos quais será muito difícil conter o contágio pelo novo coronavírus.
Como evitar aglomerações e o distanciamento social, se a grande maioria das pessoas, principalmente nas grandes cidades, depende do transporte coletivo para ir ao trabalho, à escola, às compras e para toda sua necessidade de locomoção? Somente os trens do Metrô da cidade de São Paulo, segundo a companhia, movimentam 5,92 milhões de passageiros por dia. Outros 8,7 milhões são transportados pelo sistema de ônibus da capital paulista, o maior da América Latina, com uma frota de 14,07 mil veículos, distribuída em 1,3 mil linhas, de acordo com dados da SPTrans.
Tais números reduziram-se no período de quarentena, mas irão voltando paulatinamente à realidade estatística, à medida que forem reabrindo as atividades econômicas. Assim, enquanto não houver uma vacina contra o novo coronavírus e até que seja possível a imunização em massa dos brasileiros, as ruas, as habitações precárias e o transporte coletivo serão caldos de cultura de um dos vírus mais contagiosos de todos os tempos.
Obviamente, nenhum país estava totalmente preparado para enfrentar a covid-19, que surpreendeu o mundo. Porém, o Brasil, como outras nações emergentes e em desenvolvimento, iniciou sua luta contra a pandemia já perdendo de goleada para seus próprios e crônicos problemas urbanos, resultantes do “fogo amigo” da falta de planejamento urbano e de políticas ineficientes de uso e ocupação do solo, ao longo de décadas. Obviamente, será muito mais difícil virar o jogo.
É como se vivêssemos em outro planeta e não naquele chamado Terra, no qual a ONU indica que 1,4 milhão de pessoas migram para o meio urbano a cada semana. Às vezes, relegam-se até mesmos as nossas próprias estatísticas oficiais. O IBGE divulgou que as 27 capitais do País registraram, em média, crescimento de 0,84% em 2019 e, somadas, têm 50 milhões de habitantes, o equivalente a cerca de 23% da população total do País. Diante do gigantesco déficit habitacional brasileiro e de deficiências crônicas na universalização do saneamento básico, fica muito claro que as políticas públicas e estratégias de planejamento urbano estiveram sempre em descompasso com as demandas relativas à expansão das cidades.
Agora, teremos de continuar lutando contra uma das mais graves pandemias de todos os tempos e retomar as atividades econômicas no contexto do “novo normal”, tropeçando em todos os obstáculos do meio urbano, que é o teatro de operações mais intenso e decisivo na guerra contra o novo coronavírus. Está lançado o desafio para autoridades, empresas, entidades de classe, trabalhadores e toda a sociedade. Chegou a hora, sem mais adiamentos, de mostrar do que, juntos, realmente somos capazes.
*Luiz Augusto Pereira de Almeida é diretor da Sobloco Construtora e membro do Conselho Consultivo do Secovi.
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