Paris

Paris tem se tornado uma referência mundial pela escala e rapidez com que tem devolvido as ruas das cidades para as pessoas.

Desfragmentar a capital francesa, remodelando bairros já existentes e criando novas centralidades é a proposta da prefeita reeleita de Paris, Anne Hidalgo. A intenção é que as pessoas possam encontrar tudo o que precisam a uma distância de até um quarto de hora de suas casas, eliminando as longas jornadas e tempo gasto em percursos para o trabalho, lazer, comércio ou na busca de cultura e serviços.

Por trás do projeto que pretende revolucionar o planejamento urbano parisiense – e que foi uma das principais plataformas da campanha de Anne em 2020 – está o conceito inovador de Cidade de 15 minutos (La Ville Du Quart d’Heure, em francês) cocriado pelo pesquisador franco-colombiano e professor associado da Universidade Paris 1 – Panthéon Sorbonne, Carlos Moreno. A ideia é “mudar nossa relação com o tempo, essencialmente aquele relacionado à mobilidade”, com comodidades, empregos, divertimento e compras perto das moradias, como afirmou Carlos em texto publicado no site Consumidor Moderno,

O trabalho do pesquisador é inspirado no pensamento da escritora Jane Jacobs de que a proximidade das diversas funções que ocorrem em uma cidade é a chave para tornar as localidades em espaços vivos. Nesse sentindo, Carlos acredita que os municípios precisam ser redesenhados para que as pessoas se reconectem aos seus bairros e possam realizar neles todas as suas atividades. O modelo defendido pelo professor, como destaca a matéria do Jornal do Comércio, é diferente de teorias como, por exemplo, a do urbanismo moderno do início do século XX, fortemente marcada pelo zoneamento das cidades, determinando lugares específicos para as residências, empresas e entretenimento, separando-os. “Gostaria de oferecer uma concepção no sentido contrário ao urbanismo moderno. Uma tentativa de transformar a vida em um espaço de escala humana, em vez de dividi-lo em um tamanho desumano e forçar a nossa adaptação”, enfatizou em sua apresentação no TED Talks.

Vida urbana mais agradável, ágil, saudável e flexível

O conceito de Cidade de 15 minutos, como explica o pesquisador, está baseado em quatro princípios orientadores para repensar as localidades: ecologia, proximidade, solidariedade e participação. A intenção com esses parâmetros é idealizar lugares mais sustentáveis e verdes, com curtas distâncias entre as múltiplas atividades dos seus residentes, possibilitar a criação de vínculos entre as pessoas e permitir que elas se envolvam efetivamente nas modificações de seus bairros. “Não me levam a mal, não almejo que as cidades virem aldeias rurais. Mas, precisamos tornar a vida urbana mais agradável, ágil, saudável e flexível. Para isso, temos que garantir que todos, morem nas áreas centrais ou periféricas, tenham acesso aos principais serviços perto de suas casas”, enfatizou ele durante o TED Talks.

Carlos, que é também autor do livro “Direito da cidade, da cidade-mundo à cidade do quarto de hora” (Droit de cité, de la “ville-monde” à la “ville du quart d’heure”), acrescenta que a proposta elaborada por ele conta ainda com três características essenciais:

  • o ritmo dos municípios deve ser o do homem e não o dos carros;
  • cada metro quadrado deve servir para diversas finalidades; e
  • as regiões têm que ser projetadas para que se more, trabalhe e prospere nelas sem precisar de deslocamentos frequentes.

Transformação foca na mobilidade e na readaptação das ruas

Paris, que já tem a sua área central bastante convidativa para caminhadas e circulação de bicicletas, pretende elevar essa experiência a outro nível e expandi-la para todos os bairros ao se tornar uma Cidade de 15 minutos. Para isso, a prefeita Anne Hidalgo pretende tornar as vias públicas ambientes mais atraentes para as pessoas, reduzindo o espaço para os veículos.

Um esboço do plano da Prefeitura local, divulgado pela revista Fast Company, mostra que a intenção é remodelar as ruas colocando vegetação ao lado de uma pista larga para ciclistas e caminhantes e utilizar as vagas de estacionamento para instalar árvores e terraços para mesas de café e outras iniciativas, como lojas de conserto de bikes. Anne projeta também ampliar os mil quilômetros de ciclovias existentes, deixando Paris 100% amigável para quem opta por esse meio de transporte. Ainda segundo matéria da Fast Company, apenas em 2019 cresceu 54% o número de pessoas que adotaram as bicicletas para se locomover pela cidade.

Pioneira em ações de mobilidade, a capital francesa teve uma diminuição no uso de carros particulares de 44% para 35% entre 1999 e 2016, como aponta artigo do site Tomorrow.Mag. A revista digital informa que as políticas de Anne conseguiram reduzir, em 2019, o tráfego de automóveis em 8%. Essas medidas, aliadas a de adaptar as margens do rio Sena para serem utilizadas pelos pedestres, realizada em 2016, deixam Paris ainda mais agradável e segura para a população.

Para o professor Carlos Moreno, o desafio das cidades mais populosas no futuro será transformar as vias públicas em ambientes livres da emissão de carbono com as pessoas caminhando ou pedalando. Segundo ele, o planejamento dos municípios ainda é “movido pelo paradigma da era do petróleo, mas o tempo dos veículos onipresentes está chegando ao fim”, como assinala no texto do Consumidor Moderno. O pesquisador avalia que o projeto da maioria das localidades modernas é definido pelo “imperativo da economia de tempo” e, mesmo assim, são perdidas muitas horas em deslocamentos e engarrafamentos. “A ideia das Cidades de 15 minutos responde à economia de tempo invertendo totalmente o sistema, sugerindo um ritmo de vida diferente, de um quarto de hora para realizar diversas atividades”, disse ele no TED Talks.

Outra iniciativa prevista na reformulação da capital da França é tornar o Centro um local para os pedestres, com acesso de carros liberado apenas para moradores, veículos de emergência e algumas poucas exceções. O modelo apresentado por Anne, e que tem a consultoria de Carlos, almeja também deixar as principais vias de Paris inacessíveis para os automóveis, alterando avenidas e rotatórias para funcionarem como praças, como foi efetuado em Times Square, em Nova York (EUA). Todas essas mudanças terão impacto na diminuição da poluição do ar e no bem-estar dos cidadãos. Em sua conta pessoal no Twitter, a prefeita afirmou que “a Cidade de 15 minutos é aquela onde você encontra tudo o que precisa dentro de um quarto de hora de casa. Essa é a condição para a transformação ecológica da capital francesa, melhorando o dia a dia dos parisienses”.

Escolas marcarão novo olhar para uso das edificações

Uma intervenção em todo o território de Paris será necessária, em longo prazo, para proporcionar a todos os habitantes as condições para que a Cidade de 15 minutos seja implementada. De acordo com a prefeitura municipal, o objetivo não é partir do zero e construir ou instalar novas estruturas e sim revisar os equipamentos presentes em cada região e, quando possível, modificar os lugares para que eles funcionem para diferentes atividades, como uma boate operar como academia à tarde ou um prédio público contar também com uma biblioteca.

Nesse contexto, as escolas ganham destaque no projeto da prefeita Anne e do pesquisador Carlos. A intenção é reformar e colocar vegetação nos playgrounds das instituições educacionais, possibilitando que eles funcionem como praças e locais de eventos e iniciativas culturais para a comunidade do entorno fora dos horários das aulas. “Com a cidade de um quarto de hora, a escola poderia, por exemplo, ficar aberta nos finais de semana e à noite para ações no bairro. Ela se tornaria, então, a capital do distrito, um lugar que cria laços sociais entre os moradores”, sugere Carlos Moreno. Ele complementa que uma das regras de ouro de seu modelo é que cada metro quadrado já edificado deve ser utilizado para distintas funções.

O conceito de construções com múltiplas finalidades abrange ainda os clubes esportivos sociais, que seriam, segundo a Prefeitura, ambientes que atenderiam à demanda dos pais por um espaço para esportes e atividades físicas gratuitas e, ao mesmo tempo, contariam com assistência às crianças. Tudo isso perto de suas casas. A visão da Cidade de 15 minutos busca também incentivar o desenvolvimento e a diversidade de negócios e serviços locais e a troca de conhecimento entre vizinhos. Para isso, uma das medidas previstas pelo executivo municipal de Paris é a criação de Quiosques dos Cidadãos, onde as pessoas podem se encontrar, ajudar umas às outras e terem contato com associações comunitárias e órgãos públicos.

Desafio: aproximar emprego e moradia

Um dos maiores desafios da proposta de Anne e Carlos, pontuados pela revista Fast Company, está na questão de aproximar emprego e moradia. Uma alternativa definida no plano da prefeita é a criação de escritórios e coworkings nas vizinhanças que não possuem essas estruturas. Além disso, será necessário convencer os empresários da viabilidade do trabalho remoto ou do home office. Um ponto que conta a favor dessa mudança no mercado é que muitas companhias já migraram para esse formato de atuação devido às restrições impostas pela pandemia de coronavírus.

O planejamento urbano concebido por Carlos, inclusive, surge como uma opção e uma resposta à crise de saúde e climática vivida atualmente, promovendo o bem-estar das pessoas ao simplificar e aproximar as atividades de suas vidas. No entanto, o pesquisador faz uma ressalva: “a cidade de um quarto de hora não é uma varinha mágica, ela deve ser adaptada às condições de cada local. Paris é uma metrópole mundial e desequilibrada entre o leste e o oeste e o norte e o sul. Há reequilíbrios, principalmente econômicos, habitacionais e de obras a serem realizados”. Assim como a capital da França, Portland (EUA) é uma das percursoras na adoção desse conceito, com a idealização do plano “Bairros de 20 minutos”. Melbourne (Austrália), Ottawa (Canadá), Xangai e Cantão (ambas na China) também estão desenvolvendo projetos urbanísticos de Cidades de até 15 minutos.

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