foto: epocanegocios.globo.com
Os Distritos de inovação e o desenvolvimento das cidades
Como territórios organizados em torno de um mesmo propósito, os distritos de inovação integram empresas públicas e privadas e instituições de diversos setores que desenvolvem atividades relacionadas à tecnologia, criatividade e empreendedorismo. Apesar das diferenças em infraestrutura, dinâmicas e desafios relacionados às realidades locais, esses distritos têm em comum a criação de um círculo virtuoso nas cidades e regiões onde estão localizados.
Como os distritos de inovação contribuem para o desenvolvimento das cidades? Quais os principais exemplos mundo afora? Como implementar um distrito de inovação e quais são os desafios a serem enfrentados? Para responder a essas questões, o Movimento Somos Cidades entrevistou dois especialistas no assunto: Jorge Pacheco e Jesper Rhode.
Jorge é fundador e CEO (Chief Executive Officer) do STATE, centro de inovação com foco em ciências, cidades e indústria criativa. Ele foi um dos pioneiros em coworking no Brasil, a partir da rede PLUG, e participou na fundação e operação do Cubo (Banco Itaú). Antes disso, Jorge atuou por mais de 10 anos no mercado financeiro, trabalhando com finanças estruturadas, private equity e turn around. Jorge também é cofundador do Dinamo, movimento de políticas públicas no tema empreendedorismo e tecnologia.
Jesper é dinamarquês e está radicado há 20 anos no Brasil. Desenvolveu carreira como CMO (Chief Marketing Officer) e CTO (Chief Technology Officer) em empresas globais de tecnologia como a Ericsson. Atualmente, seus trabalhos têm foco em torno da Transformação Digital e do impacto da tecnologia na vida humana, atuando como conselheiro em empresas, e, também, como mentor para startups ligadas a aceleradoras de ponta. É fundador da consultoria TR4NSFORM, com escritórios em São Paulo e em Copenhagen, na Dinamarca. Jesper é facilitador integrante da equipe da Hyper Island, rede global de escolas e serviços empresariais na área da inovação, e associado do Copenhagen Institute for Future Studies.
Formação de talentos e desenvolvimento econômico
Conceitualmente, um distrito de inovação é uma região caracterizada pela existência de um ecossistema gerado de forma orgânica ou a partir de um planejamento estratégico. “Entendo por distrito de inovação a concentração de iniciativas relacionadas à tecnologia, criatividade e empreendedorismo organizadas em conjunto pela iniciativa privada, governos, empreendedores, artistas, e outros”, afirma Jorge. Para ele, os maiores benefícios são a geração de emprego e renda, atração e formação de talentos e o desenvolvimento econômico local. “Esses ambientes concentram um grande potencial de geração de empregos e renda, atração de investimentos e desenvolvimento urbano. Entre os maiores desafios, acredito que está o alinhamento das esferas público, privado e social para definir sua vocação e organizar as demandas e ofertas locais”, reforça.
O distrito de inovação é uma área geográfica onde se encontram as condições para fazer inovação, como resume Jesper. Eles nem sempre surgem a partir de um planejamento, em uma localidade específica da cidade, mas há muitos casos de terem sido implementadas em regiões que necessitavam de algum tipo de revitalização, contribuindo para a promoção de transformações urbanas significativas. Os motivos são variados, como a existência de estímulos do governo para a atração de investimentos e revitalização daquele local específico, na opinião de Jorge, e os baixos custos dos imóveis, o que demandaria um menor investimento inicial para as empresas ali instaladas, como destaca Jesper. “A transformação urbana, muitas vezes, pode ser uma consequência, mas não que esteja diretamente ligada a isso. A não ser que sejam ambientes com um objetivo, a transformação urbana será um fator indireto para o crescimento dessas áreas”, complementa Jesper.
Para o consultor dinamarquês, os principais benefícios estão ligados ao crescimento econômico. “O distrito de inovação traz mais postos de trabalho, traz uma renda per capita maior, condições sociais e qualidade de vida melhores para as pessoas e maior eficiência dos gastos dos recursos”, elenca Jesper. A cidade é a principal beneficiada. “É um ciclo virtuoso, porque a cidade se torna mais interessante, atrai mais gente e acaba crescendo mais ainda”, explica. O princípio de todo esse processo, enfatiza, é o talento. “São as pessoas, que vão se juntando e começando a fazer esse segmento, as empresas, a inovação, acontecer naquela região”, reforça.
Exemplos internacionais a serem seguidos
Quando o assunto é distrito de inovação, o Vale do Silício, que abrange 28 cidades da Califórnia, Estados Unidos, costuma ser a principal referência. Contudo, para Jesper Rhode, um distrito é uma área geográfica menor do que uma cidade que oferece as condições necessárias para que seja feita inovação. “O Vale do Silício, eu diria, é demais para ser considerado um distrito. Lá é um fenômeno diferente, que tem muito a ver com toda a cultura que se desenvolveu por lá. Tem muito as mesmas características, mas o tamanho é tão grande que todas as indústrias, bancos, empresas e escolas existentes fizeram com que fossem até criados vários núcleos com determinada especialização”, argumenta.
Ele cita, como boas referências, o novo bairro que surgiu em Londres conhecido como Silicon Roundabout (rotatória) em alusão ao Vale do Silício, e áreas e bairros em Berlim, na Alemanha, em Paris, na França, e em Austin e Boston, nos Estados Unidos. “Existem dois no exterior, dos quais participei, que acho muito interessantes. Um está em uma região entre a Suécia e a Dinamarca. Os dois governos fortaleceram a região quando surgiram as primeiras empresas de biotecnologia. E o outro é o de Odense, terceira maior cidade da Dinamarca”, diz Jesper.
Odense foi um importante centro industrial da Dinamarca de transporte marítimo no passado, sediando o estaleiro da Maersk Group, onde eram construídos navios porta-containers e cargueiros. “A instalação era muito grande e muitas pessoas da cidade trabalhavam nisso”, conta Jesper. Diversas empresas fornecedoras de serviços foram criadas e se estabeleceram no entorno. Maersk fez doações para a universidade local para estimular a pesquisa em robótica, o que resultou na produção de novos robôs de soldagem para facilitar o processo de fabricação.
Em 2009, entretanto, devido à crise financeira global, a multinacional anunciou o fechamento do estaleiro, o que impactou fortemente a cidade como um todo, culminando, inclusive, no fechamento do aeroporto local. “O que aconteceu, então, é que isso foi, podemos chamar, a faísca que fez com que uma cidade que estava olhando o futuro meio pálido por perder sua grande indústria desse a volta por cima, juntando os talentos de robótica”, diz Jesper. Atualmente, a cidade, com cerca de 200 mil habitantes, é um polo global de robótica, com mais de 130 empresas – entre elas a Universal Robots, um centro de teste internacional para drones, uma universidade de tecnologia de referência mundial para engenheiros de hardware e um governo local de apoio, como destaca Roman Pakholkov, no artigo Case study: amazing story of Odense Robotics Ecosystem. A partir de então, uma significativa transformação urbana e social foi desencadeada na cidade. “Esse cruzamento entre talento, escola, ambiente, empresas grandes, capital investido e acesso ao mercado global fez tudo isso acontecer de forma conjunta e transformou a história de uma cidade que estava vislumbrando um futuro meio pálido e acabou sendo um sucesso”, considera Jesper.
Jorge Pacheco acrescenta Haifa, em Israel, e Shenzhen, na China, à lista dos exemplos internacionais, além de Kendall Square, em Cambridge, na Inglaterra, e o novo Boston Seaport, nos Estados Unidos. “Para mim, são grandes exemplos de projetos bem elaborados de revitalização local com uma vocação bem definida de promover inovação no campo de ciências da vida e criando ambientes com ótima qualidade de vida e que são desejados por estudantes, cientistas, empreendedores e empresas para fazerem parte”, considera.
Iniciativas brasileiras bem-sucedidas
O Porto Digital, em Recife (PE), um dos principais parques tecnológicos e ambientes de inovação do Brasil, é citado como referência nacional por Jesper Rhode e também por Jorge Pacheco. “Em seus mais de 20 anos de história, representa diversos elementos de um distrito de inovação bem-sucedido: revitalizou uma área degradada da cidade, atraiu empresas e investimentos, gerou milhares empregos, elevou a renda local e estimulou o nascimento de muitos empreendedores”, revela Jorge.
Trata-se de um parque urbano criado no ano 2000 a partir de uma ação coordenada entre governo, academia e empresas, instalado no Centro Histórico do bairro do Recife, conhecido como Recife Antigo, e em mais três bairros da cidade, totalizando uma área de 171 hectares. A região vem sendo requalificada desde a fundação do parque, no ano 2000, e mais de 138 mil metros quadrados de imóveis históricos já foram restaurados. Eleito três vezes como o melhor parque tecnológico do Brasil pela Associação Nacional de Promotoras de Empreendimentos Inovadores (Anprotec) – em 2007, 2011 e 2015 – o Porto Digital integra 330 empresas, organizações de fomento e órgãos do Governo, somando 11 mil trabalhadores e representando um faturamento anual de R$ 2,3 bilhões, conforme dados de 2019.
Outro exemplo nacional citado por Jesper é o Parque Tecnológico São José dos Campos, em São Paulo, criado pela prefeitura da cidade e pelo Governo do Estado, Instituído em 2006, teve suas operações iniciadas três anos depois. Em um mesmo local, com infraestrutura de 188 mil metros quadrados, abriga em torno de 300 empresas, entre residentes, startups, escritórios de negócios, instituições de ensino e pesquisa, entidades da sociedade civil e o cluster aeroespacial brasileiro.
O polo tecnológico de Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, é também referenciado por Jesper. A cidade, com apenas 40 mil habitantes, é conhecida como o “Vale da Eletrônica”, apresentando grande concentração de empresas do setor. São cerca de 150 empresas de tecnologia, que somam em torno de R$ 3,2 bilhões de faturamento por ano. “O que surgiu primeiro foi a escola (escola técnica de eletrônica, inaugurada no final da década de 1950, a primeira da América Latina e, em 1970, a FAI – Centro de Ensino Superior em Gestão, Tecnologia e Educação). A escola traz gente, traz ideias, e, portanto, talento. Aí acabam entrando empresas maiores, que trazem capital. Lá é claramente um polo de inovação como comentei antes, que tem um tema, que é o da Inatel (Instituto Nacional de Telecomunicações), mas que acaba tendo ramificações”, explica Jesper.
Como desenvolver um distrito de inovação?
Na resposta a essa questão, Jorge Pacheco, foi categórico: “é fundamental criar as condições adequadas para estimular o empreendedorismo e o desenvolvimento econômico local”. E isso, segundo ele, passa pela gestão da comunidade e pela organização dos interesses dos diversos agentes envolvidos.
“Para atrair empresas, é importante que haja mão de obra qualificada e boas condições para as pessoas viverem na cidade. É importante que o ambiente demonstre capacidade de atrair e formar novos talentos”, enfatiza. Além disso, é fundamental haver estímulos para as empresas não apenas se estabelecerem, mas também para investirem em pesquisa e desenvolvimento. “Para atrair pessoas, é importante que o ambiente seja acolhedor, ofereça boa qualidade de vida e oportunidades para o seu desenvolvimento econômico, seja através de um emprego ou do empreendedorismo”, complementa o CEO da State.
O “talento” é o principal elemento para a criação de um distrito de inovação, na opinião de Jesper. “Nada adianta se não existirem pessoas inspiradas e com competência e talento. Tem que ter escolas, assim como empresas de porte para ajudar a formar esse talento”, frisa. A empresa de porte, segundo ele, pode servir de escola prática para as pessoas e podem servir de parceiro de peso para iniciativas que são estabelecidas nessa área. “Tem de haver recursos – além de recursos humanos, deve haver recursos financeiros, ou seja, capital disponível para investir”, acrescenta. Outro “pré-requisito”, lembra Jesper, é a existência de mercado, ou seja, demanda. “Esses componentes precisam estar presentes para que esse distrito ou área possa acontecer”, enfatiza.
Desafios para a expansão
Considerando os ingredientes indispensáveis para a implementação de distritos de inovação nas cidades brasileiras, alguns desafios precisam ser superados para que essa receita gere os resultados esperados. “A inovação deve ser encarada como uma política de Estado”, alerta Jorge Pacheco. Ele avalia que o país deveria dar maior importância à educação e à formação de talentos aliada a maiores estímulos ao empreendedorismo e à atração de investimentos para o desenvolvimento de pesquisa e inovação. “Se isto fosse prioridade e parte de uma política de Estado – não importa o partido – como um “masterplan” para o país, sem dúvidas haveria muito mais estímulos para a criação e desenvolvimento de distritos de inovação pelo país”, assegura.
Nesse sentido, ele cita o exemplo da China, que tem a inovação como política de Estado e destina investimentos constantes para as áreas de pesquisa e desenvolvimento. “Não é a toa que sua economia cresce tanto e continuamente há algumas décadas e que vem assumindo a liderança nos campos da inteligência artificial, de energias renováveis, da automação industrial, da computação quântica, entre outros”, salienta.
Assim como aponta o “talento” como o principal ingrediente dessa receita, Jesper também o reconhece como o maior desafio, por ser o “recurso mais escasso no Brasil”. “Acho que até há pessoas com talento, mas é preciso investir mais em educação, para amadurecer e promover esse talento”, justifica. Ele acredita que pode haver uma maneira de “cortar esse caminho” e depender menos da falta de investimento público na área de educação no Brasil. “Esse conhecimento é cada vez mais acessível através da internet. As pessoas dependem menos de educação formalizada e isso vem junto com outra corrente, a de que as empresas estão condicionando menos a contratação de pessoas a diplomas formais, como Google e Facebook, que relaxam muito as suas demandas em relação a diplomas convencionais”, exemplifica. Jesper acredita também no investimento da iniciativa privada na formação do talento brasileiro para trabalharem em empresas de tecnologia e em ambientes de inovação. “A formação de pessoas é que mais falta aqui, e isso é o mais importante”, reforça.
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