Levittown

As Levittowns fora as precursoras dos subúrbios americanos e um ponto de inflexão do desenvolvimento urbano e imobiliário daquele País.

Casas similares dispostas ao longo de uma rua tranquila e separadas por jardins bem-cuidados. A imagem e o conceito de uma comunidade planejada e segura erguida próxima a grandes centros urbanos foram disseminados pelo mundo por livros, filmes e séries, que retrataram os subúrbios norte-americanos com seus acertos, erros e contradições. Apesar de não ser uma novidade, esse tipo de bairro ganhou uma dimensão diferente a partir de 1947, quando William Levitt viu a oportunidade da empresa da família – a Levitt & Sons, fundada em 1929 por seu pai, Abraham, e seu irmão, Alfred – construir moradias para atender à demanda dos milhões de soldados que retornavam ao país após o fim da Segunda Guerra Mundial com o desejo de comprar uma residência para suas famílias.

Foi nesse cenário que os Levitt adquiriram o terreno de uma antiga fazenda de cebolas de cerca de 1 mil acres em Long Island (Nova York), a aproximadamente 40 quilômetros de Manhattan (Nova York), e deram início ao seu projeto de edificar 17 mil habitações, como detalha matéria da revista Entrepreneur. Para isso, a companhia adaptou o modelo criado por Henry Ford para montar seus automóveis, com a divisão dos processos construtivos em 27 etapas distintas. Cada uma das tarefas contava com um grupo de trabalhadores que iam de obra em obra repetindo suas atividades.

Com as moradias instaladas a 18 metros uma das outras, os caminhões chegavam com os materiais e as peças e, na sequência, vinham os carpinteiros, os responsáveis pelos ladrilhos, os pintores e os funcionários que cuidavam dos telhados, um de cada vez, como relata a Entrepreneur. No auge da operação, eram finalizadas até 36 habitações por dia. Naquela época, William descreveu a companhia dos Levitt como a “General Motors do setor imobiliário”, conforme texto do The Guardian. As residências pré-fabricadas com dois quartos, que tinham lareira, equipamentos de cozinha modernos, televisores e máquinas de lavar, foram vendidas, em um primeiro momento, por 7,9 mil dólares com 5% de entrada – a taxa não era cobrada para veteranos de guerra. A matéria do jornal britânico acrescenta que Willian denominou o seu produto como a “melhor casa dos Estados Unidos”.

Para poder vender seu subúrbio, ao qual deu o nome de Levittown e que foi concluído em 1951, a família reduziu os custos de matérias-primas, como a madeira, comprando florestas e abrindo uma serraria no Oregon. E também dos eletrodomésticos, negociando diretamente com os fabricantes, segundo a Entrepreneur. Em 1949, a Levitt & Sons edificou 4,6 mil moradias, que foram comercializadas por mais de 42 milhões de dólares, modificando o setor e levando outros empreendedores a transformarem campos de milho em comunidades como a Levittown, impulsionando a “suburbanização” dos Estados Unidos, como definiu a revista. Em seu site, o jornal Newsday apontou que o preço médio, atualmente, de uma residência Levitt em Long Island é de 400 mil dólares, de acordo com levantamento do Multiple Listing Service, site que reúne anúncios de imóveis no país.

 

Uma trajetória ligada à construção de unidades familiares

A história da família com o setor começa antes dos subúrbios. Nos anos anteriores à Segunda Guerra Mundial, Abraham e Alfred Levitt eram especialistas em casas para a classe média de Long Island, salienta a matéria do The Guardian. William entrou no negócio mais tarde, depois de vender rapidamente uma habitação projetada e edificada pelo pai e pelo irmão em um terreno seu, como conta a reportagem da Entrepreneur. Assim nascia a Levitt & Sons, com Abraham responsável pelo paisagismo e planejamento comunitário, Alfred pelo desenho das moradias e William pela administração e comercialização. Na década de 1930, a família construiu cerca de 2,5 mil residências. Durante a guerra, William serviu no Pacífico, em uma unidade da Marinha até retornar e iniciar a sua Levittown.

Além do projeto arquitetônico das casas, os Levitt idealizaram para o subúrbio ruas comunitárias de “padrões curvilíneos para oferecer uma textura graciosa e não urbana”, como aponta a escritora e historiadora Crystal Galyean em seu artigo no site US History Scene. Ela assinala ainda que as moradias eram simples, despretensiosas e acessíveis para trabalhadores e operários. Para manter a visão de seu criador, Crystal reforça que havia regras rígidas sobre como manter as unidades e os quintais e que proibiam, por exemplo, que os moradores pendurassem roupas para secar fora de suas habitações. A matéria do The Guardian complementa que os proprietários não podiam cercar os próprios gramados.

A atração desses locais sobre as pessoas nos anos de 1940 e 1950, argumenta Crystal, estava relacionada ao “apelo de viver longe do barulho, poluição, superlotação e doenças da cidade, embora ainda estivessem perto o suficiente para desfrutar dos benefícios de sua vitalidade industrial e cultural”. A expansão dos meios de transporte público nos Estados Unidos, como trens, auxiliou nesse movimento de saída dos centros urbanos. Para a historiadora, os subúrbios se tornaram um ícone da vida norte-americana por transmitirem aos seus moradores a estabilidade e segurança que buscavam após as incertezas experimentadas com as guerras mundiais e com a guerra fria que ganhava força. A publicidade da época, frisa ela, ajudou a promover essa ideia, com anúncios que focavam nas áreas verdes e na sensação de paz que as pessoas encontrariam nessas comunidades.

Também chamada de cidade-dormitório, pois era um lugar que não contava com opções de trabalho e de lazer, somente residências, a Levittown tinha, em 1950, cerca de 80% dos seus residentes homens trabalhando em Manhattan e que precisavam pegar seus carros ou trens diariamente para chegarem aos seus escritórios, como pontua o The Guardian. Panorama esse que serviu de pano de fundo para muitas histórias, como a do livro e filme “Foi Apenas Um Sonho” (Revolutionary Road, de Richard Yates), que narrou a padronização dessas localidades e a “ânsia geral de conformidade daquele período e um apego cego e desesperado à proteção e segurança a qualquer preço”, como ressaltou o jornal britânico.

Com críticos e defensores ferrenhos, Levittown teve sucesso e seu modelo foi replicado em Nova Jersey, Pensilvânia, Nova York, Flórida e em Porto Rico, recorda a revista Entrepreneur. A publicação informa também que, em 1968, com mais de 140 mil casas edificadas, William vendeu a Levitt & Sons para a Internacional Telephone and Telegraph por 92 milhões de dólares. Após tentativas de retorno ao segmento que não deram certo, nos anos 1970, e uma acusação, em 1981, de desvio de recursos da Fundação Levitt, organização de caridade fundada por sua família, William teve que devolver 5 milhões de dólares à entidade, conforme a matéria. Depois do episódio, o empresário se aposentou e faleceu em 1994, com 86 anos.

Transformação habitacional que passou longe da diversidade

Ainda com alguns moradores que são filhos dos proprietários originais das casas de Levittown de Long Island, o bairro mantém suas nove piscinas comunitárias, playgrounds e áreas para esportes, como apresenta a reportagem do The New York Times. O texto revela também que o voluntariado continua forte entre os residentes, assim como a unidade dos Veteranos de Guerras Estrangeiras (VEW) permanece ativa. No entanto, diz a matéria, esse apego à região tem um preço alto. “Levittown, que carece de uma base comercial ou de manufatura, tem impostos sobre as casas dolorosamente altos”, enfatiza.

Apesar de atualmente ser mais diversificada – de acordo com o censo de 2017 divulgado pelo The New York Times, dos cerca de 52 mil habitantes locais, 14,6% deles são hispânicos ou latinos, 7,3% asiáticos e 1,4% negros ou afro-americanos –, a comunidade foi 100% branca por muitos anos depois da sua criação. Segundo a Entrepreneur, William Levitt se recusou a vender moradias para afro-americanos no início do negócio e se ofereceu para construir empreendimentos separados. A reportagem afirma que, na visão de William, a integração racial “o faria perder de 90% a 95% de seus clientes brancos”. O jornal Newsday acrescenta que uma cláusula do pacto municipal de Levittown impedia os “inquilinos de permitir que qualquer pessoa, exceto os caucasianos, usasse ou ocupasse uma residência Levitt”.

Esse artigo, detalha a matéria, foi retirado do pacto de Levittown em 1948, quando a “Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu que os acordos racialmente restritivos violavam a 14ª Emenda – que declara que todos cidadãos norte-americanos têm direitos iguais”. A historiadora Crystal Galyean comenta que, em 1962, o presidente John F. Kennedy “emitiu uma ordem executiva proibindo a discriminação racial em todos os conjuntos habitacionais construídos ou comprados com a ajuda governamental”. As medidas levaram tempo para surtir efeito, como analisa Crystal. Apesar das críticas aos subúrbios, as matérias destacam a transformação no setor imobiliário norte-americano desencadeada pela Levitt & Sons e, mais especificamente, por William, com os seus subúrbios.

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