masterplan

O masterplan é fundamental no desenvolvimento de projetos de desenvolvimento urbano. Descubra os conceitos e técnicas utilizados por alguns dos principais urbanistas do Brasil.

Tipologia das edificações, definição de fluxos e de usos, organização espacial, equipamentos disponíveis são apenas algumas das diretrizes especificadas no masterplan de um empreendimento que está para nascer. Essa ferramenta de planejamento envolve uma infinidade de outros aspectos que vão muito além das características gerais do projeto e que devem ser assimilados antes que se trace qualquer linha no projeto, pois disso depende a efetividade da comunidade idealizada. O Movimento Somos Cidade consultou arquitetos e urbanistas experientes em planejamento urbano para identificar quais são esses aspectos, o que deve ser priorizado no desenvolvimento de um masterplan de um bairro planejado, quais desafios eles costumam enfrentar e o que, de fato, contribui para o sucesso de um empreendimento.

O ponto de partida no desenvolvimento de um masterplan é a análise urbanística de contextualização da área a ser estudada com o seu entorno, como sua localização, condições de acessibilidade, proximidade com a malha urbana do município e com equipamentos de infraestrutura e transporte relevantes e, também, das características físicas de topografia e condicionantes ambientais, como explica a arquiteta e urbanista Viviane Levy Tredler, que comanda escritório próprio com sede em São Paulo (SP). “Somando-se a essas informações, é fundamental entender a inserção legal da propriedade no Plano Diretor do município onde se encontra, se é uma área urbana, de expansão urbana ou rural e quais os parâmetros urbanísticos legais que nela incidem”, detalha. A sobreposição de todas essas informações, destaca ela, aliadas ao que se pretende comercialmente em termos de ocupação, definirá a estratégia de desenvolvimento do projeto.

A pesquisa de vocação imobiliária também tem um papel determinante para a definição do perfil de produto. “Especialmente em comunidades planejadas, onde há uma diversidade de usos que se complementam com potencial de forte sinergia econômica ao longo do tempo, além de sinalizar possíveis demandas no município que podem ser absorvidas no futuro projeto”, acrescenta Viviane, pós-graduada em Desenvolvimento Imobiliário e em Planejamento e Gestão de Cidades. Segundo ela, há de se considerar aspectos culturais, mercadológicos ou socioeconômicos, como estratégias com comunidades no entorno, âncoras específicas, padrão do empreendimento, entre outras.

Essa pesquisa de mercado deve ser detalhada, para compreender as dinâmicas de crescimento da cidade, capaz de projetar as demandas imobiliárias de curto, médio e longo prazos, como destaca o arquiteto e urbanista Ivo Szterling, sócio-diretor da Vitae Urbanismo, empresa paulista focada no desenvolvimento de empreendimentos próprios e na prestação de serviços na área de desenvolvimento urbano. “É importante ter clareza de quais produtos deverão ter maior liquidez, quais produtos terão absorção mais lenta e dependerão da ocupação e maturação do bairro e o que poderá ocorrer com os seus preços de venda no tempo. São variáveis super importantes para os estudos de viabilidade econômica e para definir a estratégia de faseamento na implantação do projeto”, enfatiza.

Além de conhecer o território, a topografia, entender a cidade, estudar a legislação local específica e compreender o mercado, Ivo Szterling alerta que é imprescindível, também, vivenciar o lugar e tentar conhecer pessoalmente a cultura local. “Interagir com formadores de opinião locais para identificar quais são as aspirações e sonhos daquela cidade que um projeto novo poderia atender e quais diferenciais poderiam surpreender positivamente aquela comunidade”, ensina Ivo, com base na sua experiência de duas décadas no setor e na análise de dezenas áreas com essa vocação pelo país, tanto no período que esteve à frente do planejamento de bairros planejados da Cipasa como atualmente, com cinco novos projetos desse tipo sendo desenvolvidos pela Vitae Urbanismo. Segundo ele, somente com essa cesta de informações bem-estruturada começa-se o desenho.

Os interesses e necessidades do público-alvo devem ser priorizados. “Entendo que o ponto de partida deva ser sempre o desejo de quem vai vivenciar este novo projeto. É fundamental saber quem são essas pessoas, o que elas valorizam no seu dia a dia, e qual a sua visão de mundo. O desenvolvimento de um projeto urbanístico passa por questões muito práticas de organização do cotidiano, mas também por um certo ideal de viver bem que varia conforme o grupo social para o qual se trabalha, e que muda no decorrer do tempo”, considera o arquiteto e urbanista Hélio Mítica Neto, Doutor em Urbanismo pela Universidade de São Paulo (USP), sócio-fundador da AREAURBANISMO, com sede na capital paulista. Para ele, na era das mídias sociais, o desejo das pessoas passa pela própria maneira como elas gostariam de ser representadas pelo lugar onde elas moram ou circulam. “Só é possível criar um projeto de sucesso partindo desse entendimento”, sentencia.

Relação entre o público e o privado

“Tudo diz respeito a pôr as pessoas em primeiro lugar”, sintetiza a arquiteta Viviane Levy Tredler, referindo-se ao conceito principal de um bairro planejado. “Parto do princípio de que uma comunidade deve ser saudável e isso significa estimular a mobilidade ativa, o caminhar e o pedalar, através de conexões acessíveis entre seus diversos usos”, explica. Ao imaginar as pessoas caminhando, de acordo com ela, compreende-se a necessidade de planejar quadras curtas, passeios largos, espaço para paisagismo e mobiliário urbano bem distribuídos, praças na “escala humana”, proximidade com vias de transporte público quando possível, conexões cicloviária –  não apenas internamente, mas com possibilidade de ligação a uma rede externa. “Uma série de conceitos que não dependem do padrão do empreendimento para priorizar as pessoas”, pontua.

A experiência de caminhar deve ser um prazer e o espaço público deve promover encontros, como reforça o arquiteto Ivo Szterling. “De forma bem sucinta, o projeto deve conceber a ideia de uma cidade para pessoas em primeiro lugar, onde o espaço público seja atraente, confortável, seguro e estimulante aos pedestres, para que a vida floresça na rua, nos encontros casuais. Essa é a essência”, argumenta, referenciando movimentos como Novo Urbanismo, Cidades Sustentáveis, Cidades Inteligentes e trabalhos desenvolvidos por urbanistas como o dinamarquês Jan Gehl, autor do livro Cidades para Pessoas. Nesse sentido, Hélio Mítica Neto prioriza sempre, em seus projetos, equipamentos como a praça de boas-vindas, o espaço cívico, a praça de vizinhança, o parque, assim como outros elementos que marcam e dão destaque a um espaço público convidativo, acolhedor, seguro e que proporciona a descoberta e o convívio. “São esses elementos que nos propiciam gerar a riqueza de usos e situações que queremos imprimir ao espaço urbano. Todo bom projeto precisa de uma história para contar, e esses elementos nos permitem criar essa história”, justifica.

A valorização dos atrativos naturais do local é outro aspecto fundamental para a criação de um lugar aprazível, seja uma mata, um lago, um parque ou uma praça. “Entendemos que quanto mais pessoas têm acesso e podem usufruir desses ativos, mais valor agregamos para o projeto como um todo”, pondera Hélio. Daí a importância de se planejar bairros abertos, com boa estrutura de fruição e integrados à circulação urbana no entorno, como defende o arquiteto Ivo. “Sempre que possível, deve haver um equilíbrio entre ocupações de uso misto e sua integração com áreas naturais preservadas. Acredito que a proximidade com a natureza proporciona um conforto psicológico extremamente valioso e importante para o dia a dia na cidade, em especial quando o adensamento é preponderante”, reforça Ivo Szterling. Esse também é o entendimento da arquiteta Viviane, que trata as áreas de preservação como um ativo do empreendimento e cita a existência de diversas pesquisas com dados claros de como o planejamento urbano impacta na saúde de seus usuários e como isso reflete diretamente na vitalidade econômica de uma comunidade. “Junto a isso, o bem-estar é relacionado ao senso de pertencimento, à vida em comunidade que se fortalece a partir desses diversos estímulos, os quais necessitam de espaços físicos apropriados para acontecerem”, acrescenta Viviane.

Desafios técnicos e estruturais

Considerando as diversas camadas que envolvem o desenvolvimento de um bairro, Ivo Szterling acredita que cabe ao urbanista liderar o time de projetistas, “para dar sentido ao conjunto, integrando essas diversas camadas que irão se somar e formar o todo”. Para Hélio, é fundamental que o urbanista tenha uma formação multidisciplinar e que possa discutir sobre as mais variadas soluções técnicas e orçamentárias, a fim de que a visão urbanística que deu origem ao projeto nunca seja deixada de lado.  “A disciplina urbanismo surgiu como uma ramificação da engenharia para tratar de questões sanitárias; então, é natural que até hoje questões como fluxo, seja de pessoas, veículos, água e efluentes, sejam determinantes nos projetos. O grande desafio é como lidar com essas questões, que carregam consigo grandes restrições técnicas e orçamentárias, sem deixar de lado o aspecto humano, a criatividade e a representatividade que o bom urbanismo deve ter”, reflete. Ele avalia que o grande desafio é justamente desenvolver um projeto que seja viável do ponto de vista técnico/econômico e que agregue essas qualidades.

As variações sazonais do mercado no país, com forte oscilação entre períodos de expansão e de retração, representa um importante desafio a ser enfrentado. “O esforço e investimentos em infraestrutura e placemaking é sempre grande e o modelo de negócios fatalmente deve estar preparado para resistir às intempéries de mercado”, diz Ivo Szterling. Entretanto, o maior desafio apontado de forma unânime pelos profissionais é a questão legal. “Criamos, no Brasil, nas últimas décadas, um arcabouço de leis e normas que nos dificulta muito, por exemplo, ampliar o leque de soluções de traçados e larguras de ruas, tamanhos e formatos de lotes, declividades de terrenos, entre tantos outros itens. Mais recentemente, temos caminhado na mesma direção em relação ao sistema de espaços livres. A legislação privilegia o projeto correto, porém medíocre, em detrimento de soluções mais sofisticadas em termos de desenho urbano”, considera Hélio Mítica Neto.

Os aspectos ligados à legislação sempre apresentam entraves que dificultam dar um passo mais ousado e atual no que se refere às novas comunidades, na opinião da arquiteta Viviane Levy Tredler. “Seja relacionado às políticas ambientais em áreas urbanas, aos parâmetros urbanísticos engessados, ou à impossibilidade de gestão da infraestrutura urbana, como abastecimento de água, coleta de esgoto etc.”, afirma. Ela acredita que movimentos relacionados ao placemaking e urbanismo tático se fortaleceram para trazer soluções rápidas, de baixo custo e alto impacto para o bem-estar das pessoas. “Sem depender da morosidade e burocracia que cercam aprovações e mudanças no espaço urbano já consolidado, e muitas vezes inadequado frente a tantas mudanças neste olhar mais voltado ao conforto e segurança das pessoas”, acrescenta.

Ivo Szterling avalia que as prefeituras, em geral, nem sempre têm uma cultura urbanística atualizada e, muitas vezes, ficam presas a uma legislação rígida e superada, da época em que o desenho do sistema viário priorizava os carros. “Para esse tipo de projeto (bairros planejados), deveria haver uma flexibilidade bem maior de desenho para as ruas e espaços públicos. O bom desenho é completamente diferente quando a prioridade é do pedestre”, argumenta. Ele enfatiza que o bairro planejado é o produto imobiliário que cruza, com maior intensidade, o público com o privado. “E é exatamente essa característica que torna esse tipo de negócio tão complexo e exija um perfil de empreendedor tão específico”, frisa.

O papel do empreendedor

Ao idealizar um bairro planejado, o empreendedor deve ter consciência de que se trata de um projeto complexo e de longo prazo, que exigirá a sua liderança e envolvimento direto em muitas questões. “O empreendedor deve ser o maestro de uma grande orquestra, dando o norte e o sentido no processo de criação na fase de desenvolvimento do projeto”, compara o arquiteto Ivo Szterling. Essa grande orquestra é a equipe multidisciplinar que precisa ser formada, envolvendo profissionais de criação e, também, das áreas comercial e de marketing. “É fundamental ter a capacidade de formar um bom time, que esteja alinhado em torno de um mesmo propósito”, reforça o arquiteto Hélio Mítica Neto. Ele acrescenta a importância de ter um profundo conhecimento do mercado em que se atua, e, ao mesmo tempo, acompanhar de perto as transformações que acontecem na sociedade como um todo.

Essa “imprevisibilidade no caminho” faz parte da dinâmica desse processo, que precisa ser bem compreendida pelo empreendedor, como ressalta a arquiteta Viviane, assim como o papel dos diferentes profissionais envolvidos e os momentos de atuação de cada um. “Ele deve estar aberto para um processo colaborativo, sempre balizando o conceito e os valores que norteiam o projeto com a viabilidade econômico-financeira de modo que o ‘sonho fique de pé’”, justifica. Para tanto, acrescenta, ele precisa ter clareza da sua meta no empreendimento para obter foco e agilidade na tomada de decisões. “Saber tirar uma visão do papel é algo que requer um conhecimento multidisciplinar e a capacidade de criar objetivos em comum”, reconhece Hélio Mítica Neto. Para ele, o bom empreendedor é aquele que sabe identificar no seu cliente quais são as suas expectativas e que vai trabalhar para concretizar essa nova realidade.

Com 15 anos de experiência neste mercado, Hélio percebe, na prática, o crescente interesse dos empreendedores pela criação de comunidades planejadas. “Hoje eles chegam Na AREAURBANISMO já com um repertório de soluções e com um desejo muito mais apurado sobre aquilo que querem desenvolver. O mercado imobiliário como um todo têm se sofisticado e entendido que cada vez mais o sucesso dos empreendimentos passa pela criação de lugares especiais. O convívio, o pertencimento, a representatividade, hoje são aspectos tão ou mais importantes que o produto imobiliário em si” considera. Dentre os projetos desenvolvidos, Hélio orgulha-se da participação no planejamento do Parque Una Pelotas, da Idealiza Urbanismo. “É hoje a nossa grande realização. Desenvolvemos, ao longo desse projeto, um know-how que nos possibilita implantar novos bairros para incorporação de edifícios em todo o país”, afirma. Ele conta que, atualmente, estão sendo desenvolvidos Parque Una também em Uberlândia (MG), Aracaju (SE) e em São José dos Campos (SP), além de projetos para bairros verticais em Ilhéus (BA), Brasília (DF), Rio Verde (GO) e nas cidades paulistas de Bauru, Campinas e Ribeirão Preto.

Mercado em expansão

A demanda pela criação de centralidades nas cidades, na opinião da arquiteta Viviane Levy Tredler, está relacionada à necessidade cada vez maior de otimizar a mobilidade e a infraestrutura urbana, de ganho de tempo, de se sentir parte de um ambiente com identidade própria que estimula a convivência e o bem-estar de forma segura, próxima à natureza, entre outros fatores. “Como urbanista, sempre busco ter uma visão holística do potencial que uma área tem frente às demandas da região onde se insere, atendendo ao mercado e criando sinergias, conciliando a oportunidade de pôr em prática o que acredito como diferencial com a possibilidade de uma receita perene de longo prazo ao desenvolvedor”, afirma Viviane, que contabiliza 15 anos de atuação nesse mercado e dezenas de loteamentos já planejados. Entre os trabalhos, ela cita o gerenciamento do projeto Reserva Camassarys, desenvolvido pela Iron House Real Estate com masterplan da Def Projetos em Camaçari (BA), no qual deve atuação direta junto ao poder público municipal para a transformação da via expressa que cortava o bairro em uma via com recursos de traffic calming, conforto e segurança para pedestres e não convidativa para transportes de grande porte. Outra iniciativa foi a criação de um modelo de desmembramento de lotes mais lineares de comércio e serviços ao longo da via principal para garantir o conceito de fachadas ativas para desenvolvimento futuro.

Viviane reforça que a atuação em projetos de grande porte requer uma visão estratégica que vai muito além “de um desenho bonito”. “E sem a pretensão de único autor, já que sua realização só é possível através dessa colaboração multidisciplinar convergindo para um objetivo comum”, enfatiza a arquiteta. Para ela, projetos dessa complexidade são feitos “a 10 mãos” e abrangem diferentes especialistas que devem atuar em conjunto desde o início do processo, buscando dimensionamentos e soluções que atendam aos diversos aspectos e evitando o enfrentamento de problemas pós-aprovações. “De qualquer forma, a comunidade, como um organismo vivo, passará por adequações futuras naturais de um ambiente urbano projetado para atender os anseios de seus usuários. O masterplan é apenas o primeiro passo desse extenso e necessário processo colaborativo para se viabilizar”, pontua Viviane.

O crescimento do setor está relacionado à intensificação das discussões sobre soluções para a melhoria da qualidade de vida nas cidades nos últimos anos, na opinião de Ivo Szterling. “Talvez a partir do Estatuto das Cidades, seguido dos Planos Diretores, que passaram a ser regulares e obrigatórios para as cidades médias e grandes, esse debate começou ase difundir”, avalia. O envolvimento das universidades, dos veículos de imprensa e dos setores produtivos ligados à indústria da construção também colaborou para a ampliação das discussões em torno do tema. Para ele, esse é um segmento que pode vir a crescer muito mais a partir do conhecimento do mercado sobre a forma de fazer bairros-cidades pela iniciativa privada. Contudo, considera que há uma importante lacuna na implantação de bairros planejados para o segmento médio e econômico. “Acredito que possamos desempenhar um papel importante criando boas soluções de habitação em massa do Minha Casa Minha Vida, por exemplo. Todavia, são ainda poucos os empreendedores urbanos focados nesse modelo, dada a sua complexidade, risco e timing de desenvolvimento” lamenta. Por outro lado, mantém-se otimista. “Quem sabe o próprio mercado possa vir a ser um indutor de crescimento desse segmento se os bons exemplos que estão sendo implantados ou projetados resultarem em novas demandas que gerarão mais oportunidades”, afirma, esperançoso.

Por seu lado, a adoção de certas visões de cidade dentro do planejamento urbano impactam o custo da moradia. Impacto pouco sentido quando se trata de imóveis para a alta renda, mas determinante para a maioria da população.

Enfim, claro, as questões apontadas nesta coluna não afastam a necessidade de manter os incentivos ao adensamento do entorno de estações de metrô existentes em regiões distantes dos polos de emprego e serviços, tampouco resume a acessibilidade à moradia ao fator da densidade ou zoneamento. O erro consiste em dar tratamento igual para localidades tão distintas.”

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