Uma das estratégias apontadas por cientistas e planejadores urbanos para reverter as atuais crises climática e habitacional ainda recebe muita resistência para a sua adoção: a construção de mais unidades nas áreas centrais dos municípios. Adensar as cidades seria uma das soluções mais significativas para diminuir as emissões de gases de efeito estufa, como destaca recente matéria do The Guardian. Essa mudança pode funcionar tão bem, ou melhor, que a “instalação de painéis solares em todas as novas edificações ou a reforma de prédios antigos com tecnologias de economia de energia”, afirmam especialistas consultados pela reportagem.
Estudos indicam também que moradores de lugares como São Francisco, Chicago, Nova York e Minneapolis (EUA) já possuem uma pegada de carbono mais baixa do que os residentes das regiões suburbanas que ficam no entorno dessas localidades. Um dos motivos para essa diferença está no fato de os habitantes dos centros urbanos viverem em apartamentos menores que as casas unifamiliares dos subúrbios e, consequentemente, demandarem menos energia para aquecer e resfriar os ambientes internos, por exemplo.
Mas é a redução do uso de carros para os deslocamentos que representa o maior impacto nessa equação. Ao contar com opções de imóveis próximos a empregos, serviços, transporte público e lazer, as pessoas podem fazer seus trajetos sem depender de automóveis, diminuindo as emissões de gases poluentes. Um levantamento feito nos Estados Unidos sugeriu que dobrar a densidade urbana baixa as emissões de dióxido de carbono em 48% nas viagens domésticas (das moradias para os empregos, por exemplo) e em 35% na utilização de energia nas residências, como detalha o crítico de arquitetura do jornal canadense The Globe and Mail, Alex Bozikovic.
Em seu artigo, Bozikovic assinala que, ao invés de tornar os municípios mais densos, o Canadá está seguindo o caminho oposto, com a maioria dos seus habitantes indo para os subúrbios voltados para os carros. “E as cidades de aumento populacional mais rápido do país – Toronto, Calgary e Vancouver – continuam a construir mais nessas áreas do que perto de seus centros urbanos”, reforçou. O Plano de Crescimento provincial de Ontário está mandando 80% dos novos residentes e trabalhos de Toronto para os bairros suburbanos que não oferecem alternativas de mobilidade que não seja a do uso de veículos próprios, conforme explica o gerente do programa ambiental de Ontário da organização Environmental Defense, Phil Pothen, entrevistado pelo autor do texto.
Pothen enfatiza que a procura por moradias em locais onde se pode caminhar, pedalar ou acessar o transporte público é maior do que a planejada. Dado esse que foi apurado a partir de pesquisas e dos preços altos das unidades existentes. “E, no entanto, a grande maioria das pessoas acaba se estabelecendo em áreas nas quais simplesmente não consegue viver sem um automóvel”, analisa. Residentes de bairros caminháveis dirigem 25% a menos que aqueles que estão em regiões mais afastadas, contribuindo de forma relevante para diminuir os efeitos nocivos ao meio ambiente, acrescenta a matéria do The Guardian.
O especialista em políticas climáticas da Universidade da Califórnia em Berkeley, Christopher Jones, disse à reportagem do jornal britânico que a maior parte dos subúrbios norte-americanos está “além da esperança” para o transporte público e que o foco para adensar as cidades deve ser uma “tática intermediária”. Ele sugere dividir lotes unifamiliares que ficam próximos aos centros dos municípios para acomodar habitações adicionais e distribuir os empregos e serviços de maneira mais uniforme pelas diferentes regiões das localidades. Jones defende também a criação de diversas centralidades para resolver a questão dos deslocamentos. “Ter todos entrando em um único hub não é eficiente. É preciso muitos centros bem conectados entre eles”, argumenta.
Restrições de zoneamento e ações de Nimbys dificultam a construção de mais moradias
As ondas de calor sem precedentes, as secas e os incêndios florestais de grandes proporções registrados nos Estados Unidos têm dado mais visibilidade e urgência ao tema da redução das emissões dos gases de efeito estufa e do adensamento das cidades, como ressalta a matéria do The Guardian. Com isso, os esforços para edificar mais imóveis, aumentar o acesso ao transporte público e reformar as leis de uso do solo ganharam um novo impulso. As restrições de zoneamento são apontadas pelo jornal como uma das principais barreiras a essa mudança, assim como a mobilização de Nimbys (do inglês, Não no Meu Jardim) contra empreendimentos de maior porte em regiões com melhor infraestrutura.
Nesse sentido, a reportagem exemplifica com o caso ocorrido há pouco tempo no distrito de Sunset, em São Francisco (Califórnia), no qual a edificação de um prédio de sete andares com valores acessíveis provocou grande repercussão e oposição de integrantes de um grupo Nimby. Apesar de ter sido aprovado, o projeto provocou manifestações mais contundentes, como a distribuição de panfletos anônimos na vizinhança declarando: “Sem favelas no Sunset”. A diretora-executiva do Yimby (do inglês, Sim no Meu Quintal) Action, associação que defende mais habitações no município californiano, salienta que estão acontecendo “batalhas semelhantes” em toda São Francisco e em outras cidades do país.
O crítico de arquitetura do The Globe and Mail, Alex Bozikovic, complementa que erguer mais residências nas cidades já existentes é “politicamente difícil”. Segundo ele, nos últimos 40 anos, os municípios norte-americanos se expandiram, especialmente, “para fora”, ou seja, para as áreas mais afastadas dos centros urbanos. “Ao mesmo tempo, a política de planejamento foi modificada para dar aos grupos locais uma capacidade muito forte de resistir às alterações”, afirma ele em seu artigo. Bozikovic avalia também que os Nimbys tornaram mais complicado desenvolver a forma ideal de arquitetura para uma cidade ser “amiga do clima” – com moradias de média densidade, que podem ser edificadas de “maneira mais eficiente e menos intensiva em carbono”.
Para ele, mudar essa situação passa por uma atuação do governo federal junto às prefeituras, que controlam de fato como será o uso do solo em seus territórios, para aliviar as pressões que elas sofrem dos movimentos de moradores locais. Bozikovic pondera que essa dinâmica (das atividades dos Nimbys sobre os executivos municipais) não será transformada rapidamente, mas ele acredita que as discussões sobre o clima podem auxiliar a modificar esse panorama. “Construir habitações urbanas é implacavelmente difícil. E, no entanto, é uma parte necessária de uma estratégia climática robusta”, destaca.
A queda do crescimento populacional nos núcleos urbanos nos últimos anos, ocasionada pela busca por residências mais baratas, é mais um fator citado pela matéria do The Guardian que dificulta adensar as cidades nos Estados Unidos. Contexto esse que foi acentuado pela pandemia, com um número maior de pessoas desejando espaços maiores para trabalhar em casa e contato com a natureza. Ao mesmo tempo, o fechamento de ruas para os veículos durante o período de restrições impostas pela Covid-19 revela o interesse dos pedestres por ambientes destinados para eles permanentemente.
A necessidade de encontrar soluções para as crises climática e habitacional levou o governo do presidente norte-americano Joe Biden a estabelecer em seu plano de infraestrutura um “investimento histórico” em moradias populares. Para isso, serão definidos incentivos para os municípios mudarem suas leis de zoneamento, possibilitando elevar a densidade e limitar os empreendimentos unifamiliares. O jornal relata ainda que a proposta abrange o apoio à destruição de rodovias que dividam comunidades.
Cidades e estados norte-americanos revisam zoneamento unifamiliar
Apesar das dificuldades enfrentadas, muitas regiões e municípios dos Estados Unidos já estão reavaliando as suas restrições de zoneamento, permitindo o adensamento de áreas que antes eram voltadas exclusivamente às casas unifamiliares. Em 75% dos terrenos residenciais de um elevado número de localidades norte-americanas é proibido construir qualquer imóvel que não seja do tipo unifamiliar independente, relata reportagem do New York Times.
Em 2018, Minneapolis (Minnesota) se transformou na primeira cidade dos EUA a encerrar o zoneamento unifamiliar. No ano seguinte, foi a vez do estado do Oregon fazer o mesmo, possibilitando a edificação de prédios de dois, três e quatro andares em lotes onde era proibido anteriormente. Os legisladores desses lugares declararam ao jornal que “um acerto de contas com o zoneamento unifamiliar é necessário em meio às crises crescentes de acessibilidade à moradia, desigualdade racial e mudança climática”.
Entrevistada pela reportagem, a professora da faculdade de Meio Ambiente e Design da Universidade da Geórgia, Sonia Hirt, assinala que, se esse movimento parece uma “modificação radical, também foi uma alteração radical um século atrás, quando os norte-americanos começaram a imaginar o zoneamento familiar possível, normal e desejável”. Conforme levantamento realizado pelo The Upshot (do New York Times) em parceria com o UrbanFootprint, “um software que mapeia e mede o impacto do desenvolvimento e das mudanças políticas nos municípios”, com apenas 5% dos maiores terrenos unifamiliares de Minneapolis possibilitando a construção de edifícios de três andares, seriam criadas em torno de 6,2 mil novas habitações. E isso sem perder espaço para o estilo de vida suburbano que está fortemente ligado à cultura do país.
Washington D.C. é mais uma localidade que está se remodelando para enfrentar os desafios da escassez de residências e das mudanças climáticas. De acordo com matéria do The Washington Post, o plano definido pela prefeita Muriel E. Bowser, e em análise pelo Conselho da capital dos Estados Unidos, irá transformar a cidade, nos próximos anos, em um lugar com menos pessoas usando automóveis para se deslocar, mais estacionamentos ocupados por mesas de cafés, restaurantes e bares ao ar livre e com a permissão para a edificação de mais moradias perto do transporte público.
O objetivo da prefeita é possibilitar que os desenvolvedores urbanos construam imóveis, incluindo unidades acessíveis, “especialmente nos bairros mais desejáveis e que historicamente têm sido amplamente restritos às casas unifamiliares”. Se aprovado, o projeto adensará os principais corredores de Washington D.C, como as avenidas Connecticut e Wisconsin no Distrito 3. O diretor de planejamento da capital, Andrew Trueblood, adiantou ao jornal que o plano dará à cidade a capacidade de aumentar o estoque de habitações em até 15%.
Entre as metas estipuladas no documento para reduzir as emissões de gases de efeito estufa estão a solicitação para que empreendedores imobiliários desenvolvam caminhos para pedestres ou ciclistas, conectando seus prédios às estações de metrô e a diminuição dos requisitos de estacionamento no zoneamento de novos edifícios. A proposta defende ainda a redução da oferta de vagas de garagem como uma forma de desencorajar a utilização de carros, conforme o The Washington Post. Além disso, a prefeita incluiu no plano seções para incentivar o uso “mais atrativo e habitável” do espaço público, incluindo o emprego das ruas para atividades comerciais e culturais.
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