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Foto: Tatiana Gappmayer | Cortesia para o Somos Cidade

A Holanda é um caso de sucesso quando se fala de prioridade para os ciclistas. Mas nem sempre foi assim. Conheça as estratégias holandeses para se tornar uma nação de ciclistas

Impossível pensar em uma localidade planejada para incentivar o uso de bicicletas e não lembrar imediatamente das ruas de Amsterdam. Com 767 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas instaladas, os moradores da capital da Holanda pedalam diariamente 2 milhões de quilômetros, deslocando-se entre suas casas e trabalho, escola ou faculdade e lazer. Em torno de 60% dos residentes com mais de 12 anos utilizam a bike todos os dias, informa o site oficial de turismo do município, o I Amsterdam. Porém, essa não é uma característica única da cidade, que possui aproximadamente 900 mil bicicletas, em todo o país há o estímulo para a adoção desse meio de transporte e uma constante preocupação em como aperfeiçoar a segurança e a infraestrutura oferecidas às pessoas.

Cerca de 30% de todas as viagens na Holanda são feitas com esses veículos de duas rodas e o governo da nação europeia acredita que existe potencial para elevar ainda mais esse índice. Para isso, está trabalhando junto às autoridades municipais e provinciais para fomentar a revisão e qualificação das ciclovias internas e criar mais autoestradas e boas rotas regionais para bikes – conectando não só bairros, mas também cidades. Outra medida colocada em prática foi a definição de um subsídio para os ciclistas que pedalam até o emprego: as empresas podem pagar até 0,19 euros por quilômetro percorrido para cada colaborador que priorizar o uso dessa forma de locomoção.

O objetivo é fazer com que mais 200 mil cidadãos deixem os carros e andem de bicicleta, aliviando os congestionamentos, reduzindo o impacto ambiental e trazendo benefícios para a saúde da população e para a mobilidade. A vantagem para os empregadores está em economizar com estacionamentos para automóveis e em contar com funcionários mais saudáveis e que tendem a faltar menos ao trabalho. Para convencer mais pessoas a pedalarem, o governo holandês afirma que também é necessário implementar vias confortáveis, que possibilitem aos ciclistas andarem lado a lado e conversando e que sejam acessíveis a todas as idades – “dos 8 aos 80 anos”, destaca reportagem da BBC.

Ciclovias com conexões e cruzamentos seguros e a prioridade dada às bikes no trânsito são outras ações que podem contribuir para aumentar o número de habitantes do país que utilizam esse tipo de transporte. Nesse sentido, a disponibilização de mais vagas de estacionamento para as bicicletas é reforçada pela matéria como outro fator essencial, assim como a educação – transformando o pedalar em algo rotineiro na vida dos cidadãos desde a infância. Aliada a essas iniciativas, há ainda a questão do seguro. Em caso de acidente entre ciclista e motorista, cabe a este último provar que não foi sua culpa. Isso dá um incentivo financeiro adicional para que o condutor tenha cuidado extra ao dirigir.

O gerente de Marketing e Comunicação da Embaixada Holandesa de Ciclismo, Chris Bruntlett assinala que é possível que outras cidades sigam o exemplo do país e tornem suas localidades mais voltadas para as bicicletas. “Não é necessário copiar (o que foi feito), é só se inspirar nas melhores práticas que adotamos”, salientou em entrevista à BBC. Bruntlett disse que a Holanda passou de uma nação dominada pelos carros para uma pensada para as bikes em questão de décadas. “Essa mudança é viável. É preciso só um compromisso de longo prazo para que isso aconteça”, argumentou.

Dos três lugares mais pedaláveis do mundo, dois estão em território holandês

A cada dois anos, o Copenhagenize Index divulga um estudo com os 20 municípios mais amigáveis para o uso da bicicleta. No último levantamento, realizado em 2019, Amsterdam e Utrecht, ambas na Holanda, aparecem em segundo e terceiro postos respectivamente, sendo superadas apenas por Copenhagen, na Dinamarca. Entre os motivos para o destaque holandês estão políticas públicas locais e nacionais que enxergam as bikes como alternativa para melhorar a qualidade de vida e facilitar a circulação das pessoas. Na capital do país, por exemplo, a expectativa é retirar mais de 11 mil vagas de estacionamento de automóveis do Centro da cidade até 2025 e substituí-las por espaços para bicicletas, árvores nas ruas e ambientes para caminhar mais agradáveis.

Uma série de atividades deve ser promovida pelo governo de Amsterdam nos próximos anos para aperfeiçoar a experiência de pedalar, como alargar as ciclovias existentes para 2,5 metros, elevando a sua capacidade, a construção de mais trechos de baixa velocidade e o redesenho dos cruzamentos mais importantes. Essas medidas integram os planos de Bicicleta de Longo Prazo e o de Mobilidade do município para 2030. Além do aprimoramento dos estacionamentos das bikes, deixando as calçadas livres, e do tráfego para esse modo de transporte, os programas preveem o estímulo ao ciclismo atencioso, criação de uma “Rede Verde”, com ciclovias novas e mais atraentes, melhoria da sinalização e informação e mais áreas residenciais conectadas.

Já em Utrecht, diariamente, cerca de 125 mil pessoas optam pela bicicleta para ir ao trabalho, universidade, lojas ou até o Centro da cidade de pouco mais de 330 mil habitantes, de acordo com dados da prefeitura. A perspectiva da localidade, que está instalando sinais de trânsito inteligente e vias rápidas exclusivas para as bikes, é dobrar a utilização desse transporte até 2030. Ainda conforme o governo municipal, as bicicletas são prioridade na política de mobilidade e vistas como instrumentos essenciais para o “crescimento de Utrecht e para torná-la mais acessível e economicamente forte”.

Apesar de Amsterdam ser mundialmente reconhecida pelo uso intenso de bikes, é Copenhagen que detém atualmente o título de região mais amigável para pedalar, segundo a pesquisa do Copenhagenize Index. Cerca de 50% das viagens dos residentes da cidade para o emprego ou escola são feitas de bicicleta e, diariamente, eles percorrem 1,44 milhão de quilômetros, identificou estudo da Embaixada Dinamarquesa de Ciclismo, uma das razões que explica o grande volume de pessoas pedalando em Copenhagen está relacionado ao design das ciclovias. Simples e fácil de ser utilizada, a infraestrutura de 400 quilômetros é dividida em quatro tipologias: as ruas com tráfego calmo, ciclovias pintadas, rotas verdes e vias separadas. “Elas levam você aonde precisa ir. Tudo sem a necessidade de um manual de usuário”, observa Thoem.

Ele detalha que nos bairros residenciais mais tranquilos, não há separação de espaço para carros e bicicletas. A segurança e convivência entre ambos ocorrem por meio da redução da velocidade para 30 quilômetros por hora, pela sinalização e, principalmente, pelo desenho das pistas, que são mais estreitas e contam com superfícies texturizadas para que os motoristas dirijam mais devagar. Nas áreas movimentadas, as ciclovias são afastadas por uma linha pintada no chão, garantindo lugar para as bikes. Já as separadas ficam distanciadas dos automóveis e dos pedestres a partir da instalação de um meio-fio simples. “Você notará ainda a simetria da rua, com uma ciclovia de mão única em cada lado da via”, descreve. As rotas verdes, por sua vez, passam por parques e ao longo de orlas, ferrovias e rodovias e são caminhos recreativos que “colaboram na construção da rede de ciclovias”.

Incentivo ao uso de bicicletas pode ajudar União Europeia a atingir metas climáticas

Ao alterar o foco do desenvolvimento das cidades dos carros para o ciclismo, a União Europeia conta com mais um elemento para alcançar o objetivo de diminuir em, pelo menos, 55% as emissões de gases de efeito estufa até 2030. O acordo climático, anunciado em abril deste ano, definiu ainda a previsão do bloco chegar à neutralidade de emissões até 2050, ressalta matéria do G1. A mudança de modal pode auxiliar os municípios a enfrentarem problemas como a poluição do ar e sonora, engarrafamentos e acidentes de trânsito, aponta o grupo que propõem diretrizes políticas na área de Transporte e Mobilidade da Comissão Europeia.

No que se refere aos impactos ambientais, a Comissão relata que os veículos motorizados são responsáveis por em torno de 15% das emissões de gás carbônico da União Europeia, além de outros componentes que provocam o efeito estufa. O levantamento reforça que as localidades da Europa, ao optarem pelas bicicletas e terem projetos de qualidade para a modificação de suas infraestruturas, poderiam reduzir a poluição atmosférica e sonora, assim como utilizariam os terrenos urbanos de forma mais inteligente e racional, já que as bikes são mais eficientes na ocupação dos espaços.

As emissões de automóveis, ônibus e caminhões também afetam a saúde da população, podendo elevar os casos de doenças respiratórias. Um relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2018 verificou que nove em cada dez pessoas no mundo respiram ar poluído, que é responsável por 7 milhões de mortes todos os anos, inclusive de crianças. Já os ruídos em excesso podem gerar distúrbios do sono e deficiência cognitiva, afirma o material da Comissão de Transporte e Mobilidade.

O uso constante de carros faz ainda com que muitos indivíduos deixem de praticar atividades físicas. Com o sedentarismo, aumenta o risco de doenças como diabetes, depressão e problemas cardíacos surgirem. Lugares com trânsito de alta densidade, baixa qualidade do ar, inseguros e sem áreas verdes ou parques são elementos que desencorajam os exercícios ou até mesmo uma simples caminhada. Nesse cenário, as bicicletas são uma alternativa favorável não só ao meio ambiente como também para a saúde dos cidadãos, salienta o texto da Comissão Europeia.

Além disso, as bikes são um meio de transporte mais barato e contribuem para a acessibilidade, permitindo a maior circulação e trocas entre as pessoas. Pedalar é ainda uma maneira de deslocamento mais rápido e eficiente, que reduz os congestionamentos ao dar mais fluidez ao trânsito e impacta positivamente a economia ao gerar novas oportunidades de renda e ao diminuir os gastos públicos com serviços de saúde. As vantagens sociais, indica o documento, variam de acordo com a realidade de cada município, mas podem representar independência financeira e acesso a lugares e a empregos que antes eram inviáveis. Diante dos desafios para oferecer uma rede de transporte eficaz e com baixas emissões, os desenvolvedores do material da Comissão Europeia enfatizam que “o ciclismo é cada vez mais visto como uma parte fundamental de um sistema de transporte multimodal e integrado”.

No Brasil, as principais barreiras para tornar as cidades mais amigáveis para as bicicletas passam pela falta de respeito dos motoristas e de infraestrutura adequada, como ciclovias e bicicletários, conforme a pesquisa Perfil do Ciclista Brasileiro, efetuada pela ONG Transporte Ativo em 2018. O levantamento revelou que 38,4% dos entrevistados consideram a rapidez e a praticidade os motivos mais importantes para usar bicicletas como modo de transporte urbano. Saúde (25,8%) e custos (22,1%) são outros fatores relevantes para as pessoas ouvidas no estudo.

Mais uma informação interessante apurada foi que quase a metade da população que respondeu ao questionário – 7.644 ciclistas em 25 cidades das diferentes regiões brasileiras – afirmou que o investimento em infraestrutura faria com que esses cidadãos pedalassem mais. Os principais destinos dos ciclistas brasileiros, de acordo com a pesquisa, são o trabalho (75,8%) e a escola/universidades (25,4%). A bicicleta também é utilizada para fazer compras (55,7%) e para atividades de lazer (61,9%). Clique aqui e acesse os resultados da pesquisa na íntegra.

Apesar dos problemas com a qualidade do asfalto e os buracos nas ruas identificados na maioria dos municípios brasileiros, houve um crescimento no número de ciclistas em locais como São Paulo e Rio de Janeiro devido aos serviços de compartilhamento de bikes, indica reportagem do G1. No último ano, a pandemia levou ainda mais pessoas a adotarem esse modo de transporte por causa de segurança sanitária e acabaram transformando algo temporário em permanente.

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