Criar lugares que permitam que as principais atividades do dia a dia sejam realizadas apenas com uma caminhada ou uma volta de bicicleta é o foco dessa proposta urbanística, que projeta as regiões em escala humana e tira o protagonismo dos veículos.
Moradia, trabalho, lazer, comércio, áreas verdes e serviços dispostos a uma distância que pode ser percorrida, a pé ou pedalando, em até um quarto de hora. Essa é a ideia central da Cidade de 15 Minutos, um conceito de planejamento urbano que ganhou mais visibilidade a partir da sua adoção pela capital da França e da pandemia de coronavírus – que demonstrou a necessidade de repensar o desenho e a mobilidade dos municípios. Diminuir os deslocamentos e, especialmente, o uso dos carros e desenvolver localidades inclusivas, dinâmicas e sustentáveis são os objetivos do método idealizado pelo pesquisador franco-colombiano e professor associado da Universidade Paris 1 – Panthéon Sorbonne, Carlos Moreno.
Inspirado pelo pensamento da escritora e ativista Jane Jacobs de que os espaços para serem vivos precisam aproximar diferentes funções e serem convidativos para que as pessoas utilizem as ruas, o modelo de Moreno busca um caminho para voltar às cidades em escala humana. Sua concepção vai na contramão da difundida pela escola Modernista do início do século 20, marcada pelo zoneamento dos municípios e pela separação das residências, empregos e entretenimento, como ressaltou o pesquisador em palestra para o TED Talks. Ele acredita ainda que regiões elaboradas dentro da sua proposta ajudam os indivíduos a se reconectarem com as suas comunidades e a efetuarem nelas todas as suas atividades, movimentando também a economia local.
Os princípios que norteiam a Cidade de 15 minutos são ecologia, proximidade, solidariedade e participação, explica Moreno em matéria que fizemos para o nosso portal. O professor complementa que o conceito criado por ele envolve ainda três características fundamentais: o ritmo dos municípios deve ser o do homem e não o dos automóveis, cada metro quadrado deve servir para diversos usos e as áreas precisam ser projetadas para que os cidadãos possam morar, trabalhar e prosperar sem ter que fazer grandes e frequentes percursos. “Não me levam a mal, não almejo que as localidades virem aldeias rurais. Mas, precisamos tornar a vida urbana mais agradável, ágil, saudável e flexível. Para isso, temos que garantir que todos, habitem nas regiões centrais ou periféricas, tenham acesso aos principais serviços perto de suas casas”, enfatiza.
O modelo de Moreno pode contribuir para a prática do urbanismo, pois se trata de “uma escala de planejamento negligenciada, que é maior que um bairro, mas menor que uma área metropolitana. Ele (o professor fraco-colombiano) mostra onde localizar instalações que atendem a várias comunidades”, opinam em artigo o arquiteto e urbanista e cofundador do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU), Andrés Duany, e o editor do Public Square – jornal do CNU onde foi divulgado o texto –, Robert Steuteville. Para eles, a Cidade de 15 Minutos pode ser definida como uma “geografia ideal onde a maioria das necessidades humanas e muitos desejos estão a uma distância de um quarto de hora”. Duany e Steuteville observam que, embora os carros possam ser acomodados dentro das localidades pensadas a partir dessa visão, os veículos – incluindo o transporte público – não devem determinar a sua forma.
Grande parte das áreas urbanas erguidas antes da disseminação massiva dos automóveis, lembram os autores do artigo, possui a estrutura de uma Cidade de 15 Minutos, por isso a meta de restaurar esses lugares pode ser mais fácil do que se imagina, dependendo, é claro, das alterações que possam ter sido promovidas nos bairros, como a instalação de estradas, perda de população e falta de investimentos. Já nos locais mais recentes, que tiveram o seu desenho orientado pelos carros, a tarefa será mais difícil, apontam os integrantes do CNU.
Os municípios que conseguem colocar em prática o método de Moreno desencadeiam mudanças que levam a benefícios como estabelecer comunidades socioeconômicas justas, uma vez que as pessoas que não possuem veículos também acessam facilmente todos serviços e estruturas existentes na região, descrevem Duany e Steuteville. Ainda segundo eles, esse tipo de configuração, por ser uma área pequena, permite obter um indicador mais confiável sobre a diversidade do bairro e há uma redução do impacto ambiental, já que os deslocamentos de automóvel são diminuídos. O aumento da mobilidade ativa – caminhada e ciclismo – traz, inclusive, vantagens para o bem-estar e a saúde dos indivíduos que circulam mais por localidades compactas.
Desenho da Cidade de 15 Minutos abrange diferentes tipos de moradia, comodidades e tempos de locomoção
Uma caminhada média de cinco minutos é a escala de um bairro utilizada geralmente nos projetos de novos urbanistas, que desenvolvem planos urbanos caracterizados por círculos de um quarto de milha (cerca de 400 metros), chamados de “galpões de pedestres”, relatam Andrés Duany Robert e Steuteville em seu artigo para o Public Square. Os autores reforçam que essa referência ainda é importante para os planejadores, mas que na Cidade de 15 Minutos é preciso pensar em uma “escala capaz de atender a todas as necessidades diárias e semanais das pessoas”.
Nesse sentido, eles afirmam que o desenho desse tipo de localidade combina três níveis de galpões, cada um deles com uma densidade bruta de, pelo menos, oito unidades habitacionais por acre (4.046 metros quadrados) – incluindo espaço aberto, instalações comunitárias e cívicas e uma diversidade de casas: individuais, geminadas e multifamiliares. Em um cenário que remete à densidade de municípios norte-americanos tradicionais, como a Filadélfia (Pensilvânia) e Washington D.C., exemplificam. Um dos círculos é o que corresponde ao de uma caminhada de cinco minutos do ponto central até a borda. Ele se configura como o bairro individual que tem uma gama variada de moradias e uma praça ou rua principal com uso misto, pode contar com empresas de pequeno porte e ainda supre as demandas diárias de seus residentes. A população calculada para essa região é de 2,6 mil cidadãos.
Outro galpão é o de uma caminhada de 15 minutos do centro até a borda (com uma distância de três quartos de milha – aproximadamente 1,2 mil metros). No interior desse círculo existe um “mix completo de usos, com mercearia, farmácia, comércio variado e escolas públicas” para atender às necessidades diárias e semanais. Além disso, detalham Duany e Steuteville, há parques visitados por habitantes de diversos bairros, grandes empregadores – porém não os maiores da área – e acesso ao trânsito regional. Em torno de 23 mil moradores é a população estimada para essa parte da localidade imaginada pelo pesquisador Carlos Moreno.
E o terceiro nível é o composto pelo galpão de 15 minutos de bicicleta, que possibilita chegar às principais instalações culturais, médicas e de ensino superior. Com uma extensão de três milhas (cerca de 4,8 mil metros), esse círculo possui os grandes empregadores, os parques regionais, o contato com o trânsito intermunicipal e responde às demandas especiais de seus residentes. O raio de três milhas que pode ser percorrido pedalando é o que define o tamanho total da Cidade de 15 Minutos – que tem uma população prevista de 350 mil pessoas –, informam os integrantes do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU).
Duany e Steuteville frisam que esses padrões são os mínimos para se ter uma região dentro dos critérios concebidos por Moreno. De acordo com o artigo do Public Square, dependendo da mistura de zonas urbanas e rurais, pode-se contar com uma densidade mais elevada e os habitantes da área central podem ter mais serviços e comércios disponibilizados em seu galpão de cinco minutos de caminhada. Outro fator essencial assinalado pelos autores é a construção de um “tecido urbano caminhável” para fazer com que esse desenho de localidade funcione. Isso envolve planejar uma rede de ruas conectadas, com passagens e caminhos, e pequenos quarteirões costurando os bairros.
Repensar o conceito para outras áreas e densidades é o novo desafio de Moreno
Ao estruturar os três níveis que compõem a Cidade de 15 Minutos também podem surgir dificuldades para os planejadores urbanos, que precisarão lidar com questões como incluir conexões com o transporte público e com outras regiões através dos carros e ainda pensar no uso futuro de pequenos veículos elétricos, sem perder o foco de que eles não devem determinar a escala da localidade, como salientam Andrés Duany e Robert Steuteville no Public Square. A formação de barreiras que podem separar as vizinhanças e criar espaços vazios que descontinuam o fluxo de circulação de pessoas – as “fronteiras desertas” como definiu Jane Jacobs – é outro problema que pode surgir ao desenhar esses lugares.
A rede viária, campi de universidades, grandes pátios de escolas, complexos hospitalares e, até mesmo, amplas áreas verdes podem se tornar uma “sombra de pedestres”, como identificaram Duany e Steuteville. Conforme eles, algumas iniciativas podem ser adotadas para reverter ou amenizar os efeitos dessas fronteiras, como reprojetar total ou parcialmente uma via arterial para disponibilizar serviços essenciais do outro lado da barreira e alterar o zoneamento para reduzir os vácuos. No entanto, os autores do artigo no jornal do Congresso para o Novo Urbanismo destacam que essas imperfeiçoes que surgem no traçado podem servir a outros propósitos. “Uma região menos valiosa pode ser uma oportunidade para aluguéis mais baixos e atrações como uma boate, que poderia ser inadequada em outro ponto da Cidade de 15 Minutos”, argumentam.
Por sua inovação, o modelo do pesquisador e professor Carlos Moreno recebeu, em 2021, o Prêmio Obel da Fundação Henrik Frode Obel, que celebra as principais contribuições arquitetônicas para o desenvolvimento humano, como ressalta matéria da revista Dezeen. Com um júri composto por profissionais como a arquiteta e paisagista Martha Schwartz e os arquitetos Kjetil Thorsen, do escritório norueguês Snøhetta, Louis Becker, da empresa dinamarquesa Henning Larsen Architects, e Xu Tiantian, do estúdio chinês DnA Design And Architecture, e pelo acadêmico Wilhelm Vossenkuhl, a proposta de Moreno foi vista como “um verdadeiro passo em direção ao futuro”.
Com o valor recebido com a premiação – 100 mil Euros (cerca de R$ 553 mil, em julho de 2022) –, o pesquisador e sua equipe estão agora, segundo a Dezeen, adaptando o método da Cidade de 15 Minutos para aplicá-lo em lugares com densidades diferentes, desde pequenas localidades às de médio porte e aos territórios rurais. “Precisamos manter o conceito, mas imaginar novas formas de implementar seu princípio de proximidade em outras densidades”, enfatizou Moreno.
Além de Paris, outros municípios vêm se direcionando para reformular seus espaços urbanos e contar com as vantagens de realizar as atividades diárias caminhando ou pedalando curtas distâncias, como Copenhagen (Dinamarca) e Melbourne (Austrália), que lançou um projeto-piloto, em 2018, de bairros de 20 minutos. Para saber quais são as cidades dos Estados Unidos que estão mais alinhadas com o modelo de Moreno, a companhia Here Technologies elaborou um mapa interativo que mostra as comunidades que contam com moradia, serviços, comércio e outras comodidades facilmente acessados, aponta reportagem do ArchDaily. A pesquisa é feita através do código postal e revela aquilo que pode ser encontrado em uma caminhada de 15 minutos, uma de 20 minutos e em um trajeto de um quarto de hora feito de automóvel.
Seja o primeiro a receber as próximas novidades!
Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.