Limites verticais, como prédios e árvores, dispostos ao longo de uma via ou ambiente público trazem uma sensação de conforto, um sentido de orientação e de identificação com o lugar em que se está presente e são peças-chave para o desenvolvimento de locais dinâmicos.
O que torna uma rua mais atrativa entre as tantas existentes em uma cidade? A escritora, jornalista e ativista norte-americana Jane Jacobs já defendia no final dos anos 1950 e início dos anos 1960 que a combinação de usos diversificados, quadras pequenas e bairros densos com pessoas circulando pelas calçadas em diferentes horários do dia era a solução para se ter espaços vivos e seguros. Outro fator que contribui para o planejamento de comunidades qualificadas e protegidas é o senso de enclausuramento, conceito que aborda a relação entre a altura de edifícios, paredes, árvores e outros elementos verticais e a largura das vias ou dos ambientes coletivos.
A criação de uma moldura visual que engloba esses itens verticais distribuídos em uma faixa horizontal de terreno, como descreve o consultor de planejamento urbano Glenn Pape em artigo para a Universidade Estadual do Michigan (EUA), traz um aspecto de “sala ao ar livre” que é confortável para os indivíduos. E esses lugares são, na opinião de Pape, essenciais para o desenvolvimento de locais onde os pedestres querem ficar e usufruir. Para reforçar sua visão, ele cita o arquiteto e designer urbano Gordon Cullen, que em seu livro “The Concise Townscape” (“A Paisagem Urbana Concisa”) afirma que esses recintos externos que se formam no panorama dos municípios são “talvez os mais poderosos, os mais óbvios, de todos os dispositivos para incutir um senso de posição e de identificação com o espaço e incorporam a ideia de estar presente (naquele ponto)”.
Em um bairro comercial convencional ou em uma comunidade de uso misto, as “salas ao ar livre” são compostas por uma linha ininterrupta de fachadas de prédios, explica Pape. “Tradicionalmente, isso enquadrava a rua em uma proporção em que a altura das construções e a distância entre os edifícios eram iguais”, detalha. Já nos ambientes onde essa relação não é a esperada, como quando o vão entre os prédios é mais que o dobro da altura, os cidadãos podem se sentir expostos e vulneráveis, exemplifica o consultor e ex-professor da Universidade do Michigan. Essas impressões podem ser revertidas, argumenta Pape, com o acréscimo de paredes verdes ou de árvores entre as edificações ou de vegetação nas bordas das calçadas para deixar o lugar mais fechado.
A existência de limites verticais e laterais nas vias contribuem ainda para que as pessoas tenham a percepção de estarem em um refúgio seguro, observando um local definido. A arquiteta e urbanista Drielle Vargas Nunes e o geógrafo e doutor em Arquitetura, Planejamento e Paisagismo David Sousa Vale complementam em artigo publicado na revista digital Urbe que a sensação de enclausuramento é causada também pelos elementos que são instalados no solo, como bancos, floreiras, entre outros, e pela quantidade de céu que fica exposta ao olhar de quem caminha pelas ruas.
Os autores salientam que uma das razões pelas quais os indivíduos reagem favoravelmente à limitação dos espaços está ligada ao estímulo que fazer isso dá ao senso de localização e de reconhecimento do entorno. Ambientes longos e estreitos, por exemplo, estabelecem esse sentido de direção com mais força. Conforme eles, além da dimensão visual das vias e dos lugares públicos, a altura dos prédios e a distância entre eles, determinam a quantidade de incidência solar, ventos e temperatura de uma área, o que pode beneficiar o desenho de localidades mais habitáveis e aconchegantes.
O impacto do princípio de enclausuramento nas cidades e a sua associação com indicadores de desempenho climático, como a maior ou menor presença de luz solar ou de ventos, são destacados ainda em vídeo produzido pelo governo de New South Wales, estado da Austrália. O fornecimento de locais na escala humana é outra vantagem de espaços que possuem uma proporção adequada entre a altura dos edifícios e a largura das ruas. Característica que aumenta também o sentimento de segurança das pessoas, acrescenta o site da administração pública daquela região, que reúne informações para o planejamento de vias e ambientes de uso coletivo nos municípios que fazem parte de New South Wales.
Preferência por lugares que funcionam como refúgios é herança evolutiva da humanidade
A sensação de conforto e de proteção que os indivíduos possuem em locais com limites definidos e que oferecem uma visibilidade mais ampla dos espaços é um legado da evolução do homem, apontam diferentes teorias. Na obra “The Experience of Landscape” (“A Experiência da Paisagem”), lançada em 1975, o geógrafo Jay Appleton concebeu o conceito de “perspectiva-refúgio”, que tentava compreender por que as pessoas tinham a impressão de estarem mais seguras em determinados pontos e em outros não, segundo informa matéria do The Guardian.
A partir de seus estudos, Appleton identificou que a maioria dos cidadãos tem um “desejo inato” por ambientes que possibilitam que eles observem (prospectem) sem serem percebidos (refúgio). Essa vontade foi relacionada por ele ao “desenvolvimento humano inicial nas terras de savana da África, onde os caçadores-coletores tinham um amplo campo de visão através das pastagens, assim como lugares para se esconder do perigo”, ressalta o jornal britânico. A teoria do geógrafo tornou-se influente em diversas áreas de conhecimento, como a Arquitetura, a História da Arte e o Paisagismo.
Em seu livro, ele comenta ainda que símbolos naturais que remetem a um habitat abundante, com vegetação e árvores frutíferas, acabam sendo preferidos pelos indivíduos em detrimento de outros locais que não possuem esses itens, assinala artigo da Universidade de Idaho. De acordo com o texto, essa visão é apoiada por pesquisas realizadas sobre como as aves selecionam seus territórios com base na presença de determinadas espécies de plantas que indicariam a existência de alimentos no futuro.
A teoria de Appleton antecipou o movimento da Nova Geografia Cultural da década de 1980, revela artigo do Urban Design Group – organização criada em 1978 em Londres (Inglaterra) para debater a qualidade de vida nas cidades e o seu aprimoramento por meio do design. A Nova Geografia Cultural investigou a interação entre a cultura, material e imaterial, e o ambiente natural e a paisagem construída pela humanidade. Ainda conforme o Urban Design Group, as ideias do geógrafo foram revisadas ao longo dos anos e aplicadas para avaliar índices de crimes em municípios, elaborar planos diretores e layouts de plantio em parques e para distribuir melhor a iluminação pública nas ruas.
Em 1996, uma nova edição da obra de Appleton foi publicada com algumas atualizações. Segundo o artigo, o livro “fornece um ponto de partida útil para analisar e interpretar as reações das pessoas à paisagem”, assim como traz dicas de como o design pode ser empregado para desenvolver lugares que as pessoas irão se sentir protegidas e aos quais terão uma resposta positiva.
Ruas mais atrativas contam também com acessibilidade, conexão e espaços caminháveis bem projetados
Além de planejar a relação entre a altura dos prédios e a largura das vias, locais aconchegantes e convidativos precisam aliar outros elementos urbanos, como o desenho de trajetos qualificados para os pedestres e a sua combinação com outros meios de transporte, como ciclovias e ônibus, metrô ou trem. O governo de New South Wales, na Austrália, disponibiliza em seu site uma série de itens que devem ser pensados pelos desenvolvedores para criar localidades mais dinâmicas, sustentáveis e seguras para seus habitantes. Destinar uma área maior para quem anda a pé é um dos pontos destacados pela administração pública para aprimorar a experiência de caminhar e aumentar a conectividade com o ambiente.
Permitir que todos os indivíduos, independentemente de sua capacidade de mobilidade, tenham acesso à via é mais um fator enfatizado para elevar o conforto e incentivar o uso dos espaços. Além disso, projetar lugares de descanso ao longo dos percursos é outro componente fundamental para manter os cidadãos protegidos durante suas viagens, assim como tornar as ruas e estradas seguras, reduzindo riscos de lesões através do design do local e da análise dos limites de velocidade de determinados trechos dentro das cidades.
Entre as recomendações feitas pelo governo estadual de New South Wales no que se refere à concepção de ambientes mais atrativos e com segurança, está a de incluir nos planejamentos urbanísticos o debate sobre questões como paisagismo, iluminação, layout e vigilância natural para garantir o bem-estar da população. De acordo com a administração pública, um espaço saudável é aquele em que a comunidade se sente protegida, possui conforto, tem como praticar uma atividade física e pode se divertir. O uso misto, com a presença de lojas, escolas e serviços próximos às moradias e ao trabalho, é outro item importante para que um lugar seja dinâmico e de fato utilizado pelas pessoas, frisa o material.
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