Entre as soluções que as cidades vêm implementando para diminuir o trânsito e incentivar os meios de deslocamento com menos impactos ambientais, uma que tem ganho destaque nas estratégias para priorizar a qualidade de vida das pessoas é a criação de áreas com regras para o acesso de carros que mais emitem gases de efeito estufa
As recentes enchentes que destruíram municípios no Sul do País e as temperaturas elevadas registradas em pleno inverno em diversas regiões do Brasil são mais uma prova da urgência de políticas nacionais e locais que contribuam no combate ao aquecimento global. Repensar o uso dos automóveis é um dos fatores fundamentais para promover essa modificação, reduzindo o tráfego e as mortes e acidentes causados por ele, melhorando a qualidade do ar e estimulando a escolha por tipos de locomoção mais sustentáveis, como caminhar, pedalar ou utilizar o transporte público.
Uma forma que vem sendo cada vez mais adotada por cidades de distintas nações para alcançar esse objetivo é o estabelecimento de zonas de baixa emissão, as LEZs (sigla em inglês para low emission zones). Bastante difundidas na Europa, continente pioneiro no desenvolvimento de ações para mitigar as emissões de gases de efeito estufa geradas pelo transporte urbano, as LEZs são áreas específicas nos municípios onde o uso de veículos poluentes (movidos a combustíveis fósseis) é restringido por normas que podem envolver a cobrança de alíquotas ou não.
Nos lugares em que há uma taxação, os motoristas precisam pagar um valor para circular naquele espaço, detalha artigo do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Os carros que mais liberam gases de efeito estufa têm tarifas mais altas do que os modelos híbridos ou elétricos, que em algumas localidades não são cobrados. Já nos perímetros sem precificação a entrada de automóveis muito poluentes é proibida e são determinadas multas para os condutores que não respeitam as regras. As características das LEZs variam de acordo com a cidade, podendo ter tamanhos, estrutura de valores, horários e dias de funcionamento, limitações, veículos atingidos e até nomes diferentes.
Essas particularidades, em conjunto com a fiscalização efetuada e as alternativas de mobilidade ativa (andar a pé ou de bicicleta) ou de transporte com menos impacto no meio ambiente, refletem nos resultados obtidos pelas zonas de baixa emissão no que se refere à qualidade do ar, segundo o ITDP. Ainda conforme o Instituto, a instalação das LEZs, quando bem-feitas, podem ter efeitos positivos no acesso, na segurança e na equidade dos municípios, assim como facilitar a migração de usuários de carros para outras maneiras de percorrer os seus trajetos diários.
Entre os benefícios da medida, o ITDP lista também a oportunidade que as zonas de baixa emissão oferecem de impulsionar o uso mais eficiente das áreas urbanas e de contar com subsídios para a mobilidade elétrica, aperfeiçoando os meios de locomoção coletivos e o acesso da população que mora em bairros mais afastados dos centros e de baixa renda. Outras vantagens são que as LEZs podem ser um catalisador para a expansão da infraestrutura de ciclovias e das calçadas e um incentivo para que os indivíduos troquem seus automóveis por tipos transportes mais sustentáveis.
Um aspecto importante a ser avaliado durante a criação das zonas de baixa emissão é que as regiões com taxas podem onerar os cidadãos de menor renda que precisam dirigir todos os dias, isso porque o custo desses pontos representa uma fatia maior do orçamento que as pessoas contam para gastar com transporte. Além disso, em geral, elas possuem veículos mais antigos e poluentes e podem não ter condições financeiras para trocar por um carro mais novo e que atenda aos padrões das LEZs.
Nesse sentido, o ITDP aponta que é necessário prever auxílios ou créditos fiscais para que os indivíduos contem com um apoio para comprar bicicletas ou automóveis elétricos ou então disponibilizar descontos no transporte público e combiná-los com pacotes que incluam os serviços de compartilhamento. O Instituto reforça também que, apesar de não existirem ainda muitos estudos sobre os impactos das zonas de baixa emissão, as LEZs têm um grande potencial para ajudar no combate às mudanças climáticas quando alinhadas a iniciativas centradas no transporte coletivo e de planejamento urbano compacto das localidades.
Exemplo que vem da Europa
Desde que a primeira zona de baixa emissão foi definida no continente – na Suécia, em 1996, de acordo com matéria do jornal O Estado de São Paulo –, a Europa tem ampliado essa estratégia e, em 2023, possuía mais de 320 LEZs, relata o Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP). Projetos-pilotos também vêm sendo realizados em cidades da China, em Haifa (Israel) e em Seul (Coreia do Sul). Contudo, uma das mais importantes referências no assunto é Londres (Inglaterra), que neste ano expandiu a sua zona ultrabaixa de emissão (Ulez) para todos os bairros da capital inglesa.
Precursora em operar 24 horas por dia, a Ulez funciona de segunda-feira a domingo e cobra uma taxa diária para os condutores com veículos que não se encaixam nos padrões de emissões estabelecidos dirigirem nesses lugares. Para esses motoristas, pequenas empresas (com menos de 50 funcionários), comerciantes individuais e instituições de caridade, há um financiamento disponibilizado de 160 milhões de libras para que esses públicos se adaptem às normas e renovem a frota que circula na cidade, conforme a prefeitura de Londres. Dados do governo municipal revelam que nove em cada dez carros que trafegam pelos arredores da localidade em um dia normal já estão adequados às regras.
A Ulez, que foi lançada em 2019 no Centro de Londres e estendida em 2021, funciona em conjunto com as zonas de baixa emissão da cidade, inauguradas em 2008. Ao todo, a área da Ulez hoje é 18 vezes o seu tamanho original e reúne quatro milhões de habitantes, cerca de 44% da população do município. Segundo relatório que analisou os resultados alcançados em um ano da ampliação da zona ultrabaixa de emissão, em torno de 50% da poluição por dióxido de nitrogênio foi reduzida no centro da localidade, uma diminuição cinco vezes mais rápida da poluição em Londres do que no restante do Reino Unido, entre 2016 e 2020, e mais de 1 milhão de internações hospitalares serão evitadas até 2050.
Assim como a capital inglesa, Paris (França) conta com suas zonas de baixa emissão, estabelecidas em 2015 e que passaram por diversas etapas ao longo dos anos, aumentando gradativamente as restrições aos automóveis mais poluentes. O endurecimento das normas no país será aplicado em cinco regiões urbanas (Paris, Lyon, Aix-Marselha, Rouen e Estrasburgo) até 2025 em vez das 11 previstas inicialmente, informa matéria do Huffpost. Essas são as cidades que ainda excedem os parâmetros de emissões de gases de efeito estufa permitidos.
Até o final de 2027, mais municípios europeus devem implementar suas versões de zonas de baixa emissão, como é o caso de Varsóvia (Polônia), Sófia (Bulgária) e Riga (Letônia), acrescenta artigo do Eurocities – uma rede de mais de 200 localidades em 38 nações, representando 130 milhões de pessoas. Na capital polonesa, as limitações ocorrerão no centro a partir do segundo semestre de 2024 e ficarão mais rigorosas a cada dois anos, a exceção ficará para os veículos de serviços públicos, como bombeiros e polícia, assim como para cidadãos com dificuldades de locomoção.
Já em Sófia, a partir de 1º de dezembro deste ano, os carros de passageiros e comerciais da categoria mais poluentes não poderão acessar o centro da cidade. As restrições também irão crescer progressivamente, atingindo mais tipos de automóveis e um perímetro maior. A principal meta com a ação é que 80% de todos os deslocamentos na capital búlgara sejam feitos a pé, de bicicleta ou de transporte público até 2035. E a partir de janeiro de 2025, Sófia deve proibir a utilização de combustíveis sólidos, como madeira e carvão, para o aquecimento das casas em nove distritos e depois levar a medida para outros pontos do município. Por sua vez, Riga ainda está debatendo a sua política de zonas de baixa emissão, que deve ser criada até 2027.
No Brasil, Rio de Janeiro terá primeiro distrito de baixa emissão até 2030
Melhorar a qualidade do ar, o bem-estar e a saúde dos cariocas é também o maior objetivo do distrito de baixa emissão que a prefeitura do Rio de Janeiro (RJ) está desenvolvendo no centro da localidade. A iniciativa está integrada ao programa de revitalização desse espaço da cidade, que busca aprimorar os ambientes urbanos e fomentar o uso residencial nessa região. Lançado em 2022, o projeto contará com soluções para reduzir a liberação de gases de efeito estufa, ocupará um território de 2,3 quilômetros quadrados e deve ser concluído até 2030.
Instalado entre as avenidas Beira Mar e Marechal Floriano e entre o Campo de Santana e a Orla Conde, o distrito terá sua primeira etapa finalizada em 2024 e abrangerá a requalificação de 35 mil metros quadrados de área pública e o começo do monitoramento da poluição do ar e das emissões. Nessa fase inicial devem ser construídas ainda estrutura para ciclovias e mais lugares verdes, promovidas ações educativas para engajar a comunidade e caminhões elétricos para a coleta de resíduos devem ser usados.
A coordenação dos trabalhos do distrito de baixa emissão é feita pelo Escritório de Planejamento da Secretaria Municipal de Planejamento do Rio de Janeiro e atende ao compromisso assumido pelo município de estimular a idealização de ruas verdes e saudáveis com o C40, um grupo de localidades internacionais que se uniram para pensar nas questões climáticas e em estratégias para superar os desafios que elas trazem. A medida também está em sintonia com a campanha global Cidades Pedaláveis, do Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP).
Além das iniciativas na Europa, Ásia e no Brasil, o município de Nova York quer ser o precursor no lançamento de uma zona de baixa emissão nos Estados Unidos. Com a perspectiva de entrar em funcionamento em 2024, o projeto vem enfrentando resistência dos motoristas, especialmente dos taxistas, conforme reportagem do Correio Braziliense. As restrições de veículos devem envolver a região abaixo da rua 60 na ilha de Manhattan, incluindo os bairros de Midtown e Wall Street.
Não há, até o momento, uma definição sobre as tarifas que serão cobradas, mas os cálculos apontam valores de 23 dólares para circular nos horários de rush e de 17 dólares para os períodos de menor movimentação. A estimativa do órgão público responsável pelo transporte em Nova York é diminuir o tráfego diário em 10% com a zona de baixa emissão.
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