A forma como os espaços urbanos são projetados influencia não só a maneira como eles serão utilizados pelos indivíduos. Diferentes estudos reforçam o impacto que o planejamento de ambientes públicos e bairros tem no bem-estar físico e mental de seus habitantes. As cidades caminháveis, lugares com mais estrutura para caminhar e pedalar apresentam menores índices de doenças como diabetes e obesidade.
Mais da metade dos brasileiros (52%) raramente ou nunca pratica algum tipo de atividade física. Esse foi o resultado apurado pela Pesquisa Saúde e Trabalho, desenvolvida pelo Serviço Social da Indústria (Sesi) em 2023 e que ouviu 2.021 pessoas com mais de 16 anos de todo o País. Entre os demais entrevistados, ressalta a Agência Brasil, 22% afirmaram que fazem exercícios diariamente, 13% pelo menos três vezes por semana e 8% duas vezes semanais. A adoção de uma rotina com atividades físicas é considerada por especialistas como um dos mais importantes meios de promoção e de cuidado com a saúde.
No entanto, incluir exercícios com regularidade no dia a dia não é uma tarefa fácil para uma grande parte da população, seja por causa da falta de tempo ou de recursos para isso. Outro fator entra nessa equação para dificultar que hábitos mais saudáveis sejam inseridos no cotidiano: o próprio desenho das localidades. Levantamento realizado pela cientista adjunta do Instituto de Ciências Médicas da Universidade de Toronto, Gillian Booth, demonstrou que pessoas que vivem em regiões onde caminhar e pedalar é mais acessível e seguro são mais ativas e menos predispostas a terem doenças como diabetes ou obesidade.
Em conjunto com colegas da universidade, a cientista analisou mais de 170 estudos já efetuados sobre o assunto, entre eles uma pesquisa com 1,1 milhão de adultos que evidenciou que indivíduos com níveis normais de açúcar no sangue no começo da averiguação tinham 20% mais probabilidade de apresentar sintomas pré-diabetes oito anos depois se residissem em uma comunidade menos amigável para os pedestres, detalha matéria da revista New Scientist. A existência de infraestrutura urbana qualificada perto de onde os cidadãos moram é um aspecto relevante para a prática de atividades físicas.
A dependência dos carros devido à expansão urbana sem controle é parte desse problema e precisa ser resolvida, acrescenta Gillian. A solução, defende a cientista, passa por iniciativas como maior densidade de vida, com lojas, comodidades e serviços instalados a uma curta distância das habitações e do trabalho, incentivo ao uso de bicicletas, implementação de mais caminhos para pedestres e na maior eficiência do transporte público. Ainda conforme a New Scientist, o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido gasta cerca de 10 bilhões de libras anualmente no tratamento da diabetes, representando em torno de 10% do seu orçamento.
O órgão calcula, segundo dados da instituição de caridade Diabetes UK, que um quarto dos adultos do Reino Unido são obesos. Tornar os municípios mais caminháveis para os seus usuários é uma forma econômica de enfrentar tanto a diabetes como a obesidade, destaca a New Scientist. Nos Estados Unidos, por exemplo, informações dos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) indicam que 22 dos 50 estados daquela nação contavam em 2022 com, pelo menos, 35% dos adultos com obesidade, relata reportagem da CNN. Em 2021, esse número era de 19 regiões.
Além disso, o CDC aponta que três em cada quatro adultos norte-americanos não cumprem os parâmetros recomendados de exercícios – 150 minutos de atividade moderada ou 75 minutos de prática intensa por semana. O Atlas Mundial da Obesidade 2023 estima que mais de 4 bilhões de indivíduos terão sobrepeso ou obesidade até 2035, 51% da população mundial, revela matéria do O Globo. A relação entre a qualidade do ambiente urbano e os seus efeitos no bem-estar físico foi investigada também pela Escola Pública de Saúde da Universidade de Boston.
Entre as descobertas do levantamento está a de que pessoas que vivem em bairros onde se caminhava muito eram mais propensas a fazerem exercícios, andarem a pé no entorno de suas casas e terem um menor índice de massa corporal (IMC), parâmetro estabelecido para determinar o grau de sobrepeso e obesidade, do que aqueles que moravam em comunidades de baixa mobilidade. Identificaram ainda que os adultos que residem em bairros caminháveis possuem 1,5 vez mais possibilidade de praticarem níveis adequados de atividades físicas e 0,76 vez menos probabilidade de se tornarem obeso, em comparação com cidadãos que estão em comunidades com pouca estrutura para a locomoção.
A facilidade e a segurança para um habitante circular a pé pela sua área e concretizar funções rotineiras, como ir ao supermercado, escola, trabalho, comércio, entre outras, estão associadas também ao menor risco de doenças cardiovasculares, de acordo com estudos apresentados nas Sessões Científicas de 2022 da Associação Americana do Coração. Um dos levantamentos, com mais de 70 mil indivíduos, se aprofundou sobre a conexão que existe entre a capacidade de caminhar em um bairro e a ocorrência de problemas cardíacos. Para o médico, pesquisador associado do Hospital Universitário de Cleveland (EUA) e um dos autores do trabalho, Issam Motairek, a maneira como as comunidades são idealizadas é reconhecida cada vez mais por ter um papel importante nas doenças cardiovasculares e em seus fatores de risco. A avaliação constatou que cerca de 36% dos adultos que moravam em bairros menos acessíveis a pé tinham pressão arterial e colesterol elevados ou obesidade em relação com em torno de 30% nos espaços mais caminháveis.
Felicidade e design ativo nas cidades
A concepção de ambientes mais caminháveis tem ainda efeitos na saúde mental e na felicidade das pessoas, trazendo benefícios nos segmentos social, econômico, ambiental e político. Andar a pé aumenta os níveis de endorfina, diminui o cortisol relacionado ao estresse e ajuda a dormir melhor, lista artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). A criação de lugares coletivos e de bairros que possibilitem que os seus usuários caminhem mais permite uma maior interação social, a construção de laços entre vizinhos e o desenvolvimento de um sentimento de pertencimento, conforme o relatório “Cities Alive (Cidades Vivas)”, da Arup – multinacional do setor de engenharia e design –, citado pelo CNU.
Outras vantagens das comunidades e regiões caminháveis salientadas abrangem a redução dos acidentes de trânsito ocasionados pela diminuição da velocidade dos veículos e a tendência que existe nessas áreas de queda dos índices criminais. Com mais cidadãos nas vias, atividades culturais e de lazer nos espaços coletivos e uma vida urbana mais vibrante proporcionada pela presença de lojas, serviços, cafeterias, restaurantes e residências, há um crescimento na percepção de segurança e de confiança individual, o que a escritora e ativista Jane Jacobs chamou de os “olhos nas ruas”.
Bairros com essas características, de uso misto, são relevantes para a felicidade, saúde e confiança das pessoas, assinala estudo feito em Dublin (Irlanda). O levantamento, que contou com a participação de 1.064 adultos de 16 bairros planejados da capital irlandesa e de seus subúrbios, concluiu que a capacidade de andar a pé pela vizinhança estava diretamente ligada à felicidade dos habitantes com idade entre 36 e 45 anos e, em menor grau, dos moradores na faixa etária dos 18 aos 35 anos. Já para os idosos a importância da caminhabilidade estava associada também a outros fatores da vida, como a saúde e a confiança nos outros.
O estímulo para que as localidades definam medidas que promovam hábitos mais saudáveis e o bem-estar de seus residentes ganhou impulso a partir do Design Ativo (Active Design), movimento iniciado nos Estados Unidos, descreve o site da organização Cidade Ativa. A proposta é incentivar, através do desenho dos municípios, que os indivíduos caminhem mais, subam escadas, pedalem e tenham outras formas de lazer, incorporando de maneira fácil os exercícios em seu dia a dia e tornando as localidades melhores para se viver, complementa artigo do Ecycle. Projetar edificações e infraestrutura urbana mais eficientes energeticamente e sustentáveis são outras metas do Design Ativo.
Estratégias de Nova York para que seus habitantes sejam mais saudáveis
A metrópole norte-americana vem, desde a divulgação do Guia de Design Ativo, em 2010, disseminando os princípios desse movimento para outras cidades do mundo. Idealizado pelos departamentos municipais de Planejamento, Construção, Transporte e de Saúde, com o apoio do Instituto Americano de Arquitetos, o manual traz sugestões para a elaboração e qualificação de prédios, ruas, bairros e paisagens urbanas. A prefeitura tem usado, segundo o Ecycle, o urbanismo como uma ferramenta para conceber uma localidade mais ativa, com reflexos na diminuição de recursos destinados para a luta contra doenças causadas pelo sedentarismo e má alimentação, como diabetes e obesidade.
O Guia de Design Ativo de Nova York reforça que a combinação do uso do solo diversificado, sistema viário bem conectado e do serviço eficaz de transporte público tende a elevar a atividade física dos moradores de uma região. Entre as soluções reunidas no material estão recomendações de como aproximar residências e trabalho de parques, trilhas e ambientes de lazer para estimular as pessoas a andarem a pé ou de bicicleta e promover a instalação de supermercados e mercearias de serviços completos a uma curta distância em todas as áreas habitacionais e também de opções de alimentação mais saudável.
Enfatiza ainda a necessidade de criar empreendimentos em escala humana, que aliem moradia, escritórios, comércios, escolas, centros culturais e comunitários e lugares para a recreação. Propõe também que os edifícios sejam erguidos próximos a paradas de transporte público e ao longo de corredores de trânsito, o fomento ao uso desse meio de deslocamento por meio da construção de pontos acessíveis para os usuários e que a oferta de vagas de estacionamento sejam revista.
No que se refere ao desenvolvimento de parques, praças e espaços de lazer, o manual explica que elaborar ciclovias e calçadas seguras e visíveis para ciclistas e pedestres até esses ambientes faz com que eles sejam mais frequentados e os indivíduos pratiquem mais exercícios. A presença de bebedouros nesses pontos incentiva o consumo de água e a hidratação. Outro aspecto frisado pelo guia é que o planejamento dessas áreas deve considerar que elas serão usadas por pessoas de idades e preferências culturais distintas e que é preciso incluir a todos.
Acalmar o trânsito, reduzindo a velocidade dos automóveis, desenhar ruas bem conectadas, boas calçadas e rotas para o ciclismo são outras iniciativas que contribuem para que mais cidadãos caminhem e pedalem agrega o relatório. Além disso, o manual ressalta a relevância de fazer a ligação entre o transporte coletivo e as ciclovias e calçadas, disponibilizar mobiliário urbano atrativo e confortável e prever lugares verdes ao longo dos trajetos.
Muitos dos critérios do Design Ativo se conectam com os do Novo Urbanismo, que sustenta que os municípios devem voltar a ser pensados para as pessoas e não para os carros, e dos parâmetros apresentados no livro “Cidade Caminhável: Como o Centro pode salvar a América, um passo de cada vez (Walkable City: How Downtown Can Save America, One Step at a Time)”, escrito pelo urbanista Jeff Speck, em 2012. Em sua obra, ele argumenta que para impulsionar uma caminhada, ela deve satisfazer quatro condições principalmente: ser útil, segura, confortável e interessante, acrescenta artigo do Public Square sobre os dez anos de lançamento do livro. Em sua palestra no TED, que já tem mais de 1,4 milhões de visualizações, Speck declara que “o design das cidades é a cura para a situação da saúde hoje nos Estados Unidos” e analisa que as localidades devem retirar o protagonismo dos veículos e projetar para os pedestres.
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