Modernismo

A influência do modernismo na arquitetura e no urbanismo tem reflexos até hoje no desenho das localidades, em sua aparência e na qualidade de vida de seus moradores. Um grupo mundial de profissionais têm apoiado um afastamento dos ideais dessa escola e o retorno à criação de ambientes bonitos, atrativos e que tragam dinamismo às ruas novamente.

Em que tipo de lugar as pessoas preferem ficar e se sentem mais felizes? Esse foi o questionamento que levou pesquisadores da Universidade Norueguesa de Ciências da Vida (NMBU) a investigarem qual estilo arquitetônico proporciona esse bem-estar. O estudo, divulgado em 2020, avaliou as experiências e as emoções dos indivíduos em relação a oito diferentes vias e praças públicas de Oslo. Utilizando realidade virtual, o levantamento comparou as manifestações dos participantes diante de espaços com construções tradicionais e com prédios contemporâneos de vidro e aço. Para os entrevistados, as edificações com mais decorações nas fachadas e diversidade oferecem uma sensação maior de qualidade de vida.

A pesquisa definiu a arquitetura tradicional como aquela presente em áreas coletivas e nas ruas típicas da capital norueguesa nos séculos XIX e XX, que chama a atenção pela simetria, ornamentação, materiais naturais e referências à cultura da região. Já o conceito contemporâneo abrange uma arquitetura minimalista, assimétrica e com pouco ou nenhum uso de detalhes nas fachadas e prédios com concreto aparente, vidro e aço. Apesar de marcar o estilo do século XXI, ele foi impactado pelos princípios do modernismo. Os ambientes foram classificados pelos residentes como agradáveis ou não, excitantes ou chatos, relaxantes ou estressantes, seguros e ativos ou não.

Segundo os realizadores do estudo, políticos, urbanistas, arquitetos e desenvolvedores imobiliários precisam ter mais conhecimento sobre como o design dos municípios e a sensação de bem-estar das pessoas estão conectados e como lugares bonitos estão associados ao sentimento de felicidade. Além disso, eles enfatizam a importância do planejamento de cidades para quem vive nelas. O retorno da beleza às localidades e o afastamento da visão modernista são defendidos pelo sociólogo urbano Michael Diamant, fundador do site Nova Arquitetura Tradicional e da Revolta da Arquitetura – movimento iniciado na Suécia que conta com integrantes de todo o mundo.

A revolta, ou rebelião, da arquitetura é composta por um grupo heterogêneo de profissionais de vários países que “protesta contra a feiura dos municípios”, como descreve o site do movimento. Eles acreditam que as cidades deveriam respeitar o que os seus habitantes consideram bonito e voltar a ter empreendimentos e espaços urbanos inspirados nos estilos arquitetônicos clássico, vernacular (tipologia de caráter local ou regional, na qual são empregados materiais e recursos da área onde a edificação está inserida) e orgânico. O movimento começou em 2014 no Facebook e, no momento, conta com milhares de membros pelo planeta.

Diamant reforçou em seu perfil no X (antigo Twitter) que o modernismo é a “ideologia da feiura” que se insere no “coração da beleza clássica”. Ele utiliza o canal, assim como a sua plataforma Nova Arquitetura Tradicional, como meio de divulgação das opiniões dos participantes do grupo formado por ele e de projetos elaborados em distintos municípios com influência da arquitetura tradicional ou que remetem a ela, com ornamentação nas fachadas, simetria e que estabelecem uma interação com as ruas, definindo ambientes que são convidativos para as pessoas caminharem, pedalarem e terem convívio social.

O ponto de partida para a ação desencadeada pelo sociólogo foram as mudanças que vêm ocorrendo em Estocolmo no último século, conforme matéria do site de notícias sueco Läget, com as formas abstratas e cores cinzas do modernismo substituindo a arquitetura clássica da capital da Suécia. Diamant argumentou em entrevista para o portal que “milhares de anos de conhecimento sobre como uma fachada deve ser feita foram transmitidos”, mas que estão tentando reinventar a roda nos complexos concretizados atualmente. Ele assinalou ainda que o seu movimento é popular e crê que o modernismo repele os indivíduos, deixa as cidades feias, não é sustentável ou agradável.

A arquiteta, pesquisadora e professora da Escola de Arquitetura do Instituto Real de Tecnologia de Estocolmo, Christina Bodin Danielssin, acrescenta que as pessoas geralmente gostam mais de casas erguidas simetricamente e com detalhes decorativos porque isso lhes parece natural. Já os prédios modernistas, frisa ela, podem ter um efeito oposto. De acordo com a professora, diferentes estudos revelam que empreendimentos altos construídos em concreto podem tornar os lugares inseguros, o que faz com que os cidadãos saiam menos de suas moradias, aumentando o risco de vandalismo e de outras ocorrências. Christina pondera que os indivíduos deveriam contar com áreas que os estimulem a frequentar e permanecer nelas e a se mover pelas localidades.

De outro lado, o arquiteto Torleif Falk, também da capital sueca, disse ao Läget que cada ser humano prefere um estilo de edificação e que o mais relevante é que ela seja integrada ao seu entorno. Para ele, uma construção deve ser pensada com base nas condições do espaço em que ela será erguida e que o excitante da arquitetura é que ela expressa a história e o tempo em que se vive. “Hoje, ela reflete, entre outras coisas, uma economia racional”, sustentou.

Municípios divididos pela atividade e dependentes dos veículos, as principais críticas ao modernismo

Funcionais e padronizados, assim deveriam ser as cidades no conceito da escola modernista, que teve o seu auge entre as décadas de 1930 e 1960, mas que segue até hoje influenciando projetos arquitetônicos e urbanísticos e planos diretores. Essas duas características são também os aspectos mais criticados desse movimento. O legado dessa maneira de enxergar as localidades são traços comuns em muitos municípios brasileiros e de outros países, como a separação rígida entre habitação, trabalho, lazer, serviços, comércios, educação e saúde, largas avenidas que cortam a paisagem urbana, espraiamento do território e a priorização dos carros no planejamento das regiões em vez das pessoas.

Os problemas provocados por essa maneira de desenhar os ambientes vão desde o maior tempo gasto nos deslocamentos, os engarrafamentos constantes, a falta de incentivo para a utilização de outros meios de locomoção – como o transporte público, a bicicleta e caminhar –, até a elevação das emissões de gases de efeito estufa, poluição do ar e sonora e impacto na saúde e bem-estar da população, como detalha reportagem do Somos Cidade. Os municípios modernistas, que deveriam operar como máquinas, não levavam em conta os indivíduos e suas necessidades reais, pontuam os seus críticos.

Os subúrbios norte-americanos e as cidades-dormitório do Brasil são alguns exemplos dos efeitos da aplicação dos princípios dessa escola, sobrecarregando e deixando mais caro e menos eficientes a distribuição e a oferta de serviços básicos, como água, transporte, tratamento de esgoto e energia. Sem ornamentos, com formas básicas e composições assimétricas – como as edificações combatidas pelo grupo idealizado por Michael Diamant –, as construções modernistas seguiam cinco elementos-chave, que foram apresentados, no início dos anos 1920, em manifesto do arquiteto, urbanista, pintor e escultor de origem suíça Le Corbusier (um dos nomes mais importantes desse movimento), relata matéria da revista Architectural Digest.

São eles: utilização de pilotis (ou pilares) reforçados para a circulação no piso térreo e para dar lugar para automóveis ou jardins, o que acaba afastando os cidadãos que passam pela rua dos prédios; desenho livre da planta baixa – basicamente uma planta aberta, com remoção de divisórias estruturais que permitem maior versatilidade aos espaços internos –; janelas horizontais ao longo das fachadas; jardim no telhado e desenho livre da fachada (a estrutura é separada das paredes, possibilitando mais flexibilidade para janelas e aberturas).

Entre as medidas que vêm sendo adotadas por diversas localidades para reverter os reflexos do modernismo nas cidades destacam-se o uso misto nos empreendimentos e a reaproximação das residências às oportunidades de emprego, diversão e do comércio e serviços. Além disso, pode ser estimulado o emprego de fachadas ativas, que viabilizam a conexão e interação entre as áreas internas e externas dos complexos, com lojas, cafeterias e outras comodidades no térreo, em vez dos pilotis e dos recuos. Outra solução é a alteração no foco na definição sobre os sistemas de mobilidade, tirando o protagonismo dos veículos e investindo mais na multiplicidade de formas para as pessoas realizarem seus trajetos, na conexão entre eles e no foco nos pedestres.

Design dos municípios afeta também interações entre os indivíduos e a saúde mental

As decisões tomadas no planejamento das localidades impactam ainda a vida social e as conexões que as pessoas fazem nos ambientes urbanos, fator significativo quando se fala em saúde mental. Ao posicionar separadamente as diversas atividades que fazem parte da rotina dos seres humanos, como prega o modernismo, as interações nos espaços públicos e nas ruas diminuem. Segundo o Centro de Desenho Urbano e Saúde Mental (UD/MH), as cidades estão associadas a taxas mais altas de problemas nesse campo em comparação com as zonas rurais: um risco cerca de 40% superior de casos de depressão, mais de 20% de ansiedade e de 50% de esquizofrenia, assim como de mais solidão, isolamento e estresse.

O crescimento desses índices nos municípios, informa o UD/MH, está relacionado a várias razões, sendo os ambientes urbanos uma delas. A maneira como os lugares são pensados e edificados pode elevar os estímulos ou eliminar os fatores de proteção, como, por exemplo, menor contato com a natureza, com pontos para a prática de exercícios e menos tempo para o lazer à medida que os cidadãos ficam mais horas do seu dia em escritórios e nos deslocamentos entre suas casas e o trabalho.

Conforme a organização, já há muitas pesquisas sobre como a concepção das localidades pode melhorar a saúde dos indivíduos, diminuindo doenças pulmonares, cardíacas e a obesidade. No entanto, ainda faltam mais estudos sobre a sua influência na saúde mental. Nesse sentido, o UD/MH efetuou um levantamento para auxiliar arquitetos, planejadores urbanos, desenvolvedores e legisladores na criação de iniciativas privadas e de espaços públicos nas cidades que promovam o bem-estar de todos. Um dos principais elementos indicados para isso é o maior contato com áreas verdes. Ambientes naturais nos bairros e na rotina diária das pessoas reduzem a depressão, o estresse, melhoram o humor e o funcionamento cognitivo e social.

A idealização de regiões para a atividade física e para a socialização são outras recomendações da organização para que as comunidades e os espaços coletivos possam colaborar na promoção da saúde mental de seus usuários e moradores. O incentivo à mobilidade ativa – com lugares qualificados para andar a pé e pedalar –, diminuição da velocidade dos carros, instalação de circuitos de caminhadas em parques ou academias ao ar livre e o uso misto do solo, com a implementação de habitações perto de escolas, lojas e de empregos, e bairros compactos também motivam os indivíduos a se movimentarem e a interagirem mais.

A segurança é outro aspecto fundamental para o bem-estar da população salientado pela organização. Sensação essa que pode ser transmitida pelo incremento da vigilância natural (com projetos que permitam ver as pessoas das janelas e que estimulem a circulação em várias horas do dia, os “olhos da rua”, como definiu a escritora e jornalista Jane Jacobs) e ainda pelos limites claros entre regiões públicas e privadas e pela conservação dos ambientes, mantendo-os limpos e com a infraestrutura adequada para continuarem a ser usados.

Seja o primeiro a receber as próximas novidades!

    Não fazemos SPAM. Você pode solicitar a remoção do seu email a qualquer tempo.