crise climática

Responsáveis por mais de 70% das emissões de CO2 no mundo, as localidades são parte do problema e também das soluções para enfrentar a crise climática. Repensar as leis de uso e ocupação do solo e permitir densidades maiores são algumas das iniciativas que podem ajudar a mitigar os impactos do aquecimento global.

As enchentes de maio deste ano que atingiram 478 dos 497 municípios do Rio Grande do Sul, afetaram cerca de 2,4 milhões de pessoas e resultaram em 176 mortes – na pior crise climática da história do estado – em conjunto com o recorde de incêndios florestais, ondas de calor e seca no País evidenciam a urgência de encontrar mecanismos para diminuir as emissões de gases de efeito estufa e os seus reflexos no meio ambiente. Reavaliar a maneira como as cidades se desenvolvem e as regras que determinam o que pode ser construído, onde e como e adensar as regiões são algumas estratégias apontadas para assegurar um futuro mais sustentável para todos.

A política de uso e ocupação do solo deveria ser uma prioridade para ativistas ambientais, tomadores de decisão e agentes financiadores por ser uma ferramenta essencial para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, defende Alex Brennan, diretor-executivo da Futurewise, organização sem fins lucrativos que atua na criação de comunidades mais habitáveis, em artigo para o The Urbanist. Essas normas abrangem desde o zoneamento, licenciamentos, códigos de edificação, padrões de desenho de ruas, preservação de prédios históricos e de espaços verdes, entre outras leis, e moldam o formato e o tamanho das localidades.

Os municípios são, atualmente, responsáveis pela geração de mais de 70% das emissões de CO2 do planeta, segundo o estudo “Effects of changing population or density on urban carbon dioxide emissions (Efeitos da mudança populacional ou da densidade nas emissões urbanas de dióxido de carbono)”, publicado na revista Nature. Baseados em dados sobre as cidades dos Estados Unidos, os pesquisadores calcularam que um aumento de 1% na densidade em uma localidade de em torno de 10 mil moradores está ligada a uma queda de 0,42% nas suas emissões. Por sua vez, a mesma alteração em um município com mais de 1 milhão de residentes pode ter uma diminuição de 0,56% no gás carbônico produzido.

Com o adensamento das áreas urbanas é possível enfrentar algumas das principais fontes de poluição ambiental, como, por exemplo, a dependência dos veículos para fazer a maioria dos deslocamentos. Brennan destaca que diferentes levantamentos realizados nas cidades norte-americanas indicam que quem vive em regiões centrais dirige menos que os indivíduos que estão nos subúrbios. Ele detalha que nas localidades onde há mais pessoas aglomeradas em densidades elevadas, os índices de quilômetros percorridos pelos automóveis são baixos. Enquanto que nos bairros mais espraiados esses parâmetros são maiores.

O sistema mundial de transporte responde hoje por 15% das emissões globais de gases de efeito estufa, uma parcela que vem crescendo ano a ano, salienta artigo do instituto de pesquisa WRI Brasil. Dentro desse segmento, o transporte rodoviário foi a origem de 71% dessas emissões, em 2019. O adensamento de comunidades com infraestrutura já estabelecida é uma das alternativas para reduzir as viagens de carro, uma vez que ele possibilita reunir um número maior de habitantes e usuários em um espaço menor, aproximando moradia, trabalho, lazer, serviços, comércio e áreas verdes. Com isso, outras formas de mobilidade podem ser incentivadas, como caminhar, pedalar e utilizar o transporte público.

O diretor-executivo da Futurewise acrescenta que não é somente a oferta de outras opções que afetam as escolhas sobre como os indivíduos fazem os seus trajetos diários. A qualidade dos ônibus, trens e metrôs, a estrutura disponibilizada no seu entorno e a conexão entre os distintos meios de locomoção também auxiliam na queda do uso dos veículos e, consequentemente, na menor emissão de gases de efeito estufa. Outro ponto reforçado por Brennan é que os custos de condução e de propriedade de um automóvel, assim como o rendimento dos cidadãos, são outros fatores que influenciam essa decisão.

Além disso, complementa o artigo do WRI Brasil, os sistemas de transporte precisam ser seguros, modernos, de baixo carbono, acessíveis física e financeiramente e focados em melhorar a saúde das pessoas. Dessa maneira, mais indivíduos deixarão seus carros na garagem, colaborando ainda para diminuir os congestionamentos e a poluição sonora e estimular a prática de exercícios e o bem-estar da população. Paralelamente ao adensamento, os municípios podem elaborar outras medidas para tirar o protagonismo dos veículos nas ruas. Entre elas estão o aumento dos preços dos estacionamentos, taxação dos engarrafamentos e definição de impostos sobre os combustíveis, cita o instituto de pesquisa.

Residências multi e unifamiliares e seus impactos no consumo de energia e produção de gases de efeito estufa

Junto ao benefício do menor uso dos automóveis, as regiões mais densas evitam a expansão das cidades e o incremento do tempo gasto nos percursos, contribuem para a manutenção de ambientes verdes e reduzem o consumo de energia. Conforme o diretor-executivo da Futurewise, Alex Brennan, depois dos transportes, a segunda maior fonte de emissões de gases de efeito estufa nos Estados Unidos é a geração de eletricidade, seguida pelo uso de energia em prédios.

Ele explica que a utilização de energia varia muito de acordo com o tipo de construção. Em uma casa unifamiliar, exemplifica o diretor-executivo, toda a sua área fica exposta ao ar livre, já em um edifício ou em habitações geminadas há menos partes a serem isoladas termicamente. Isso significa, descreve Brennan, que estruturas multifamiliares são mais eficientes energeticamente do que as unifamiliares. Ele pondera ainda que é preciso prestar atenção ao carbono incorporado nos prédios, nas estradas e em outras infraestruturas que servem a esses empreendimentos, e que as moradias unifamiliares (presentes principalmente em subúrbios e lugares mais distantes dos centros) precisam muito mais estradas para fazer a conexão com outras partes das cidades.

Para entender melhor a relação entre a densidade urbana e a energia consumida nos edifícios, um estudo verificou como essa combinação pode ajudar na queda da demanda para aquecer e resfriar as construções. A equipe de pesquisadores do levantamento “Global scenarios of urban density and its impacts on building energy use through 2050 (Cenários globais de densidade urbana e seus impactos no uso de energia em prédios até 2050)” analisa que se as localidades incluírem agora em seus planejamentos layouts mais densos, existe a oportunidade de diminuir significativamente a quantidade de energia que os empreendimentos vão precisar, bem como as emissões de CO2 que serão geradas para isso.

Entre os resultados apurados pelo estudo, que foi divulgado na revista científica PNAS, foi identificado que aliar o desenvolvimento urbano compacto (mais adensado e menos espraiado) à tecnologia de eficiência energética pode limitar a 7% a elevação do consumo energético para deixar os espaços internos mais quentes ou frios até 2050. Já em um cenário com municípios que têm seus territórios expandidos e não investem em inovação, esse crescimento pode chegar a 40% no mesmo período.

Os autores argumentaram ainda que o elemento positivo da densidade sobre a economia de energia está ligado ao fato de que em regiões mais adensadas as pessoas vivem, geralmente, em apartamentos menores, gastando menos recursos para aquecer ou refrescar os cômodos de suas residências. Isso sem falar nas vantagens já mencionadas de diminuir a circulação de carros nas ruas e impulsionar os indivíduos a serem mais ativos, transformando o andar a pé e o pedalar em um costume.

Os pesquisadores concluíram também que a densidade, associada a outros itens do planejamento das cidades, determina as condições ambientais dos lugares, como a qualidade do ar, acesso a áreas verdes e o quão caminhável são as localidades, condições importantes para o bem-estar dos seus habitantes. Eles assinalaram ainda que, com o aumento das extensões urbanas e da população nos municípios – 68% da população mundial deve viver em espaços urbanos nos próximos 26 anos –, a maneira como as cidades são configuradas espacialmente será relevante para a queda do consumo de energia e das emissões de gases de efeito estufa, com reflexos representativos para a sustentabilidade do planeta.

Manutenção dos ambientes verdes nas localidades e sequestro de carbono

A revisão das atuais políticas de uso e ocupação do solo pode colaborar em mais um aspecto na missão de diminuir as emissões de gases de efeito estufa: assegurar o sequestro natural de carbono, sustenta o diretor-executivo da Futurewise, Alex Brennan, em artigo para o The Urbanist. Ao permitir o adensamento de bairros já constituídos e com infraestrutura, a necessidade de ampliação do território dos municípios para atender às necessidades de moradia, serviços e transporte é mitigada e mais áreas rurais e verdes são preservadas.

Quando protegidas e devidamente administradas, afirma Brennan, as florestas, zonas úmidas, pastagens e plantações retiram carbono da atmosfera, contribuindo para reduzir as emissões de CO2 e os impactos das mudanças climáticas. No entanto, ao cortar árvores e preencher regiões costeiras, por exemplo, esse processo é interrompido e seus benefícios também. Levantamento publicado no ano passado na revista Nature Climate Change reforça que, ao incorporar a natureza em centros urbanos, dezenas de cidades europeias poderão zerar suas emissões líquidas de dióxido de carbono na próxima década, ressalta reportagem da revista Galileu.

Além da manutenção dos espaços verdes, a inclusão de praças, parques, jardins e paisagismo natural no planejamento de lugares centrais auxilia no combate ao aquecimento global e no controle da poluição. O estudo, efetuado por especialistas da Suécia, Estados Unidos e da China, recomendou soluções para potencializar os processos naturais de sequestro de carbono em 54 localidades da Europa. A expectativa é que a união de diferentes ações possa diminuir a quantidade de CO2 lançado à atmosfera em 17,4%.

Entre as iniciativas sugeridas, de acordo com a revista, estão o incentivo à agricultura urbana, implementação de pavimentos permeáveis, preservação dos habitats naturais e a concepção de áreas para caminhadas e ciclismo. Os autores da pesquisa acreditam que esses mecanismos e estruturas verdes funcionam como reforços positivos para a adoção de hábitos de menor impacto ambiental, como a redução da utilização de veículos e do consumo de energia nos prédios. Para Berlim, a recomendação do levantamento é a priorização de edifícios verdes, estratégia que poderia significar uma queda nas taxas de emissão de carbono de em torno de 6% para as residências, 13% na indústria e 14% nos transportes.

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