Mais de 3,2 mil óbitos ocorrem por dia no planeta por causa de acidentes de trânsito, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Para diminuir esse índice, localidades estão tornando suas ruas mais amigáveis às pessoas, mudando o foco do planejamento dos municípios dos carros para os pedestres.
Com uma população de cerca de 58 mil habitantes, Hoboken, em Nova Jersey (EUA), não registra mortes no tráfego desde janeiro de 2017. A maneira encontrada pela cidade para alcançar esses resultados envolveu alterações no desenho das vias públicas, aumento das áreas para caminhar e pedalar e engajamento dos moradores na transformação da cultura centrada nos veículos. Muitas dessas ações são acessíveis financeiramente e fáceis de serem implementadas por outras localidades do mundo, que também querem reduzir os sinistros verificados em suas ruas.
Entre 2014 e 2018, Hoboken teve 4,5 mil acidentes de trânsito e três óbitos, detalha reportagem da Bloomberg. Mesmo com os baixos índices, se comparados com lugares como, por exemplo, a sua vizinha Nova York, município que fica do outro lado do rio Hudson, que contabilizou mais de 200 falecimentos no tráfego em cada um dos anos desse intervalo de tempo, a cidade do estado de Nova Jersey assumiu o compromisso, em 2019, de eliminar as mortes e os feridos nas suas vias até 2030, somando-se à campanha global Visão Zero.
Aplicado pela primeira vez na Suécia, na década de 1990, o Visão Zero (Vision Zero, do original em inglês) é uma estratégia que tem como objetivo acabar com óbitos e machucados graves no tráfego e melhorar a mobilidade segura, sustentável e equitativa para todos. Após ter apresentado um retorno positivo em diversas localidades da Europa, a medida agora está se disseminando por municípios norte-americanos – mais de 50 cidades dos Estados Unidos já se juntaram à iniciativa, entre elas Seattle, São Francisco, Los Angeles, Santo Antônio e Denver, como destaca a organização da campanha naquela nação.
Todos os anos, em torno de 43 mil indivíduos perdem a vida em ocorrências de trânsito nos Estados Unidos, aponta matéria da Fast Company. O país ocupa a 41ª posição em taxa de mortalidade no tráfego entre 49 nações de alta renda, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS). Ainda conforme o órgão, no ano passado, 1,19 milhão de mortes no trânsito foram averiguadas no planeta. O Relatório Mundial sobre a Situação da Segurança Viária da OMS, publicado em 2023, revela que mesmo com uma pequena diminuição de 5% entre 2010 e 2021 nos falecimentos no tráfego, eles continuam sendo a principal causa de óbito de crianças e jovens de cinco a 29 anos. Os números apurados pela organização mostram também que mais de 3,2 mil pessoas perdem a vida por dia no globo devido aos sinistros nas ruas.
Além dos impactos emocionais e econômicos nas famílias e comunidades, esse cenário traz outros reflexos para as localidades, como a elevação dos custos pagos pelo governo e, consequentemente, por todos os contribuintes. Um levantamento realizado pelo aplicativo Gringo, que auxilia motoristas com serviços relacionados aos seus automóveis, como multas e impostos, em parceria com o Centro de Liderança Pública, descobriu que o custo estimado no Brasil com os falecimentos no trânsito é de aproximadamente R$ 20 bilhões anualmente, relata reportagem do jornal O Estado de São Paulo.
No final de dezembro do ano passado, o Ministério da Saúde disponibilizou dados do Sistema de Informações de Mortes de 2022, que registrou 33.894 óbitos no tráfego no País, um crescimento de 81 casos em comparação com as informações de 2021, assinala artigo do Observatório Nacional de Segurança Viária. O maior aumento percentual ocorreu na região Norte do Brasil, com 7,61%. Já no Sudeste, houve uma diminuição dessas ocorrências, com uma variação de – 3,73%. Outros dados salientados pelo Observatório são que a maioria das vítimas é do sexo masculino, representando 83% dos falecimentos nas vias públicas, e que a faixa etária com as taxas mais elevadas é a de 20 a 24 anos.
Todas essas informações de diferentes nações comprovam a urgência de promover modificações nos municípios para reverter esse panorama. Nesse sentido, o Visão Zero – que está alinhado com as metas da Década de Ação Pela Segurança no Trânsito 2021-2030 da OMS, que pretende prevenir, pelo menos, 50% das mortes e lesões no tráfego em uma década – é uma das ferramentas que pode contribuir nessa missão. Entre as estratégias propostas para as cidades pela campanha está a redução das velocidades, o investimento em medidas para acalmar o trânsito, o incentivo ao uso da bicicleta e mais caminhadas e a participação dos residentes.
Menos carros e mais espaços para os pedestres e ciclistas
Desde que adotou o plano Visão Zero, Hoboken desencadeou várias iniciativas que vêm transformando suas ruas. O prefeito local, Ravi Bhalla, tem feito mudanças que colaboram para que, desde que ele assumiu o cargo, em 2017, nenhum óbito no tráfego tenha ocorrido, como a pintura e repavimentação de faixas de pedestres para facilitar a sua visibilidade e aumentar a segurança nos ambientes urbanos. Outra ação foi a instalação de um sistema de compartilhamento de bicicletas, em 2021, que até o verão do ano passado somou mais de 850 mil viagens. Hoje, quase metade das vias públicas do município possuem ciclovias, acrescenta a matéria da Bloomberg.
Outra alteração significativa foi a diminuição do limite de velocidade em toda a cidade de 48 quilômetros por hora (30 milhas por hora) para 32 quilômetros por hora (20 milhas por hora), complementa artigo do Jalopnik, site especializado no universo automotivo e do transporte. Segundo a publicação, o índice de sobrevivência em atropelamentos causados por veículos circulando a 48 quilômetros por hora é de 80% e passa a ser de mais de 93% quando eles se deslocam a 32 quilômetros por hora. No entorno das escolas e parques, Hoboken reduziu ainda mais esses parâmetros: 24 quilômetros por hora. A justificativa para isso é que nessas áreas há uma movimentação maior de crianças e de idosos.
A administração local também instalou mais de 40 extensões de meio-fio para afastar os carros dos cruzamentos para que tanto motoristas como pedestres e ciclistas tenham uma boa visão do trânsito e concluam seus percursos com segurança. O prefeito Bhalla explicou à Bloomberg que, de acordo com a lei, o estacionamento de automóveis deve ficar a cerca de oito metros de distância do ponto de encontro das vias públicas. Conhecida como “daylighting” nos Estados Unidos (“iluminação natural”, em tradução livre do inglês), essa norma de segurança viária é uma melhoria simples de remoção de barreiras visuais que torna mais fácil ver todos os usuários em um cruzamento, descreve artigo da agência de Transporte Municipal de São Francisco (SFMTA).
Ao converter uma vaga para veículos perto da faixa de pedestres em um meio-fio ampliado, pintado com cores chamativas ou com outros elementos para impedir o acesso dos carros, quem irá cruzar a pé ou pedalando o cruzamento pode enxergar bem os automóveis se aproximando. E, por sua vez, os condutores conseguem ver com clareza se há alguém na esquina esperando para atravessar a rua. Simples e barata, a solução já é utilizada em lugares como Portland e Nova York, assim como em Hoboken. A “iluminação natural” está sendo empregada ainda nos cruzamentos mais movimentados de São Francisco.
Bhalla disse em entrevista para a Bloomberg que a extensão das calçadas para esse propósito pode ser feita de uma maneira esteticamente agradável e de baixo custo, com a colocação de um bicicletário, de postes de amarração (barreiras físicas, como os frades) ou de vegetação, como jardins de chuva, que ajudam a minimizar os problemas causados por enchentes e alagamentos e a prevenir atropelamentos. Essas estruturas, ressalta reportagem do jornal O Estado de São Paulo, absorvem a água da chuva que escoa de telhados, pátios, calçadas e ruas e a retém de 12 horas até 48 horas. Elas permitem ainda que 30% mais água penetre no solo em comparação com os gramados convencionais.
Envolver os cidadãos na mudança de cultura é desafio para ter vias mais seguras
A adesão dos habitantes de Hoboken foi um dos primeiros passos dados pela prefeitura local para que a meta de eliminar os falecimentos no trânsito seja atingida até 2030. Ravi Bhalla comentou na conversa com a Bloomberg que para isso foi criado um grupo de trabalho Visão Zero que reuniu distintos públicos interessados nessa alteração, como moradores, engenheiros, planejadores urbanos e profissionais do setor de segurança pública para identificarem estratégias para qualificar o tráfego no município e diminuir os acidentes e deixar a cidade mais preparada para os indivíduos andarem a pé, de bicicleta e circularem até os seus destinos diários.
O processo, que teve início em 2019, levou cerca de dois anos para começar efetivamente a realização de algumas das recomendações sugeridas para o Visão Zero de Hoboken. O prefeito afirmou também que, assim como outras localidades norte-americanas, o município do estado de Nova Jersey foi projetado com os veículos no centro das decisões e que modificar essa cultura e conseguir o engajamento da comunidade, vencendo resistências, foi um desafio. Muitos residentes se posicionavam contra a ampliação dos meios-fios em seus bairros, mesmo que isso tornasse essas regiões mais seguras, contou Bhalla.
O gestor público enfatizou que as medidas foram sendo concretizadas aos poucos, aproveitando todas as oportunidades para promover melhorias previstas no plano de Visão Zero. Um exemplo dado por ele é que quando a prefeitura faz o recapeamento rotineiro das vias, já avalia o quarteirão como um todo e o que pode ser implementado naquele espaço, como faixas de pedestres de alta visibilidade ou a extensão do meio-fio, atividades que podem ser efetuadas com apenas um “balde de tinta”.
Para estimular que mais habitantes optem por caminhar, pedalar ou usar o transporte público, é preciso que as localidades ofereçam alternativas eficientes. Em Hoboken, exemplifica Bhalla, uma ciclovia protegida foi construída para possibilitar que os moradores pudessem ir e voltar Jersey City com segurança. A mesma iniciativa deve ser adotada para conectar o município a outras áreas. “A ideia por trás do Vision Zero é realmente mudar o cenário, fazer de Hoboken uma localidade focada nas pessoas e, especialmente, nos pedestres e ciclistas”, frisou.
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