cidades caminháveis

Os espaços urbanos exercem uma forte influência sobre os indivíduos, afetando desde a maneira que eles se apropriam das cidades e se locomovem por elas até o seu bem-estar físico e mental. Novos estudos enfatizam a relação entre a oferta de locais apropriados para andar a pé e a redução de casos de algumas doenças.

Uma atividade democrática, que pode ser feita pela maioria das pessoas, a caminhada traz uma série de benefícios para a saúde de seus praticantes e ainda permite a eles uma interação mais intensa com os seus bairros e municípios, estabelecendo laços com vizinhos e um senso de comunidade. Mas, nem sempre os ambientes urbanos são propícios para isso. A lógica seguida por muitas cidades até hoje de priorizar os carros em vez dos indivíduos em seus planejamentos dificulta o deslocamento dos residentes a pé, de bicicleta e até mesmo de transporte público. Além disso, regiões onde o uso misto não é liberado acabam afastando a habitação do trabalho, comércio, serviços e lazer, fazendo com que mais pessoas dependam de seus veículos.

A importância de áreas caminháveis na qualidade de vida vem sendo investigada cada vez mais e foi abordada recentemente em pesquisa divulgada pela revista Endocrine Reviews, da Sociedade de Endocrinologia – organização médica internacional. O levantamento, publicado em 2022, verificou a associação entre os espaços construídos e casos de obesidade e diabetes. Os autores descobriram que, em geral, os indivíduos que moram em bairros onde é mais fácil andar a pé, e que estão próximos a parques, praças e a outras alternativas de lazer ao ar livre, são mais ativos e menos propensos a terem essas doenças.

A oferta de lugares adequados para caminhar, com a presença de calçadas largas, ambientes verdes, iluminação, segurança e mobiliário urbano dispostos pelos trajetos, estimula que mais pessoas deixem seus automóveis em casa e optem por novas formas de mobilidade. Isso possibilita também, conforme matéria da revista de ciências e saúde Knowridge, que uma parcela maior da população inclua um exercício físico em seu dia a dia de um jeito mais simples, sem precisar de programas estruturados ou ir a uma academia.

Os pesquisadores revisaram outros estudos efetuados nesse campo e apuraram que a prevalência de obesidade entre adultos que vivem em comunidades com infraestrutura aprimorada para os seus habitantes andarem a pé, em comparação com aqueles que residem em bairros que apresentam menos recursos para a caminhada, foi de 43% e de 53%, respectivamente. Eles observaram ainda que a incidência de pré-diabetes foi 20% mais elevada entre indivíduos que moram em regiões menos transitáveis. Para chegar a esse resultado, os participantes do levantamento foram acompanhados durante oito anos.

Na literatura analisada pelos autores, eles averiguaram também que existe uma probabilidade de 30% a 50% maior da diabetes se desenvolver entre pessoas que vivem em áreas com pouca circulação de pedestres em comparação com espaços onde há uma movimentação intensa. Os pesquisadores afirmaram ainda que os lugares com menor presença de fast foods, menos poluição no ar e mais perto de ambientes arborizados foram relacionados a um risco diminuído de diabetes e obesidade. Eles acrescentaram que diferenças sistemáticas no design e nos recursos dos bairros podem colaborar para aumentar as desigualdades sociais e raciais estruturais na saúde.

Compreender como o desenho das localidades pode refletir no bem-estar físico e mental de seus habitantes é fundamental para o planejamento de regiões mais preparadas para responder às necessidades de seus residentes e para disponibilizar áreas que promovam a qualidade de vida. No País, por exemplo, o diabetes atinge, atualmente, 10,2% da população, segundo informações do estudo Vigitel Brasil 2023 (Vigilância de Fatores de Risco para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), monitorado pelo Ministério da Saúde, detalha reportagem da Agência Brasil. Isso significa que cerca de 20 milhões de indivíduos têm diabetes no País, de acordo com a Sociedade Brasileira de Diabetes.

Já no que se refere à obesidade, 24,3% dos adultos do País são obesos, percentual que chega a 32,6% entre homens de 45 a 54 anos, também conforme a Vigitel 2023. Por outro lado, a menor proporção foi encontrada entre mulheres de 18 a 24 anos, com um índice de 11,8%, descreve matéria do jornal O Globo. Os dados revelam que, considerando a população adulta brasileira, uma pessoa a cada quatro vive com essa doença. No planeta, essa proporção é de um indivíduo a cada oito, totalizando mais de 1 bilhão, segundo levantamento divulgado pela revista científica The Lancet e apoiada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Pesquisas avaliam efeitos dos espaços caminháveis na redução de alguns tipos de câncer

Diminuir a pressão arterial, perder peso, auxiliar no combate à depressão e melhorar a memória são algumas das vantagens mais conhecidas de andar a pé. Porém, um artigo da Faculdade de Medicina da Universidade de Harvard (EUA), publicado em dezembro de 2023, agregou novos impactos de caminhar no bem-estar de seus praticantes. Profissionais da instituição investigaram 32 genes que desencadeiam a obesidade em mais de 12 mil pessoas e verificaram que os participantes do estudo que andaram rapidamente por cerca de uma hora por dia tiveram os reflexos desses genes reduzidos pela metade.

Eles descobriram também que caminhar pode minimizar o desejo por doces ou de fumar, aliviar as dores causadas por artrite e elevar a imunidade, como ressalta reportagem do Metrópoles. Um levantamento com mil voluntários apurou que aqueles que andavam pelo menos 20 minutos diariamente, cinco dias da semana, no mínimo, tinham 43% menos dias de gripes e resfriados do que quem fazia o exercício uma vez por semana ou menos. Outro aspecto observado no artigo é que os indivíduos que caminhavam apresentaram sintomas mais leves e ficaram doentes por menos tempo.

Bairros mais densos, com uma variedade de comodidades – como lojas, supermercados, cafeterias, escolas e serviços, por exemplo – e onde andar a pé é mais acessível estão ainda associados a menores taxas de câncer ligados à obesidade em mulheres, como o de mama na pós-menopausa, ovário, pâncreas, colorretal e mieloma múltiplo, indica análise realizada pela Universidade de Nova York (EUA) e divulgada no ano passado. A autora principal do relatório e pesquisadora da Escola de Medicina Icahn, em Nova York, Sandra India-Aldana, disse ao The Guardian que “melhorar os ambientes construídos pode incentivar hábitos saudáveis que protegem as pessoas de doenças relacionadas à obesidade”.

O estudo, que saiu na revista Environmental Health Perspectives, demonstrou que mulheres que moravam em comunidades que eram mais acessíveis a pé – capacidade que foi medida através da densidade populacional e da facilidade de chegar aos principais destinos – possuíam até 26% menos probabilidade de desenvolver algum tipo de câncer associado à obesidade. A explicação para isso está na conexão que há entre a disponibilidade de mais lugares para caminhar e o estímulo que isso gera para que mais indivíduos passem a andar a pé ou de bicicleta, tornando-se mais ativos e com isso afastando o sedentarismo e diminuindo o surgimento de algumas doenças.

Uma das conclusões do levantamento é que a ligação entre a capacidade de caminhar em um bairro e o risco geral de câncer relacionado à obesidade foi mais forte entre mulheres que vivem em comunidades com níveis mais altos de pobreza em comparação com mulheres que residem em regiões com infraestrutura mais qualificada e renda mais alta. A pesquisadora de Saúde Pública da Universidade de Michigan (EUA), Roshanak Mehdipanah, reforçou ao jornal que quando há investimento em áreas onde se pode andar a pé, não se está idealizando apenas calçadas mais adequadas, mas melhorando iniciativas de segurança e proteção das pessoas.

Caminhar pelos municípios e por espaços verdes também traz benefícios sociais e para a felicidade dos habitantes

Combinado dados de acessibilidade e estética dos bairros, obtidas através do Google Street View, a informações de saúde do Utah Population Database, que conecta históricos familiares a estatísticas demográficas e médicas, um grupo de pesquisadores dos Estados Unidos analisou como o ambiente edificado influencia o bem-estar de irmãos e gêmeos. Liderado pela Universidade de Maryland (UMD) e com a participação das Universidades de Utah e do Alabama, o estudo averiguou que irmãos que moram em lugares com características distintas – um deles vive em uma região com boas calçadas e áreas verdes e o outro está cercado por rodovias e linhas de energia, por exemplo – tendem a ter resultados de saúde diferentes.

As irmãs gêmeas e professoras associadas de Epidemiologia e de Bioestatística da UMD, Quynh e Thu Nguyen, examinaram – junto a uma equipe de profissionais – registros de cerca de 2 milhões de indivíduos, incluindo 1 milhão de irmãos e 14 mil gêmeos idênticos e fraternos, e identificaram que em todas as amostras particularidades positivas dos espaços urbanos foram relacionadas a diminuições de 15% a 20% nas taxas de obesidade e diabetes, relata matéria de outubro deste ano do Maryland Today, canal de notícias da instituição de ensino.

Aproximadamente 1,4 milhão de imagens das principais ruas de Utah foram coletadas para extrair, por meio de modelos de visão computacional, características das comunidades, como presença de vegetação, calçadas e casas não unifamiliares. O levantamento enfatizou o que outros relatórios já haviam avaliado: que a existência de ambientes verdes, faixas de pedestres e o desenvolvimento de uso misto levam mais pessoas a fazerem atividade física, mudando a maneira como se locomovem por suas cidades e afetando positivamente o seu bem-estar. As irmãs Nguyen salientaram ainda que pesquisas futuras podem agregar mais dados sobre como a desigualdade de renda e de acesso a bairros desejáveis – em conjunto com particularidades modificáveis dos lugares – impactam a saúde.

Mas, a possibilidade de residir em uma comunidade caminhável não traz vantagens apenas para a redução dos casos de doenças, ela também tem efeitos sobre a felicidade e a vida social das pessoas. Um estudo concretizado em Dublin (Irlanda) no período pré-pandemia de coronavírus e publicado no jornal da Associação de Planejamento Americana descobriu que um número representativo de indivíduos é mais feliz quando mora em regiões atraentes e fáceis de serem percorridas a pé, assinala reportagem da Forbes. O líder do projeto e professor de Ciência Política e Políticas Públicas da Universidade de Galway (Irlanda), Kevin Leyden, declarou à revista que para se criar bairros mais caminháveis, as necessidades dos pedestres teriam que ser priorizadas em relação aos carros. Ele e os coautores do trabalho argumentaram que a inclusão dos veículos foi uma decisão das localidades que deveria ser revertida.

O levantamento destaca também que amenidades espalhadas pelos municípios devem estar a uma curta distância do transporte público. De acordo com a pesquisa, os entrevistados que residem em comunidades com baixa acessibilidade a pé tendem a relatar que o transporte coletivo é difícil de ser usado em suas áreas. Os autores frisaram ainda que a construção de novos bairros caminháveis podem apoiar as interações sociais, melhorar a saúde e a qualidade de vida diária.

A experiência urbana pode ser aperfeiçoada – e muito – quando há espaços que permitem andar a pé para efetuar diversas atividades, aponta artigo do Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). Além dos benefícios para o bem-estar físico e mental, a publicação cita outras vantagens desses ambientes nas cidades, como promover a convivência social e a formação de laços entre vizinhos. Um estudo listado pelo jornal afirma que pessoas que moram em ruas com trânsito leve e lento têm três vezes mais amigos entre aqueles que residem perto do que aquelas que habitam imóveis próximos de vias movimentadas.

Outro ponto ressaltado é que comunidades que colocam o foco nas caminhadas ajudam a diminuir a velocidade do tráfego e, com isso, minimizar os acidentes. O artigo observa que em bairros onde andar a pé é fácil existe um sentimento de pertencimento maior e de identidade do lugar, há um incentivo às iniciativas culturais e artísticas, com os indivíduos ocupando as vias públicas e tendo uma vivência urbana mais vibrante. Com mais pessoas circulando em horários variados há ainda uma sensação de segurança maior, o que a escritora e ativista Jane Jacobs chamou de os “olhos na rua”.

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