A importância da voz ativa daqueles que vivem diretamente o dia a dia dos bairros. Associações de bairro ou de moradores são grupos de pessoas que compartilham um vínculo territorial e se unem com o objetivo de melhorar a coletividade.

As cidades brasileiras, assim como muitas ao redor do mundo, enfrentam desafios constantes relacionados à infraestrutura, mobilidade, segurança e manutenção dos espaços públicos. É certo que o poder público desempenha um papel central na gestão e implementação de políticas urbanas que visam melhorar a qualidade de vida dos cidadãos. No entanto, a participação comunitária tem se tornado cada vez mais crucial. Nesse cenário, as associações de bairro ou associação de moradores passam a ser vistas como atores fundamentais, complementando as ações governamentais e promovendo uma gestão mais próxima à realidade das pessoas.

Jane Jacobs, em seu famoso livro “Morte e Vida de Grandes Cidades”, destacou a importância das comunidades locais para a vitalidade dos bairros. Seu trabalho enfatiza o valor da participação ativa dos moradores na preservação e gestão dos espaços urbanos. Ela defendia que os próprios moradores são os melhores guardiões de seus bairros e que a segurança e vitalidade das cidades dependem dessa participação ativa, seja por meio de vigilância natural (o conceito de “olhos na rua”) ou pela criação de redes de vizinhança.

Esse pensamento está alinhado com a ideia de que as associações de bairro, quando bem organizadas e ativamente envolvidas no processo de melhoria do ambiente urbano, podem desempenhar um papel essencial em moldar o desenvolvimento local de forma mais orgânica e adequada às necessidades da comunidade.

A importância de uma participação comunitária organizada também se reflete no conceito CPTED (Crime Prevention Through Environmental Design) ou “Prevenção de Crimes pelo Design Ambiental”. O conceito se baseia na ideia de que a maneira como os espaços são projetados, organizados e mantidos pode influenciar o comportamento das pessoas, tanto para prevenir crimes quanto para promover um ambiente mais seguro e agradável, conforme já exemplificado no artigo sobre o tema publicado pelo Caos Planejado e também no Somos Cidade. Esse conceito abrange diversos princípios, como o gerenciamento social, que se alinha diretamente ao papel das associações de bairro. Essas organizações fortalecem o senso de pertencimento dos moradores em relação ao espaço público, promovendo vigilância natural e inibindo comportamentos criminosos. Ao fomentar a cooperação entre os residentes, as associações contribuem para criar um ambiente mais seguro e organizado, com melhorias implementadas coletivamente e uma manutenção constante.

Engajamento dos moradores faz diferença?

Eu nasci e fui criada em São Paulo e sempre ouvi falar de associações de bairro ou de moradores como estruturas presentes em bairros consolidados há muito tempo, mas que nem sempre surgiram ao mesmo tempo que esses bairros. A maior parte dessas associações, no entanto, sempre me pareceu ter pouca força de atuação em ações realmente significativas. E mesmo que bem intencionadas, acabam focando mais em medidas paliativas e de impacto limitado, como por exemplo a instalação de recipientes com sacos higiênicos para pets em alguns postes da pracinha, que por sinal está sempre carente de um cuidado com a jardinagem, iluminação, etc. Enfim, raramente havia soluções que de fato transformassem os bairros e auxiliassem seus moradores.

Depois de formada como arquiteta, ao longo dos anos passei a analisar com mais cuidado a existência de associações de bairros que realmente tivessem uma atuação mais abrangente e eficaz. Posso citar como exemplo algumas delas: a Associação da Riviera de São Lourenço (“Associação dos Amigos”) em Bertioga, SP; a Associação do Pedra Branca Cidade Criativa (Associação de Moradores da Pedra Branca) em Palhoça, SC; as associações de moradores do Parque Una em Pelotas, RS e Uberlândia, MG (estas, inclusive, tive a oportunidade de me aproximar profissionalmente); além das associações dos projetos da Alphaville.

Manutenção e Segurança no Parque Una Pelotas. Fonte: Arquivo Idealiza Cidades

Essas associações têm em comum o fato de terem sido criadas e implementadas logo no início do desenvolvimento do bairro. A maior parte dos futuros moradores já compraram seus lotes, apartamentos ou casas cientes da existência de uma associação e da contribuição financeira necessária para que ela desempenhasse suas funções.

Não é objetivo deste artigo aprofundar algumas questões urbanas de bairros citados acima, como a Riviera e Alphaville, com relação a presença de muros, densidade e falta de diversidade. O ponto essencial, neste artigo, é compreender o papel fundamental que suas associações desempenham e que, de maneira bem organizada, mantém a infraestrutura do bairro sempre em dia, zelam pelos espaços coletivos e paisagismo, promovem ações a segurança e, principalmente, o engajamento dos moradores em prol de melhorias contínuas.

Manutenção na Riviera de São Lourenço. Fonte: https://blog.openmare.com.br/associacao-dos-amigos-da-riviera/. Acesso em 29/10/2024

Por outro lado, em bairros consolidados, onde as associações foram criadas muito tempo depois, a organização comunitária tende a ser mais espontânea e muitas vezes fragmentada. Enquanto que nos novos bairros planejados, principalmente aqueles desenvolvidos de acordo com o conceito defendido pela  ADIT e citados no Artigo publicado no Caos Planejado, as associações de moradores são projetadas desde o início como espaços formais de participação, gestão e deliberação coletiva. Isso faz com que suas ações tenham mais força, maior capacidade de implementação e uma interlocução mais concentrada e eficaz com o poder público.

Dentro desse conceito, bairros planejados como o Pedra Branca Cidade Criativa, Parque Una Pelotas e Parque Una Uberlândia mostram como as associações desempenham um papel transformador. Esses bairros, que são abertos, mantêm os espaços públicos sempre limpos e bem cuidados, com zeladoria em dia e equipes de segurança que complementam a segurança pública. Suas áreas públicas, permitem que os benefícios de um bairro bem mantido sejam desfrutados não apenas pelos moradores, mas por toda a cidade.

O que diz a legislação?

No Brasil, a participação comunitária na gestão dos espaços públicos e nas políticas urbanas é respaldada por diversas leis e instrumentos legais. Um dos principais é o Estatuto da Cidade (Lei Federal nº 10.257/2001), que regulamenta o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos. O Estatuto da Cidade estabelece o direito à participação popular nos processos de planejamento urbano, promovendo a gestão democrática das cidades.

Além disso, o Código Civil (Lei n° 10.406/2002) prevê a possibilidade de criação de associações civis no artigo 53 e seguintes. De acordo com esses artigos, as associações podem ser formadas por pessoas que se reúnem para fins não econômicos e têm personalidade jurídica própria.

 Benefícios diretos

As associações de bairro não apenas representam os interesses dos moradores, mas também têm a capacidade de organizar, implementar e gerir melhorias locais, indo além do que o poder público muitas vezes consegue alcançar.

As associações se, bem organizadas, com uma boa gestão financeira, boas lideranças e, principalmente, com a adesão do maior número de moradores podem eficazmente:

  • Promover a preservação do patrimônio;
  • Gerenciar a agenda cultural do bairro;
  • Reforçar o espírito de pertencimento;
  • Facilitar a interação e a conexão entre as pessoas, sendo um elo comum de comunicação;
  • Coordenar de maneira organizada a interlocução com o poder público sobre melhorias, implementações, legislação e outras mudanças;
  • Fiscalizar o cumprimento de regras e diretrizes;
  • Manter os espaços sempre cuidados e limpos, principalmente as áreas verdes, praças e parques, sem sobrecarregar o sistema de gestão pública.

Até onde vai a atuação de uma associação?

O principal ponto é que as associações são um dos atores no processo de gestão da cidade, complementando as ações do poder público. É importante ressaltar que, embora elas desempenhem um papel relevante, o protagonismo na gestão urbana deve ser a do poder público. As associações devem ser vistas como parcerias público-privadas, e não como uma sobreposição de poderes.

As associações devem estar atentas não apenas aos interesses exclusivos e privados dos moradores, mas também às mudanças que podem beneficiar a cidade como um todo, como as alterações em zoneamento, adensamento e mobilidade.

Autora: Adriana Alves

Adriana Alves é Arquiteta e Mestre em Urbanismo pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Atualmente trabalha como diretora de Licenciamento e Produto na Idealiza Cidades.

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