
Planejar comunidades compactas que facilitem a circulação a pé ou de bicicleta e que ofereçam áreas verdes contribui para a felicidade, o desenvolvimento e a mobilidade econômica de crianças e jovens. Diferentes políticas e intervenções urbanas ajudam a melhorar as localidades para todos os seus usuários.
Crianças brincando, jogando ou pedalando na rua é algo cada vez mais difícil de se ver em municípios de todo o mundo. A mudança na maneira como elas aproveitam os seus bairros é reflexo, em parte, do ambiente construído que usufruem, muitos deles sem segurança ou opções de lazer perto de suas casas, aponta o pesquisador e escritor Tim Gill em entrevista para a revista The Atlantic. Autor do livro “Parque Urbano: Como o Planejamento e o Design Adequados para Crianças podem Salvar as Cidades”, Gill começou a se interessar pelo assunto em 1994, quando passou a trabalhar com a associação hoje chamada de Play England e percebeu como a infraestrutura urbana pode impactar a infância.
A ocupação das localidades pelas crianças vem sendo gradualmente limitada há décadas. Para ilustrar essa transformação, o escritor cita um mapa que acompanha uma família por quatro gerações em Sheffield (Inglaterra). Em 1919, o bisavô, aos 8 anos de idade, podia se deslocar até um lago para pescar que ficava a cerca de 10 quilômetros de sua residência. Com a mesma idade, em 2007, seu bisneto só conseguia caminhar até o final da via onde morava – uma liberdade que um número significativo de meninos e meninas não têm atualmente, exemplifica Gill.
O relatório PlayDay 2023, das entidades Play England e Save the Children, reforça que houve uma redução no percentual de crianças que brincam regularmente na rua entre esse estudo e o primeiro, efetuado em 2013. O levantamento, feito em 2022, entrevistou também adultos, que responderam se em suas infâncias eles participavam frequentemente de atividades e brincadeiras nas vias públicas. Os resultados obtidos mostram que 80,4% das pessoas ouvidas com idades entre 55 e 64 anos disseram que sim, contrastando com o retorno positivo de apenas 27,4% das crianças pesquisadas em 2022.
O documento assinala ainda que as informações apuradas demonstram que brincar com regularidade está associado a um maior bem-estar durante a infância e a uma melhor saúde mental dos indivíduos quando forem mais velhos. Implementar estratégias de desenho urbano centradas nas crianças auxilia os municípios a idealizarem comunidades mais inclusivas, saudáveis e vibrantes para todos, disponibilizando ruas com maior segurança, espaços verdes acessíveis e serviços públicos mais qualificados, acrescenta artigo do Urban Design Lab.
Além dos efeitos na felicidade e na maior independência das crianças, projetar áreas urbanas que atendam às necessidades de socialização, diversão, aprendizagem e de contato com a natureza de meninos e meninas de diversas idades e culturas tem reflexos na saúde e no futuro sucesso econômico desse público, ressalta o diretor-executivo do Instituto de Política de Transporte de Vitória (VTPI), Todd Litman, em artigo do Planetizen. Estudo realizado em 2024 pela organização canadense de pesquisa independente verificou como a concepção de cidades focadas nos carros e a expansão urbana podem ser nocivas para a infância. Apesar de ter analisado dados dos Estados Unidos, essa é uma realidade experimentada pela maioria dos países no mundo.
Ao criar localidades onde as pessoas dependem de seus veículos para concluir tarefas diárias e ter momentos de entretenimento e que separam habitação, empregos e lazer, explica Litman, que é o autor do levantamento, há uma elevação dos riscos de acidentes de trânsito e da poluição, diminuição da utilização de outros meios de transporte e dos exercícios físicos e um incremento do custo de vida. Isso faz com que os pais que vivem em regiões dispersas gastem muito mais tempo do que aqueles que moram em bairros compactos levando seus filhos para a escola, parques, casa de familiares e outros destinos. “Famílias ricas podem arcar com esses custos, mas as de renda baixa e moderada não. Forçando os pais a trabalharem mais horas, passarem menos momentos com as crianças e não terem dinheiro suficiente para atividades que ajudem seus filhos a terem sucesso”, complementa o diretor-executivo.
Esse cenário, detalha Litman, faz com que a mobilidade econômica das crianças – que é a possibilidade de terem mais sucesso financeiro do que seus pais – seja afetada, assim como o seu bem-estar. Ele agrega também que jovens que vivem em lugares mais afastados dos centros urbanos e que precisam dos automóveis para se locomover contam com menores oportunidades de emprego e tendem a ter menos mobilidade econômica do que aqueles que residem em comunidades mais acessíveis e multimodais.
O relatório do VTPI indica que o segredo para planejar ambientes nos quais as crianças possam prosperar é construir bairros compactos, de renda mista, onde os habitantes consigam andar a pé e de bicicleta com frequência e que possuam praças, espaços verdes, escolas e creches. Litman argumenta que políticas de Crescimento Inteligente (Smart Growth), que fornecem moradias acessíveis em lugares caminháveis e de uso misto do solo, colaboram na evolução das crianças. Comunidades erguidas antes de 1940, pontua o diretor-executivo, costumam ter essas características. “Mas, um século de desenvolvimento voltado para os carros degradou municípios e criou subúrbios espalhados e segregados”, afirma.
Medidas que podem qualificar as cidades para as crianças
Mesmo com todas as vantagens que podem trazer para o período da infância e adolescência, as localidades ainda não são pensadas para esses usuários, salienta a planejadora urbana Hannah Wright na matéria do The Atlantic. Especialista em design amigável para as crianças, ela recorda que durante a rápida urbanização do século XX muitos municípios foram projetados para os indivíduos que os edificavam, ou seja, homens saudáveis que geralmente não cuidavam de seus filhos. Isso gerou, conforme Hannah, uma série de obstáculos para as crianças e os familiares responsáveis por elas, como plataformas de metrô que só podem ser acessadas por escadas, o que dificulta a utilização de carrinho de bebê, ou rotas de ônibus que não fazem sentido para quem deixa os filhos na escola a caminho do trabalho.
O pesquisador e escritor Tim Gill comenta na publicação que uma cidade ideal para as crianças seria parecida com Vauban, bairro sustentável de Friburgo (Alemanha), próximo à Floresta Negra. Ele descreve que poucos dos cerca de 5 mil residentes da comunidade possuem veículo e que um bonde e uma extensa rede de caminhos para pedalar e andar a pé foram implementados para incentivar a utilização desses transportes em vez dos automóveis. Gill observa também que a região conta com habitações multifamiliares, deixando muito espaço para a recreação e socialização, e pouco tráfego – o que dá mais liberdade para as crianças brincarem na rua. Balanços e escorregadores foram espalhados pelos ambientes, permitindo que elas circulem e convivam com os vizinhos.
O estudo do Instituto de Política de Transporte de Vitória (VTPI) reúne uma multiplicidade de iniciativas que podem auxiliar os municípios a serem melhores para as crianças, como acalmar o trânsito reduzindo as velocidades em vias locais para 30 quilômetros por hora ou menos e nas artérias urbanas para até 48 quilômetros por hora e aprimorar a infraestrutura para o deslocamento ativo, com boas calçadas e ciclovias. Essas soluções podem tanto estimular a atividade física durante a infância e adolescência como aumentar a segurança das ruas e mitigar a poluição do ar.
Outras ações recomendadas pelo levantamento abrangem a diminuição dos requisitos de estacionamento e o gerenciamento eficiente dessas vagas nas casas e creches, disponibilizar parques a uma distância de 400 metros da maioria das moradias com crianças e apoiar programas de recreação e esporte para pais e filhos. Intervenções como essas, frisa o diretor-executivo do VTPI, Todd Litman, contribuem também para a saúde, o bem-estar e a felicidade na infância e adolescência. A oferta de transporte público eficiente é mais um fator enfatizado no relatório que beneficia tanto a mobilidade como a redução dos gases de efeito estufa.
Ainda segundo o documento, promover políticas que permitem a construção de imóveis multifamiliares – com distintas tipologias – em bairros com infraestrutura qualificada e compactos tornam o acesso às residências mais fácil para famílias com rendas diversas. Assim como estratégias que impulsionem o desenvolvimento de uso misto e melhorem os serviços da comunidade, com a inclusão de escolas, praças e a idealização de lugares para que as crianças e os demais moradores possam interagir.
Já no que se refere à mobilidade econômica das crianças, a pesquisa sugere medidas que incentivem a renda e a integração racial, evitem a concentração de pobreza e apoiem a edificação de habitações acessíveis, incluindo unidades sociais e de mercado com preços moderados em bairros multimodais. O suporte a oportunidades locais de negócios e trabalho é outra prática indicada pelo VTPI, que reforça também que as crianças tendem a ser mais saudáveis e felizes em comunidades com áreas verdes abundantes. Com as mudanças climáticas e a elevação das temperaturas, o estudo destaca a necessidade de garantir que elas possam ser ativas e brincar mesmo em dias de calor extremo. Para isso, praças, playgrounds e parques devem ser projetados para dar conforto às crianças com sombras fornecidas por árvores e toldos, a utilização de materiais que não ficam excessivamente quentes sob o sol e a introdução de brincadeiras aquáticas, quando for viável.
Um lugar na Holanda onde as crianças podem se divertir livremente
O terreno de um antigo pátio de manobras da estação ferroviária de Amsterdam foi transformado em um bairro único, ao leste do centro da capital holandesa. O Funenpark foi planejado pelo escritório de arquitetura paisagística LANDLAB, em conjunto com a prefeitura municipal e outros arquitetos, em uma área de aproximadamente 40 mil metros quadrados. Com formato triangular, a comunidade possui 550 apartamentos que foram instalados em meio a um parque público com 170 árvores.
As bordas do Funenpark, que foi construído entre 1999 e 2013, são ladeadas por espaços públicos e estabelecimentos como uma creche, uma livraria e uma escola primária que fica ao lado de um playground, relata a revista The Atlantic. Lajes de cinco lados e em três tons de cinza compõem as calçadas que dão acessos aos vários ambientes, que não têm quintais particulares ou carros circulando. Essas particularidades, de acordo com o LANDLAB, aumentam a sensação de viver em um parque tranquilo, onde as crianças podem brincar com segurança e livremente e pessoas de diferentes idades podem se encontrar.
Os 16 blocos de apartamentos do Funenpark contam com distintas tipologias e são ocupados por inquilinos e proprietários. A comunidade, conforme artigo da plataforma de arquitetura paisagística Landezine, se tornou uma conexão entre a região central de Amsterdam e os novos bairros que estão surgindo na zona portuária. A publicação ressalta também que as lajes pentagonais que formam os passeios públicos foram dispostas de maneira aleatória, criando um desenho que remete a uma rede de pesca esticada vista de cima.
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