
Com sistemas automatizados e processos totalmente digitais, Fortaleza (CE), Florianópolis (SC) e Porto Alegre (RS) tornam a solicitação de licenças mais fácil e rápida e reduzem custos, especialmente para pequenos empreendedores e proprietários, sem deixar de lado a preocupação com os reflexos no meio ambiente.
Em torno de 50% dos 60 milhões de domicílios urbanos no Brasil possuem algum tipo de irregularidade, segundo o Ministério da Integração e do Desenvolvimento Regional, a partir de dados apurados em 2019. A informalidade, acrescenta o jornal Correio Braziliense, abrange todas as classes sociais, indo das favelas até condomínios de luxo, e diferentes causas, como imóveis que não foram aprovados ou registrados ou loteamentos criados em desconformidade com a lei. Apesar desse cenário, muitos municípios vêm avançando na regularização de construções implementando serviços mais simples e ágeis de licenciamento, como o autodeclaratório.
Nessa ferramenta, é o responsável técnico pela iniciativa – arquiteto ou engenheiro – que faz o procedimento de solicitação da licença, cadastrando informações e plantas em um sistema automatizado e digital que reúne as normas que orientam o desenvolvimento das localidades e estabelecem o que é permitido e proibido de ser edificado em uma determinada área. “O licenciamento autodeclaratório traz celeridade na aprovação dos projetos, elevando a oferta do mercado imobiliário e a regularização, principalmente de pequenas construções, de pessoas que não têm estrutura jurídica e recursos para aguentar longos, caros e burocráticos processos de licenciamento”, assinala o coordenador do Somos Cidade, empresário e fundador e presidente de honra da Associação para o Desenvolvimento Imobiliário e Turístico do Brasil (ADIT Brasil), Felipe Cavalcante.
Outra vantagem dessa ferramenta, ressaltada por ele, é o incremento das chances de se contar com projetos mais adequados às legislações, pois há uma maior responsabilização dos profissionais que elaboram os empreendimentos. Esse fator é, inclusive, um dos retornos mais importantes do licenciamento autodeclaratório para a secretária municipal de Planejamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano de Florianópolis (SC), Ivanna Carla Tomasi. Conforme ela, colocar a responsabilidade técnica onde ela realmente existe libera a prefeitura para cuidar de outros problemas, como os de interações entre o ambiente público e privado, que vão trazer benefícios muito maiores para a localidade.
“O licenciamento autodeclaratório tem em Florianópolis uma pegada pedagógica, porque o responsável técnico precisa conhecer a legislação, criar e entender o procedimento. Essa foi a nossa maior motivação para desenvolver o mecanismo”, explica. Ela complementa que, muitas vezes, o governo da cidade era utilizado como um grande validador de projetos que já deveriam chegar em conformidade com as regras existentes.
O serviço da capital catarinense foi lançado no modelo atual em 2019 – havia uma versão anterior com outra formatação em 2017 – e é destinado somente para edificações de pequeno impacto: as unifamiliares. No município, essa categoria autoriza a construção de até três imóveis no mesmo terreno. A maior rapidez na emissão dos alvarás é outro ponto positivo destacado por Ivanna. O que antes levava, no mínimo, três meses para ser aprovado agora é liberado imediatamente ou pode demorar somente alguns dias, caso a taxa não seja paga no momento da solicitação.
A secretária comenta que desde a implementação da ferramenta houve um acréscimo na quantidade de licenciamentos autodeclaratórios por ano, isso porque os pedidos de pequenas edificações ficavam retidos, pois entravam na frente deles na fila os de construções de maior complexidade. “Muitas pessoas não buscavam o licenciamento pura e simplesmente porque ia demorar e não porque estavam fazendo alguma coisa em desacordo com a legislação”, frisa.
Em Fortaleza (CE), uma das localidades pioneiras no País na idealização do licenciamento autodeclaratório, a adoção desse sistema resultou em uma diminuição significativa das edificações informais e dos custos associados a esse processo. O secretário municipal de Urbanismo e Meio Ambiente, João Vicente, enfatiza que quando o pedido de licenças é mais simples, digital e acessível, ele se torna mais atrativo e viável para um número maior de pequenos proprietários e empreendedores, que acabavam, em muitos casos, construindo sem licenciamento por não conseguirem lidar com a burocracia ou os custos indiretos do procedimento tradicional.
Iniciado em 2015, o serviço da capital cearense é voltado para edificações e para o funcionamento de uma série de negócios e foi concebido para dar mais agilidade, transparência e segurança jurídica ao processo e garantir uma tramitação mais eficaz dos pedidos pendentes na secretaria, informa Vicente, assim como otimizar os recursos da gestão pública. “A morosidade e os entraves ocasionados pela burocracia na emissão de alvarás são fatores que podem levar ao aumento da informalidade e à falta de legalização das construções na cidade”, afirma. Entre documentos e licenças, desde a criação do licenciamento autodeclaratório até março de 2025, foram 1.639.984 autorizações emitidas – sendo que 90% delas de forma imediata ou em até 30 minutos, quando é necessário o pagamento de taxa.
Já em Porto Alegre (RS) esse formato de licenciamento teve a sua primeira versão lançada em 2017. O mecanismo foi desenvolvido após a identificação da necessidade de atender de maneira mais eficiente a crescente demanda de regularizações e aprovações de projetos de impacto urbano em regiões já consolidadas da localidade, relata a diretora do Escritório de Licenciamento da secretaria municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Fernanda Brito. “A pandemia (de coronavírus) acelerou o processo para disponibilização da modalidade (na capital gaúcha)”, aponta.
A ferramenta pode ser usada para solicitações referentes a aprovação, licenças, obras e vistorias de edificações unifamiliares com até duas economias por terreno, moradias unifamiliares em condomínios e construções destinadas a atividades classificadas como serviços ou comércios inócuos e alguns tipos de indústrias também qualificadas como inócuas. A diretora agrega que a aprovação e licenciamento de projetos, antes do serviço, chegava a 250 dias e que hoje eles são emitidos, se toda a documentação estiver correta, em até cinco dias úteis. Desde 2017 até março deste ano, a prefeitura já liberou 4.517 licenças através da autodeclaração.
Fiscalização e proteção ao meio ambiente
O licenciamento autodeclaratório não isenta o responsável técnico e o proprietário do imóvel de seguirem todas as regras urbanísticas e ambientais para que o empreendimento possa ser realizado, reforça a diretora do Escritório de Licenciamento de Porto Alegre, Fernanda Brito. “Se em algum momento for identificada irregularidade em relação às normas, será fiscalizado pelo poder municipal, que pode aplicar multas e até solicitar a demolição da obra”, salienta. Os reflexos dos projetos no meio ambiente e na cidade também são uma grande preocupação em Florianópolis.
A secretária de Planejamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano da capital catarinense, Ivanna Carla Tomasi, descreve que o primeiro filtro do sistema para assegurar o cumprimento das legislações é a integração do cadastro do licenciamento autodeclaratório com o geoprocessamento. “Nós temos mapeadas todas as áreas ambientalmente protegidas ou com restrição ambiental e o Plano Diretor (inseridos no mecanismo). Quando os dados são adicionados pelo responsável técnico, a ferramenta já faz uma série de verificações, como se a taxa de ocupação informada e o zoneamento estão corretos e se atende ao Plano Diretor”, detalha.
Ela conta que as solicitações vão para uma auditoria, na qual é o próprio sistema que faz o sorteio dos empreendimentos que serão vistoriados. “A gente tem um mínimo legal previsto de 15% dos processos de licenciamento autodeclaratórios que devem ser auditados. Atualmente, estamos com um percentual de 30%”, observa. Ivanna pontua ainda que as penalidades por erros vão somando pontos de acordo com a gravidade deles e se o profissional chegar à pontuação máxima ele fica impossibilitado de usar o serviço por um ano. “É como se fosse uma carteira de motorista, a gente se inspira muito no Detran. Dessa maneira, o responsável técnico acaba tendo um cuidado maior para não cometer irregularidades”, acredita.
O secretário de Urbanismo e Meio Ambiente de Fortaleza, João Vicente, explica que na raiz dos processos de licenciamento do órgão, seja para construção ou para funcionamento, existe a consulta de adequabilidade, que indica se, naquele espaço da localidade, pode ser concretizado o empreendimento. “O que torna essa consulta mais eficiente é que ela consegue parametrizar, dentro do nosso sistema, todos os regramentos contidos no Plano Diretor, na LUOS (Lei de Parcelamento, Uso e Ocupação do Solo) e no Código da Cidade. Assim, em vez de o cidadão precisar pesquisar leis técnicas, ele apenas informa o número do IPTU do imóvel e a atividade que deseja exercer naquele lugar”, destaca.
A partir disso, o mecanismo avisa imediatamente se há ou não a viabilidade para o projeto. “Em 2015, eram feitas 80 consultas por semestre ao serviço, um número muito baixo para uma cidade do porte de Fortaleza. Hoje, temos 302 por dia”, exemplifica Vicente.
Capacitação e campanhas de divulgação facilitam utilização da ferramenta
O licenciamento autodeclaratório da capital cearense foi um dos primeiros em funcionamento no Brasil e é uma referência para outros municípios que estão elaborando os seus sistemas. “Buscamos algumas experiências, inclusive fora do País. Somos um dos pioneiros (nesse tipo de licença), antes de nós tinha Fortaleza e Belo Horizonte”, recorda a secretária de Planejamento, Habitação e Desenvolvimento Urbano de Florianópolis, Ivanna Carla Tomasi.
Ela lembra ainda que o atual serviço foi construído pela equipe técnica da prefeitura, baseado na realidade do município e no que os profissionais já entendiam do processo e que achavam viável e importante. “Na época, não era secretária, porém sou funcionária de carreira. Fui uma das que planejou todo o procedimento, os formulários, as etapas para fazer as verificações. Então, ele (o mecanismo) foi uma criação do zero, original, mas inspirada em outros locais”, compartilha Ivanna.
O licenciamento autodeclaratório em Porto Alegre também foi idealizado e elaborado por técnicos do quadro municipal, segundo a diretora do Escritório de Licenciamento, Fernanda Brito. “Havia o conhecimento da existência do mesmo processo desenvolvido em outras cidades, como o de Fortaleza”, cita ela, acrescentando que a iniciativa na capital gaúcha trouxe mais celeridade na emissão das licenças e praticidade para a tramitação on-line. Além disso, Fernanda frisa que, com a redução do tempo de autorização dos empreendimentos, toda a cadeia produtiva da construção civil se beneficia dessa agilidade, o que ajuda a localidade a otimizar seus processos e diminuir custos para a administração pública.
Para tornar o acesso e a utilização dos sistemas mais fácil, os municípios promoveram capacitações dos profissionais e apresentação das ferramentas para diversos setores da população. Em Florianópolis, enfatiza a secretária, foi criada uma cartilha, que funciona como um manual rápido para entender o procedimento, e há um canal de comunicação das questões técnicas de urbanismo, planejamento e licenciamento: o Rede de Planejamento.
Ivanna adianta que este ano deve ser lançado um curso sobre como usar o serviço e os critérios da legislação para os responsáveis técnicos. A partir disso, somente os profissionais que fizerem o treinamento poderão entrar na ferramenta de licenciamento autodeclaratório. Aqueles que forem penalizados e ficarem um ano sem poder utilizar o mecanismo também terão que fazer o curso para se atualizarem.
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