
Diferente da visão sobre localidades no passado, pesquisas mostram hoje os benefícios dos lugares mais adensados, quando associados a uma boa infraestrutura urbana, para o meio ambiente e a redução dos custos de serviços públicos e da utilização dos carros no dia a dia.
Cerca de 70% a 75% do total dos recursos naturais são consumidos em áreas urbanas atualmente, apontam dados do Fórum Econômico Mundial. A estimativa, segundo a entidade, é que a demanda de materiais pelos municípios passe do patamar de 40 bilhões de toneladas registrado em 2010 para 90 bilhões de toneladas até 2050, ultrapassando o que o planeta pode fornecer de maneira sustentável. Diante dessa perspectiva e do agravamento dos eventos climáticos, a busca por modelos de ocupação das cidades mais eficientes e com menos reflexos no meio ambiente é algo urgente para garantir futuro dos lugares e o bem-estar das pessoas.
Nesse cenário, a densidade é uma aliada importante para avaliar os rumos seguidos pelas localidades e também os ajustes necessários a serem feitos em leis de uso do solo e políticas habitacionais que podem afetar a configuração dos municípios, a sua funcionalidade e o acesso aos serviços públicos, empregos, opções de lazer e à natureza. As cidades contemporâneas são resultado de processos complexos que, se não forem acompanhados pela gestão territorial, produzem locais fragmentados, de baixa qualidade, que interferem na vida de toda a cadeia urbana e, gradativamente, elevam os conflitos espaciais, sociais, econômicos e ambientais, descreve o estudo “Densidade, Dispersão e Forma Urbana”, publicado na plataforma Vitruvius.
Elaborado por Geovany Jessé Alexandre da Silva, Samira Elias Silva e Carlos Alejandro Nome, o trabalho foi desenvolvido dentro do Projetos de Arquitetura e Urbanismo Mais Sustentáveis, vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal da Paraíba (PPGAU-UFPB) e ao Pós-Doutorado em Arquitetura e Urbanismo na Universidade de Lisboa (Portugal). No levantamento, os profissionais fazem um resgate de diversas pesquisas sobre densidade e seus efeitos nos municípios e das teorias que nortearam o seu crescimento ao longo dos anos. Eles avaliam ainda os efeitos do espraiamento e da compactação das cidades nos custos de implementação da infraestrutura urbana e na sustentabilidade.
A maneira como a densidade – seja ela populacional (número de indivíduos por quarteirão, bairro, localidade ou país) ou habitacional (quantidade de moradias presentes em uma área) – era vista foi sendo alterada com o tempo e o conhecimento sobre os seus impactos. Os pesquisadores recordam que muita da resistência que se tem ainda hoje às altas densidades está ligada ao período de industrialização dos municípios, quando a maior concentração de pessoas em um espaço compacto – como eram as cidades tradicionais europeias – era considerada causa de doenças por contaminação do ar e facilitadora de incêndios e da desordem social. Esse pensamento orientou intervenções urbanas na Europa ao longo dos séculos XVIII e XIX e, mais tarde, na América Latina.
As críticas a esse padrão mais compacto e natural levaram à criação das cidades-jardim, concebidas por Ebenezer Howard na Inglaterra, que utilizou, como outros planejadores, a densidade urbana para difundir as vantagens de lugares menores, descentralizados e autossuficientes, destacam os autores. Já no início do século XX, o movimento modernista instituiu um desenho rígido para as localidades, separando residências, trabalho e diversão e fomentando o uso dos automóveis para os deslocamentos diários. A padronização de estilos de vida e das formas de morar nos municípios, independentemente das relações da região, tradições ou cultura e a dificuldade de socialização e desenvolvimento de um senso de comunidade nesse modelo são alguns dos principais pontos negativos da escola modernista assinalados pelos especialistas.
Os autores do estudo “Densidade, Dispersão e Forma Urbana” detalham ainda que, a partir da Segunda Guerra Mundial, empreendimentos urbanísticos privados e em parceria com governos promoveram a expansão para os subúrbios e as baixas densidades – uma particularidade que se tornou um símbolo do zoneamento unifamiliar dos Estados Unidos, no qual uma única propriedade pode ser erguida em um lote. No entanto, com a chegada dos anos 1960 e de uma nova visão sobre a composição das cidades e de levantamentos sobre os reflexos do padrão de baixa densidade habitacional e da priorização dos veículos particulares na poluição do ar, na saúde e no custo de vida, houve um afastamento dessa maneira de planejar os bairros e as localidades.
Pensadores como a escritora Jane Jacobs começam a defender o maior adensamento em áreas centrais desvalorizadas ou em pontos mais afastados como solução para retomar a vitalidade dos municípios, diminuir os efeitos ambientais e estimular os indivíduos a voltarem a caminhar pelas ruas e a ocuparem os lugares, deixando-os mais habitáveis e seguros. Na atualidade, argumentam os idealizadores do trabalho, as altas densidades e compactação espacial construtiva são aceitas como positivas para a sustentabilidade e o crescimento econômico das cidades.
Os benefícios e as desvantagens de locais mais adensados e compactos
A densidade é um referencial relevante para quantificar, por meio de princípios técnicos e financeiros, a distribuição e o consumo de terra, infraestrutura, serviços públicos e outras atividades de um município. Vários pesquisadores concluíram que quanto maior a densidade, resguardados certos limites, melhor será a utilização e a maximização da estrutura e do solo urbano, afirmam os autores de “Densidade, Dispersão e Forma Urbana”. Nesse sentido, regiões compactas possuem uma ocupação mais adensada e o uso misto de seus empreendimentos multifamiliares, aliando residências, comércio e serviços, em comparação a áreas dispersas e com imóveis unifamiliares.
No primeiro modelo de cidade, a mesma rede de água e eletricidade abastece, por exemplo, um grande número de unidades, bem como hospitais e escolas atendem a um público muito maior do que em áreas dispersas, relata artigo do ArchDaily. A publicação observa ainda que o desenvolvimento contínuo e compacto evita o surgimento de vazios urbanos, como terrenos baldios.
Localidades compactas possuem também como características a presença de sistemas de transporte coletivo conectados e fácil acesso a serviços, oportunidades de emprego e lazer. Com distâncias mais curtas entre as moradias e as demais funções de um município, esse tipo de desenho urbano reduz o impacto ambiental e a dependência dos carros, indica artigo do Fórum Econômico Mundial. Outro ponto ressaltado pelo estudo “Densidade, Dispersão e Forma Urbana” é que as cidades mais compactas otimizam os custos de abastecimento e manutenção de infraestruturas ao longo do tempo em relação aos lugares espraiados, deixando a conservação menos onerosa para as administrações locais e os seus habitantes.
Uma configuração mais compacta, acrescentam os pesquisadores, impulsiona os deslocamentos ativos, como andar a pé ou de bicicleta, assim como melhora o custo-benefício do transporte público de massa. Os autores complementam que no Brasil se nota uma falta de critérios econômicos mais coerentes no processo de elaboração e tomada de decisão tanto sobre o desenho e planejamento urbano como de projetos arquitetônicos residenciais. Conforme eles, esses complexos deveriam ser fiscalizados pela gestão dos municípios com base em padrões de lugares mais densos e acessíveis à população.
Com o déficit de imóveis no País, que é de em torno de 6 milhões de domicílios, de acordo com a Fundação João Pinheiro, e a escassez de recursos financeiros – uma realidade que se estende a outras nações em desenvolvimento –, os especialistas acreditam que densificar as cidades possibilita melhorar a aplicação do dinheiro público, pois se consegue atender a um número muito maior de indivíduos em um mesmo espaço. Segundo eles, planejar locais dispersos de baixa densidade populacional no Brasil não faz sentido para a sustentabilidade e para oportunizar o acesso a um município mais barato e qualificado para todos.
Além disso, ponderam os autores, a diversidade de usos em densidades habitacionais maiores é um componente que ajuda a potencializar o dinamismo dos ambientes. Quando combinado a uma boa infraestrutura e à instalação de mobiliário urbano confortável e com design convidativo e sinalização, a tendência é de utilização mais intensa das áreas públicas próximas às moradias e de incentivo ao comércio local. Eles agregam que o desenho urbano e o projeto de arquitetura são elementos-chaves na definição de elevadas densidades e eficiência ambiental, de usos e construtiva.
O contato com a natureza, por outro lado, é dos pontos negativos que podem ser associados às regiões de alta densidade em relação às de baixa densidade. Um levantamento efetuado pelo Instituto de Saúde Global de Barcelona (IS Global, na sigla em inglês) apurou que cidades compactas têm menores emissões de CO2, porém pior qualidade do ar, menos espaços verdes e maiores taxas de mortalidade. O estudo, divulgado em 2024, analisou 919 municípios da Europa e a sua qualidade ambiental e geração de dióxido de carbono e reflexos na saúde humana.
Os resultados demonstraram também que as cidades mais verdes e menos densamente povoadas têm taxas de mortalidade e níveis de poluição do ar menores. No entanto, suas pegadas de carbono per capita são mais altas. A explicação para isso está no fato de, por serem mais dispersas, essas localidades demandam deslocamentos mais longos e são menos eficientes em termos de energia – por terem, na maioria dos casos, unidades maiores, gastam mais para serem aquecidas e resfriadas. Apesar dos dados obtidos, os realizadores do levantamento defendem que os municípios compactos podem ser o modelo do futuro, mas para isso precisam superar os desafios de oferecer mais lugares verdes e qualificar o ar com a diminuição do transporte motorizado.
Maior densidade em projetos de moradia acessível
Diante da necessidade de mitigar a falta de imóveis e ainda direcionar os escassos recursos governamentais para iniciativas que proporcionem habitações acessíveis e ambientes urbanos de qualidade, os autores da pesquisa “Densidade, Dispersão e Forma Urbana” reforçam a importância de adotar critérios técnicos para a definição de políticas públicas e das densidades, que são influenciadas por diferentes fatores, como os aspectos culturais, geográficos, demográficos e socioeconômicos. Eles reúnem no trabalho alguns exemplos de complexos que obtiveram sucesso em aumentar as densidades e disponibilizar mais residências para a população.
No Brasil, eles citam a experiência da Cooperativa Pró-Moradia de Osasco (São Paulo). No início dos anos 1990, surgiu a proposta de construir cooperativas habitacionais junto a comunidades carentes por meio de mutirão, algo parecido com o que estava sendo feito no Uruguai. Para os autores, o resultado foi uma forma interessante de conjunto residencial, com densidade bruta (o número total de moradores de uma determinada região dividida pela área total em hectares, incluindo os equipamentos urbanos e institucionais, logradouros, comércios, indústrias, vias e outros serviços) aproximada de 630 habitantes por hectare, abrigando em torno de 1 mil famílias em 54 mil metros quadrados, distribuídas em 50 edifícios de até cinco pavimentos.
Já na América Latina a referência é o projeto Quinta Monroy, em Iquique (Chile), desenvolvido por Alejandro Aravena e a equipe do seu escritório de arquitetura, o Elemental. O desafio era manter as pessoas que já viviam no espaço – preservando vínculos de vizinhança, trabalho e comunidade – em um terreno de 5 mil metros quadrados e erguer casas para abrigar 100 famílias. Em parceria com os residentes locais, a solução encontrada foi fazer as fundações, paredes, escadas, cozinhas e banheiros dos imóveis, o que é geralmente mais difícil de ser bancado pelos moradores. Com uma densidade bruta de 680 habitantes por hectare, cada unidade foi entregue com 30 metros quadrados, edificados a um custo de 7,5 mil dólares e que podem ser expandidos até 70 metros quadrados de maneira gradual e personalizada.
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