Zoneamento

Em junho de 2025, a cidade californiana apresentou projeto para enfrentar a crise habitacional e permitir a construção de mais imóveis em áreas com parques, escolas e espaços urbanos de qualidade. A intenção é possibilitar que as atuais e futuras gerações possam criar seus filhos no município, em regiões com diversidade de unidades e públicos.

São Francisco vive hoje uma realidade comum a muitas localidades dos Estados Unidos e do mundo: a edificação de novas residências não acompanhou o crescimento populacional, agravando o problema de acesso à moradia e aumentando os valores das propriedades e dos aluguéis. Esse cenário levou muitas pessoas a buscarem bairros cada vez mais distantes de seus empregos, comércios, serviços e opções de entretenimento – o que elevou a dependência dos carros para os deslocamentos. Em muitos casos, a solução encontrada foi deixar a cidade e a Califórnia, aponta o Departamento de Planejamento do município.

Para reduzir a escassez de imóveis, segundo o órgão, São Francisco precisa erguer pelo menos 82 mil unidades habitacionais para distintas faixas de renda entre 2023 e 2031. Isso significaria acrescentar em torno de 10 mil residências anualmente ao estoque da localidade. Uma das iniciativas da prefeitura para reverter esse panorama foi divulgada no final de junho de 2025: uma reformulação na regulamentação sobre o uso e ocupação do solo. Chamado de zoneamento familiar, o plano autoriza maiores densidades na cidade, principalmente ao longo de corredores de trânsito e junto a áreas comerciais.

O prefeito Daniel Lurie, conforme informações do seu gabinete, frisa que a medida abre espaço para moradias familiares perto do transporte público, trabalho, lazer e escolas, assim como traz mais controle, flexibilidade e ferramentas para construir imóveis populares com mais agilidade. “Muitos pais de São Francisco estão se perguntando se terão condições de criar seus filhos aqui, e muitos jovens se questionam se conseguirão permanecer no lugar que chamam de lar”, assinala Lurie. A expectativa do governante é que, com a aprovação dessas alterações na legislação, essas questões sejam resolvidas e mais pessoas possam permanecer no município e encontrar unidades acessíveis em ambientes dinâmicos e bem estruturados.

A proposta, detalha a administração pública, moderniza trechos do Código de Planejamento Urbano de São Francisco, que possui mais de 50 anos. A ação atualiza leis existentes de proteção aos inquilinos, de apoio às pequenas empresas e que possibilitam edificar mais habitações de pequeno e médio portes em regiões com baixa produção imobiliária. Situação essa ocasionada, principalmente, pelas normas restritivas de zoneamento estabelecidas na década de 1970, que dificultaram a construção de residências multifamiliares, complementa artigo da Associação de Planejamento e Pesquisa Urbana da Área da Baía de São Francisco (Spur, na sigla em inglês).

O projeto concentra grande parte das suas modificações em comunidades ao Oeste e Norte da localidade, que contam com maior acesso a parques, escolas, espaços urbanos melhores e contato com ambientes verdes e possuem moradores com rendimentos médios mais altos, descreve o Departamento de Planejamento. As zonas Leste e Sul da cidade foram rezoneadas em 2024 e já acomodam a maioria dos imóveis erguidos nas últimas duas décadas.

Entre as transformações previstas está a liberação para a edificação de residências de seis a oito andares acima de lojas, restaurantes e outros estabelecimentos em ruas comerciais de bairros com fluxo de pedestres relativamente intenso e em corredores de tráfego importantes, bem como de prédios com mais pavimentos em determinados pontos de transporte com grande volume, relata a Spur. Além disso, o rezoneamento permite que proprietários construam unidades habitacionais acessórias (ADUs, na sigla em inglês) em seus terrenos, respeitando os limites de altura e os requisitos de recuos de muitas vias voltadas para moradias de comunidades com mais recursos.

O governo de São Francisco agrega que a regulamentação inclui também padrões de design para fomentar uma arquitetura de qualidade e processos simplificados para as companhias impactadas pelas mudanças e que buscam realocação. Há ainda, de acordo com a prefeitura, um novo programa de bônus habitacional local destinado para o desenvolvimento de mais imóveis acessíveis. As alterações, declara Lurie, ajudarão o município a idealizar bairros desejados por todos: “comunidades seguras e caminháveis, com pequenos comércios nas esquinas e parques no fim do quarteirão”.

Segundo a legislação estadual, São Francisco e outras cidades da Califórnia são obrigadas a realizarem processos de rezoneamento que facilitem a edificação de novas residências até janeiro de 2026, informa o Departamento de Planejamento. Ao cumprir com os requisitos estaduais, essas localidades podem manter o controle municipal sobre a política habitacional e os financiamentos essenciais para o transporte coletivo e moradia acessível, explica a Spur. A portaria de zoneamento será analisada nos próximos meses pela Comissão de Planejamento e pelo Comitê de Uso do Solo e depois seguirá para a votação no Conselho de Supervisores. Se aprovada, ela volta para a prefeitura para ser sancionada.

Uma oportunidade para planejar uma cidade melhor

O novo plano elaborado pela administração de São Francisco é, para a Spur, um passo relevante para mitigar padrões históricos de segregação, derrubando as marcas deixadas pelo zoneamento excludente e viabilizando que unidades multifamiliares mais densas sejam erguidas. O governo local vem adotando também outras iniciativas para diminuir o déficit de imóveis e aumentar a inclusão social, como regras para facilitar a conversão de escritórios vazios em residências e para desbloquear o potencial para mais moradias na região central do município.

No entanto, a Associação de Planejamento e Pesquisa Urbana da Área da Baía de São Francisco alerta que somente a reformulação do zoneamento não conseguirá remover todos os obstáculos para o desenvolvimento de habitações. Mais unidades, reforça a entidade, serão construídas quando forem financeiramente viáveis para o empreendedor ou proprietário, algo que é influenciado por diferentes fatores, como os custos do terreno e da obra, das taxas e pelos subsídios e incentivos públicos existentes. O custo e a disponibilidade de materiais e mão de obra são outros elementos que refletem na oferta de imóveis.

Apesar de algumas críticas que o plano vem recebendo, como a de que as novas residências serão muito pequenas para as famílias viverem, como ressalta o jornal San Francisco Examiner, a medida tem apoiadores que veem nessa modificação uma chance para que a cidade alcance a sua meta de moradias até 203 e para tornar a localidade mais saudável e qualificada. Em artigo para o The San Francisco Standard, o cofundador do grupo de pesquisa Building H, Thomas Goetz, defende que o conceito de zoneamento familiar oferece uma possibilidade para combinar de forma inteligente comércio, escritórios, habitações e parques, concebendo bairros que estimulem os indivíduos a irem a pé até uma loja e encontrarem os vizinhos.

“Precisamos de espaços que promovam a socialização e a diversão quase que por acidente”, escreve Goetz, que é também pesquisador-bolsistas na Escola de Saúde Pública da Universidade da Califórnia em Berkeley. Conforme ele, o município deve impulsionar a criação de ambientes de baixo custo e alto uso que encorajem as pessoas a desligarem a “Netflix e saírem de casa”. Ele cita alguns exemplos do que poderia ser feito pela prefeitura nesse sentido, como pequenos lugares que podem ser transformados através da aplicação de diversas cores para serem utilizados para várias atividades e faixas etárias.

Equipamentos para o condicionamento físico em praças e parques e estruturas para o compartilhamento de ferramentas, artigos esportivos, materiais escolares e outros itens – funcionando como bibliotecas – são outras sugestões de Goetz. O pesquisador acredita que espaços como esses estabelecem conexões comunitárias, disseminam o conhecimento e ensinam habilidades. Outra recomendação dele é que sejam idealizadas salas flexíveis em prédios de apartamentos, que possam ser usadas para trabalhar ou tomar café com os vizinhos e que, nos finais de semana, virem ambientes para os estudantes fazerem suas tarefas, para jogos ou festas.

Por fim, Goetz avalia que o governo da cidade poderia garantir que os parklets disponibilizassem mais que assentos para restaurantes e bares, assim como outras áreas que hoje são vazios urbanos poderiam se tornar espaços coletivos. Fornecer incentivos fiscais a incorporadores para que eles concebam lugares que fomentem comportamentos mais saudáveis – atividade física, caminhadas e interação social – é outro conselho dado pelo pesquisador para se ter regiões melhores para todos.

Como áreas adensadas podem ser benéficas para as localidades?

Além de São Francisco, outros municípios dos EUA estão repensando as suas leis de zoneamento – como Minneapolis (Minnesota) e Houston (Texas) – para atingir tanto as metas habitacionais como as de equidade, saúde, resiliência e de redução dos impactos ambientais. Essas mudanças têm permitido que diferentes regiões sejam adensadas, distintos tipos de imóveis sejam edificados e que o uso misto do solo seja expandido para novos lugares – aproximando residências, empregos, comodidades, serviços e lazer.

Quando bem-feita, a densidade torna o transporte público possível e auxilia lojas, restaurantes e outros estabelecimentos comerciais a serem viáveis e prosperarem, afirma artigo do jornal Public Square, do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU). Outro ponto enfatizado pela publicação é que, se esse crescimento denso incluir unidades acessíveis a públicos com rendas moderadas e baixas, ele pode colaborar para diminuir a desigualdade econômica presente em cidades de vários países e promover a diversidade.

O adensamento aliado ao desenvolvimento compacto, salienta relatório do Instituto Urban Land, pode contribuir também para as localidades conceberem espaços que estimulem outras formas de mobilidade, como andar a pé, de bicicleta ou de transporte coletivo. Esse modelo de município potencializa ainda o uso e a manutenção da infraestrutura, uma vez que a mesma rede de água e eletricidade abastece a um grande número de moradias, bem como hospitais e escolas atendem a mais pessoas que em áreas espraiadas, indica artigo do ArchDaily.

Ao impulsionar diferentes maneiras de realizar os trajetos diários, regiões mais densas e compactas ajudam a mitigar os reflexos das emissões de gases de efeito estufa. Com as distâncias mais curtas entre as habitações e as demais funções de uma cidade, esse desenho urbano reduz a dependência dos veículos e, consequentemente, a poluição do ar e sonora e os congestionamentos, melhorando a saúde, o bem-estar e as possibilidades de socialização entre seus residentes.

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