beleza

Criar conexão entre as pessoas e os lugares não é uma missão fácil e passa pela combinação de diversos fatores: socioeconômicos, facilidades urbanas disponibilizadas, mobilidade, e composição harmônica de suas ruas. Idealizar localidades com beleza urbana influenciam o bem-estar e felicidade dos seus residentes e ajudam a reduzir impactos ambientais.

Beleza, substantivo feminino que significa qualidade, propriedade ou virtude do que é belo e também caráter do ser ou da coisa que desperta sentimentos de êxtase, de admiração ou prazer através dos sentidos, segundo definição do dicionário Oxford Languages. Municípios considerados bonitos são aqueles formados por um conjunto de elementos que promovem emoções nos indivíduos, que os conectam aos espaços e, geralmente, estão mais relacionados ao que a área urbana oferece aos seus usuários do que à percepção subjetiva de beleza.

Conceber lugares bonitos, caminháveis, focados nas pessoas, vibrantes e que fomentem a interação social, possibilitando uma vida saudável e feliz aos seus habitantes, é o propósito do Novo Urbanismo. O movimento nasceu, na década de 1990, em contraposição aos conceitos da escola modernista, em que a ordem, a funcionalidade e a mobilidade rápida ganharam destaque – com uma visão de cidades que deveriam operar como máquinas. O lema do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU), entidade sem fins lucrativos aberta em 1993 para disseminar a sua abordagem para o desenho dos municípios, é construir locais que seus moradores amem, como lembra o arquiteto Daniel Morales, fundador do escritório Morales Architects, em artigo para o Public Square, jornal do CNU.

Ele comenta que, entra as muitas ferramentas utilizadas pelos novos urbanistas para elaborarem espaços, muito pouco se fala sobre o papel que a beleza desempenha nos ambientes edificados. E isso ocorre, conforme Morales, porque o que é bonito é algo difícil de quantificar, pois se baseia em sentimentos e não em fatos. E é por isso mesmo que a beleza é importante para o desenvolvimento de um bairro, de uma cidade. Para o arquiteto, quando alguém diz que uma área é bonita é porque esse indivíduo está emocionalmente engajado com essa região – o que é essencial para se alcançar o objetivo de projetar locais que são amados por seus usuários.

Uma pesquisa da Knight Foundtion, acrescenta Morales, entrevistou 46 mil residentes de 23 municípios dos Estados Unidos para descobrir o que eles mais gostavam em suas cidades. E o resultado apontou que as comodidades sociais, a abertura e a beleza eram mais relevantes do que as percepções dos habitantes sobre economia, empregos ou serviços básicos no estabelecimento de um vínculo duradouro entre as pessoas e a sua comunidade. O arquiteto complementa que neurologistas já identificaram que as emoções são uma forma abreviada de determinar se algo é bom ou ruim para a sobrevivência dos seres humanos. “Dado o oceano de estímulos para processar, não é surpreendente que tenhamos desenvolvido um sistema para avaliar rapidamente nossos arredores”, escreveu.

Devido a isso, afirma Morales, os modernistas, ao romperem com o passado e com a beleza clássica em prol da funcionalidade, rejeitaram a maneira como os prédios fazem os indivíduos se sentirem, esquecendo que a experiência dos pedestres é algo instintivo e não intelectual. O arquiteto salienta ainda que a falha do modernismo não era estilística e sim ideológica. Por se basear na ideia de que a natureza humana evolui com a tecnologia, assinala ele, os profissionais que aderiram aos princípios dessa escola urbanística acreditavam o belo era irrelevante em um mundo dominado pela ciência.

Outro ponto observado por Morales é que os modernistas, quando abandonaram o estudo dos edifícios e das localidades históricas, perderam as lições de composição que tornam as ruas antigas tão atrativas e frequentadas. Reviver a arte da arquitetura, opina ele, pode auxiliar a erguer lugares que as pessoas adoram ao mesmo tempo em que questões climáticas e de acessibilidade são enfrentadas. Na mesma linha de revalorizar a criação de prédios bonitos nos municípios e compreender os reflexos que eles têm na saúde e no bem-estar de seus moradores, o designer inglês Thomas Heatherwick lançou, em 2023, a campanha Humanizar para chamar a atenção para o assunto e ampliar o debate sobre as cidades que estão sendo planejadas, como elas fazem os seus residentes se sentirem e pelo fim do que ele chama de uma onda de empreendimentos entediantes.

Ter localidades mais belas também contribui para deixá-las mais sustentáveis, defende Morales. A explicação do arquiteto é que os indivíduos tendem a salvar aquilo que amam. Ao construir espaços que os seus usuários consideram significativos, que são usados por eles, com os quais se identificam e onde realizam a maioria de suas atividades diárias, menor será o desperdício com demolições e edificações de novos complexos, diminuindo a emissão de gases de efeito estufa e o consumo de recursos naturais. Os municípios, em seu entendimento, além de bonitos, deveriam ser mais densos, acessíveis e preocupados com a crise climática.

 

Felicidade e satisfação com seus bairros: o retorno de viver em cidades belas

Distintos levantamentos ao longo dos anos buscam compreender a relação que existe entre a idealização de localidades bonitas e o sentimento de felicidade e pertencimento de seus habitantes, assim como vêm investigando o que torna esses ambientes mais atrativos e acolhedores. Uma pesquisa efetuada pelo Instituto Martin Prosperity, da Universidade de Toronto (Canadá), verificou como o papel da beleza era percebido na satisfação da comunidade em vários municípios norte-americanos.

As informações apuradas reforçam a importância da estética para as pessoas gostarem de onde moram. Os autores, contudo, alertam que esse critério não é o único e funciona em conjunto com outros itens, como condições econômicas, convívio social, ofertas culturais e qualidade das escolas. Já artigo publicado pelo Urban Affairs Review, um periódico especializado em políticas públicas voltadas, especialmente, às cidades e suas áreas urbanas, analisou a procura pelo bem-estar e felicidade em dez grandes localidades do mundo – Nova York (EUA), Paris (França), Londres (Inglaterra), Berlim (Alemanha), Milão (Itália), Toronto, Estocolmo (Suécia), Tóquio (Japão), Pequim (China) e Seul (Coreia do Sul). O estudo ressalta que foram encontrados atributos-chaves e funções dos municípios que estão associados a níveis individuais de felicidade entre os residentes dessas regiões. Além da relação com a renda e a saúde, os habitantes dos destinos averiguados demonstraram estarem mais satisfeitos quando se sentiam conectados às pessoas e aos lugares de suas cidades.

Os pesquisadores argumentam ainda que a felicidade está ligada ao fato dos indivíduos notarem que suas localidades proporcionam comodidades que melhoram a sua qualidade de vida. Por esse motivo, alegam os autores, a procura por esse sentimento deveria ser um assunto que preocupa estudiosos e responsáveis pelos espaços urbanos e as estratégias públicas. Eles concluíram que quanto mais os entrevistados achavam que o seu município era belo, limpo e seguro para caminhar à noite, mais os moradores relatavam estarem felizes. A manutenção desses ambientes e o acesso a bens culturais, como cinemas, museus, teatros e bibliotecas, por exemplo, e ao transporte público também afetam a maneira como as pessoas se sentem.

Todos os anos o Instituto de Qualidade de Vida divulga o Índice Cidade Feliz. São 250 localidades do planeta avaliadas e classificadas nas categorias ouro, prata e bronze. A organização sediada em Londres, que monitora e investiga os segmentos envolvidos na tomada de decisões em comunidades, concepção de políticas sociais e implementação de serviços públicos, estabelece o seu ranking a partir da análise de fatores como governança, economia, meio ambiente e mobilidade. Em 2024, entre os municípios que ficaram no grupo Ouro estão Aarhus (Dinamarca), Zurique (Suíça), Berlim, Gotemburgo (Suécia), Amsterdam (Holanda), Helsinque (Finlândia), Bristol (Inglaterra), Copenhagen (Dinamarca), Genebra (Suíça) e Munique (Alemanha).

Essas cidades possuem em comum, além dos elevados parâmetros nos aspectos verificados pelo Instituto de Qualidade de Vida, centros urbanos com ruas vibrantes, com fachadas ativas, comércios mesclados a cafés, bares e restaurantes, e prédios com diferentes estilos arquitetônicos. O arquiteto Daniel Morales, em seu artigo para o jornal do CNU, Public Square, agrega que quando os indivíduos encontram unidade dentro da diversidade, a mente fica satisfeita. Ele compara ainda que a arquitetura tem sido chamada de “música congelada”, pois usa princípios semelhantes aos da composição.

“À medida que essas linguagens de padrões (arquitetônicos) são repetidas em uma via e na vizinhança, sente-se uma sinfonia de deleite”, enfatiza. Ele pondera também que a qualidade dos estilos históricos permitiu que edifícios de distintos períodos se relacionassem, ao mesmo tempo que fornecia uma sensação de escala ao pedestre. De acordo com Morales, mesmo sem ornamentos, as aberturas de empreendimentos podem ser organizadas em padrões agradáveis por meio de conceitos de composição, como ritmo, escala e proporção. “Esses critérios eram bem conhecidos antes do modernismo, quando se esperava que os arquitetos projetassem em muitos estilos. Eles são ainda responsáveis pela qualidade atemporal dos prédios que continuam a nos encantar muito depois de terem sido erguidos”, frisa.

Crescimento econômico e áreas urbanas bonitas

A conexão entre a beleza de uma região e os principais indicadores de desenvolvimento econômico foi estudada pelos economistas Gerald A. Carlino, do Federal Reserve Bank da Filadélfia (Pensilvânia, EUA), e Albert Saiz, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), destaca matéria da Bloomberg. A pesquisa comparou dados de atratividade reunidos pelos autores através de informações de visitas turísticas e fotografias de lugares pitorescos aos de índices de amenidades urbanas, como parques, espaços históricos, proximidade de litorais ou montanhas, o tamanho da indústria de turismo, entre outros elementos.

Eles examinaram a associação entre as características de ambientes bonitos, parâmetros-chaves de crescimento econômico das localidades e o ressurgimento e a gentrificação de bairros dentro e ao redor de centros urbanos entre 1990 e 2010. Os autores descobriram que quanto mais belo é um município, mais sucesso ele tem em atrair empregos e novos residentes, inclusive aqueles com nível escolar elevado e mais ricos. Os pesquisadores identificaram ainda que uma cidade com o dobro de áreas interessantes que outra registrou um aumento de 10% ou mais na população e na disponibilidade de trabalho no período apurado. Por outro lado, a beleza urbana resulta em preços mais altos dos imóveis e na sua maior valorização, o que pode levar antigos habitantes a se mudarem para outras comunidades.

Outro fator sustentado pelos estudiosos é que regiões bonitas não ocorrem naturalmente, elas são o produto de políticas públicas e priorização de recursos. Mesmo as localidades que não contam com belezas naturais podem se tornar mais atrativas através do investimento em parques e espaços verdes e também protegendo seus marcos e lugares históricos. O levantamento demonstrou que destinar 10% a mais de recursos para parques e recreação nos municípios está ligado a um crescimento de 2,3% nas visitas de lazer e de 1,3% na oferta de empregos no setor turístico. Os pesquisadores resumem que uma cidade bonita é uma ferramenta “poderosa para o desenvolvimento econômico e a ressurgência urbana, porém com ela vêm a gentrificação e deslocamento”, como relata a Bloomberg, o que demanda ações de governantes e planejadores para encontrar caminhos para o equilíbrio entre expansão econômica, comodidades, acessibilidade à moradia e beleza urbana.

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