O Design Ativo reconhece o impacto do desenho das ruas e espaços públicos na saúde e bem-estar das pessoas
O desenho de uma localidade tem impacto direto na maneira como as pessoas irão utilizar o espaço urbano e se locomover por ele. E para transformar os municípios em lugares de promoção da saúde e do bem-estar de seus moradores, o Design Ativo (do inglês Active Design) propõe uma série de diretrizes para tirar o foco dos automóveis no desenvolvimento das cidades, planejar ambientes que incentivem a população a caminhar e pedalar mais e proporcionar recantos agradáveis para o lazer e a prática de exercícios. O movimento, que surgiu em Nova York (EUA), conta com táticas que orientam a criação de ruas, bairros e construções que estimulem estilos de vida mais dinâmicos e sustentáveis, como explica a prefeitura da Big Apple.
Baseada em pesquisas sobre como o meio urbano pode melhorar a saúde pública, em 2010, foi divulgada a mais importante publicação sobre o assunto, o “Active Design Guidelines”, como salienta matéria do Ecycle. O guia, realizado por profissionais de diferentes departamentos da cidade de Nova York, reúne estratégias que qualquer localidade pode adotar para tornar os municípios mais convidativos para que os seus residentes circulem pelas calçadas de suas vizinhanças, escolham usar escadas ao invés de elevadores e priorizem os deslocamentos de bicicleta ou de transporte público. A partir dos estudos efetuados, a prefeitura da metrópole norte-americana empregou o urbanismo como uma ferramenta para reduzir os gastos destinados ao combate de doenças causadas pelo sedentarismo e má alimentação, destaca a reportagem.
De pequenas a grandes intervenções, o Guia de Design Ativo indica ações que podem ser empregadas no desenho urbano para deixar as cidades mais saudáveis e acessíveis. Segundo o documento, há evidências de que o uso misto do solo, com ruas bem conectadas e um sistema de transporte público eficiente, aumenta a atividade física entre os habitantes de uma localidade. Ter moradia, trabalho, comércio, serviços e centros culturais e comunitários próximos é outro fator apontado como essencial para que as pessoas deixem os veículos na garagem e optem por ir a pé para os seus destinos. O material sugere ainda que planejadores, designers e arquitetos prevejam a disposição de parques, praças e playgrounds para a recreação de crianças e de seus familiares a uma curta distância do lugar eles onde residem.
Combinados, esses elementos levam um número maior de pessoas a colocar um exercício ou um esporte em suas rotinas. O levantamento reforça também que quanto mais “escolas, supermercados, bancas de jornal e outros locais úteis em uma área, mais provável é que os moradores escolham caminhar até eles”. Além de possibilitar que os estudantes percorram o trajeto entre suas casas e escolas a pé, o uso diversificado do solo permite que idosos circulem mais facilmente em seus bairros. Uma das pesquisas do guia revelou que cidadãos com 65 anos ou mais que vivem perto a “lojas e serviços são mais propensos a andar e a utilizar o transporte público”. Outro ponto enfatizado pelo documento é que a disponibilização de habitações e empregos junto a parques, trilhas e ambientes para o lazer estimulam a atividade física. Em Nova York, por exemplo, a meta é que cada vizinhança tenha um espaço recreativo a cerca de dez minutos de caminhada.
A preocupação com a alimentação saudável da população também está presente no material, que observa que a instalação de mercados e supermercados com uma ampla oferta de produtos está associada a “dietas mais equilibradas e ao menor peso entre os residentes”. Os reflexos dessas mudanças no design das localidades são sentidos ainda no meio ambiente. Com mais pessoas ativas, há uma diminuição no uso de carros e, consequentemente, uma redução nas emissões de gases poluentes e causadores do efeito estufa, como frisa a matéria do Ecycle. O menor consumo energético nas estruturas é outro benefício desse movimento ressaltado pelo guia, resultado do menor acionamento dos elevadores. Com mais empreendimentos projetados com escadas confortáveis e atrativas, a tendência é que mais usuários optem por elas.
Ruas e ciclovias seguras diversificam a mobilidade e levam mais pessoas a vivenciarem suas localidades
Calçadas mais amplas e bem conservadas são um estímulo para que mais cidadãos andem por seus bairros e municípios, assegura o Guia de Design Ativo elaborado pela prefeitura de Nova York. Os especialistas responsáveis pelo documento relatam que “dar uma escala humana e uma sensação de ‘cercamento’ pode encorajar a atividade física”. Nesse sentido, assinalam a importância de separar pedestres e veículos, medida que pode ser realizada por meio da colocação de mobiliário urbano, árvores e iluminação.
Esse afastamento, que deve ser feito também em relação às ciclovias com outras faixas de trânsito, eleva a segurança e incentiva as pessoas a se moverem pela cidade. O material informa ainda que a iluminação ao longo das vias e caminhos livres, sem obstáculos, elevam a utilização das calçadas. Além disso, implementar assentos, bebedouros, banheiros e outras estruturas de apoio contribuem para a maior frequência e duração das caminhadas, apurou o estudo.
Já para estimular o uso de bicicletas, o guia aponta a necessidade de planejar mais ciclovias e de aperfeiçoar a conexão entre elas e com outros destinos na localidade, como parques, comércio e áreas de trabalho e lazer. Qualificar a sinalização, os estacionamentos e os serviços de compartilhamento de bikes é outra solução recomendada para incrementar o número de moradores que adotam esse meio de transporte. Estabelecer rotas convidativas para ciclistas e pedestres em espaços públicos é outra medida sugerida no documento, que reforça a relevância de melhorar a acessibilidade dos ambientes.
Ainda no que se refere à circulação nas ruas, um item que merece atenção é o tráfego de veículos, que, de acordo com o material, precisa de iniciativas que acalmem o trânsito. “Isso ajuda a manter a escala humana – e o ritmo – das vias da cidade”, argumentam os especialistas envolvidos no levantamento. Uma forma de fazer isso, recomendam, é projetar estradas para ter a largura e o número de pistas mínimo, o que leva a uma redução da velocidade. Outra sugestão é fazer cruzamentos mais curtos para que idosos e indivíduos com a mobilidade comprometida consigam atravessar a rua de maneira mais tranquila. Por fim, o documento indica a colocação de itens que forcem a diminuição da velocidade, como redutores e extensões de meio-fio.
Parque High Line: antiga ferrovia revitalizada é exemplo de Design Ativo
Escadas fáceis de serem visualizadas e acessadas convidam os frequentadores do parque High Line, em Nova York, a fazerem uma transição entre a rua e o novo ambiente criado a cerca de 9 metros de altura e a apreciarem a vista do lado Oeste de Manhattan. Com uma extensão de 2,4 quilômetros, a estrutura com mais de 500 espécies de plantas, mobiliário inovador, decks e bebedouros foi planejada para ser muito mais que uma área verde na cidade. Construído em uma ferrovia histórica e abandonada, o espaço incentiva as pessoas a caminharem pelos jardins, terem uma experiência gastronômica e artística e a socializarem.
O parque, que teve o seu projeto desenvolvido pelos escritórios James Corner Field Operations e Diller Scofidio + Renfro, em parceria com a prefeitura e o grupo sem fins lucrativos Amigos do High Line – que administra o ambiente, é um exemplo de Design Ativo e mostra que lugares tão densos como a metrópole dos Estados Unidos podem “criar locais de recreação fora do tecido urbano existente”, como pontua o Guia de Design Ativo. A primeira fase do High Line foi inaugurada em 2009 e a conclusão da iniciativa, que oferece também programas comunitários e conta com obras de arte urbana instaladas ao longo do seu território, ocorreu em 2014. A medida não revitalizou apenas a antiga ferrovia, mas os bairros que ficam em seu entorno, que ganharam novos estabelecimentos e vida urbana.
Além do espaço em Nova York, artigo do Design Council, instituição do Reino Unido que tem como objetivo qualificar a vida das pessoas por meio do design – planejando lugares, produtos e processo melhores –, lista outras ações de Design Ativo pelo mundo, como em Bogotá (Colômbia), uma das cidades pioneiras na implementação de ciclovias e no estímulo para que seus habitantes pratiquem exercícios. Considerada a capital do ciclismo na América Latina, segundo reportagem do ano passado do El País, a localidade acrescentou 84 quilômetros de vias para bicicletas aos 550 quilômetros já existentes durante a pandemia de coronavírus. A cultura das bikes para se locomover começou na década de 1970, quando muitas ruas eram fechadas aos finais de semana para que os moradores pudessem pedalar com segurança. Prática que ocorre até os dias de hoje.
As atividades da organização sem fins lucrativos 8-80 Cities, de Toronto (Canadá), também foram ressaltadas pelo Design Council. A entidade, criada em 2007, busca desenvolver cidades saudáveis que sejam boas para indivíduos dos “8 aos 80 anos” a partir de programas que promovam a atividade física, a interação humana e estilos de vida mais ativos. Entre as muitas iniciativas concretizadas em mais de 350 comunidades em todos os continentes, o projeto de Ruas Abertas é umas das principais. A instituição atua ainda com consultoria para municípios e workshops sobre como transformar as localidades em destinos mais acessíveis e dinâmicos.
Na Inglaterra, a modificação da New Road em Brighton & Hove, na costa Sul do País, é mais um case de Design Ativo. A via, que fica no coração do quarteirão cultural da cidade litorânea, tinha se tornado um lugar degradado, que não atraía visitantes ou negócios. Para mudar o cenário, o governo local em conjunto com o Landscape Projects e o escritório do arquiteto e urbanista dinamarquês Jan Gehl iniciaram uma pesquisa para entender as características da rua e também de quem a usava e quais eram as suas necessidades. Redefinida, a New Road passou a priorizar os pedestres, sem eliminar a circulação de veículos, e ganhou uma superfície de pedra natural que convida a população a se mover livremente, uma vez que os meios-fios e cruzamentos foram retirados.
A via recebeu mobiliário e iluminação especiais que permitem às pessoas ficarem no ambiente tanto de dia como de noite, aproveitando os teatros ali presentes, com segurança. Medidas essas que impulsionaram ainda a vida noturna nessa área de Brighton & Hove. Segundo descrição do escritório Gehl, essas e outras ações, como qualificação da sinalização e piso tátil, aumentaram em 62% o número de cidadãos caminhando pela região enquanto a quantidade de veículos circulando por essa área caiu 93% (dados da época de realização do projeto, em 2010). A iniciativa acabou transformando a New Road em um dos lugares mais populares do município, além de ter contribuído para o crescimento da economia local.
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