Mobilidade urbana

Mobilidade urbana: A tendência de proibir o acesso de automóveis tem crescido e as ruas estão se do devolvidas a pedestres e bicicletas

Em países como a Holanda e a Dinamarca, que são referências mundiais quando o assunto é ruas preparadas para o ciclismo, já há vias mais usadas pelo meio de transporte em duas rodas do que pelos carros. Com faixas de 3,5 metros de largura para ir e vir de bike, localidades dessas duas nações, como Amsterdam e Copenhagen, contam com 10 vezes mais bicicletas que automóveis circulando em trechos com essas dimensões, permitindo uma ocupação mais eficiente dos espaços públicos e melhorando a mobilidade urbana. “Com um sistema cicloviário saudável e seguro, mais pessoas começam a pedalar e se inicia um processo de mudança”, enfatiza o arquiteto e sócio-fundador da TcUrbes, Ricardo Corrêa.

Ainda sobre a forma como os veículos são priorizados no desenho dos municípios, Corrêa comenta que em apenas uma vaga para carros é possível estacionar dez bikes. Considerando que uma metrópole, em média, tem 1,2 indivíduos se deslocando por automóvel, como ressalta o arquiteto, a opção pelas bicicletas permite que mais cidadãos usufruam das áreas que são para todos e não somente aqueles que possuem um veículo. Retirar das ruas lugares destinados aos carros e ampliar os ambientes para ciclistas e pedestres é um dos caminhos para se ter localidades mais amigáveis para os modos de transporte ativos, ou suaves, como classifica o sócio-fundador da TcUrbes – que envolvem também patins e patinetes.

“A gente esqueceu como se projeta cidades”, sentencia. Segundo Corrêa, um município para pessoas não pensa primeiro nos automóveis e depois na diminuição do espaço para esses veículos, ele é planejado para ter crianças e idosos nas vias e, para isso, afirma o arquiteto, é preciso ter segurança. “E a bicicleta ajuda a desenhar esse aglomerado urbano que se concebe como cidade”, acrescenta. O sócio-fundador da TcUrbes assinala que os carros geram insegurança tanto para quem dirige como para aqueles que caminham ou pedalam. Estudo da Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 41 mil ciclistas morrem em acidentes ligados ao trânsito por ano no planeta. O dado reforça a importância de desenvolver estruturas mais protegidas para quem utiliza bikes.

Nesse sentido, Corrêa observa que as soluções para projetos cicloviários são muitas e variam de acordo com a realidade de cada localidade, o seu sistema viário, os recursos disponíveis e a visão dos gestores à frente das administrações públicas. Paris, exemplifica ele, na primeira fase do seu Plano Velo (saiba mais na matéria publicada no nosso portal), se transformou em lugar amigo das bicicletas baixando a velocidade das ruas para 20 e 30 quilômetros por hora, com exceção das avenidas. “Ao compartilhar as vias com as bikes e os pedestres, a capital francesa se tornou mais calma”, aponta.

Além disso, Paris investiu na educação de motoristas e na sinalização cicloviária para que as pessoas saibam o que devem fazer quando os cidadãos estiverem dividindo o mesmo espaço com os automóveis. “Sem a construção de infraestrutura, só com a implementação de ciclovias e ciclofaixas onde era viável, a cidade se modificou”, frisa. O arquiteto complementa que aquilo que leva um local a ser considerado “ciclável” não é a quantidade em quilômetros de ciclovias que ele possui, mas sim o quanto das suas ruas permitem que os indivíduos pedalem com segurança. “Holanda, Dinamarca e Alemanha, que contam com programas nacionais para bicicletas, determinam que um município para receber o título de amigo das bikes precisa que, pelo menos, 60% da sua estrutura viária seja ciclável – tenha ciclovia, ciclofaixa, sinalização ou moderação na velocidade”, destaca.

A única cidade nas Américas que atende a esses critérios é Rio Branco (Acre), que tem 65% do seu território adaptado para as bicicletas, salienta Corrêa. “A capital possibilita aos seus moradores circularem protegidos. A TcUrbes fez a requalificação do sistema que já existia lá”, agrega. A empresa, sediada em São Paulo (SP), atua com planejamento urbano, focado em transformação social e ambiental, e foi responsável também pelo projeto da Rede Cicloviária do Campus da USP, em São Paulo, pelo Plano Diretor Cicloviário de Teresina, no Piauí, entre outros. O profissional acredita que o Brasil precisa pensar em um modelo próprio para que mais localidades mudem a forma como veem a mobilidade urbana.

Investimentos em infraestrutura para bicicletas trazem benefícios sociais e econômicos

Na dinâmica urbana e dos processos históricos, o carro veio para solucionar um problema individual que era coletivo: a mobilidade. “Você não tinha um ônibus passando na porta da sua casa, então comprava um automóvel para resolver isso”, relata Corrêa. A falta de alternativas para que as pessoas se locomovam de suas residências, muitas vezes em bairros periféricos, até as regiões centrais aliada ao conforto e status que sempre foram associados aos veículos explica o porquê de ser tão complexo alterar a maneira como os cidadãos se deslocam.

Em contrapartida, o sócio-diretor da TcUrbes defende que os impactos positivos das bicicletas mostram a necessidade de se apostar nesse modal, assim como em novas opções que virão no futuro, com a eletrificação dos meios de transporte. Os ganhos com o investimento em sistemas cicloviários são tanto econômicos e sociais como pessoais, afirma o arquiteto. Muitas famílias que vivem afastadas dos centros, e contam com quatro ou mais integrantes, acabam não tendo acesso a essa parte da cidade devido ao valor das tarifas de ônibus, metrô ou trem. Com mais estruturas para pedalar nos municípios, é possível mudar essa situação e proporcionar que os cidadãos se apropriem de seus municípios.

Além da economia de recursos – que podem ser empregados em outros fins, como em bens e serviços (um ciclista consome até 20 vezes mais que um motorista em negócios de rua, ele compra itens de menor valor, mas mais vezes, reforça Corrêa) –, as bicicletas possibilitam que as pessoas consigam estudar, trabalhar, desenvolvam uma outra relação com as suas localidades e tenham, assim, mobilidade social. Há ainda as vantagens psicológicas, “o ócio criativo que pedalar traz”, e para a saúde física. “Estudos revelam que as internações de ciclistas em instituições hospitalares por doenças crônicas são menores, bem como o consumo de remédios e o uso da rede pública de saúde”, assinala.

Ele considera que muitos indivíduos começarão a andar de bike ao perceberem os prejuízos que o sedentarismo pode trazer para a vida delas e adotarão o ciclismo não só como meio de transporte, mas como estilo de vida. “Com mais pessoas pedalando, a cidade fica mais saudável, não só ambientalmente”, argumenta. O arquiteto pondera que, em geral, a bicicleta é apontada como o modo de transporte mais eficiente em um trajeto de cinco quilômetros. “Não precisa tirar o veículo da garagem e ficar procurando estacionamento. Com ela (bike), você pode parar em frente ao local que tem que ir e prendê-la no poste”, analisa.

Corrêa comenta também que são quatro os fatores subjetivos que norteiam a escolha do meio de locomoção dos cidadãos: o clima, custo, segurança e conforto. E, conforme ele, é nesse último item que reside o principal desafio para transformar a mobilidade urbana: desvincular os veículos da ideia de conforto e status que foi passada ao longo dos anos e gerações através da publicidade.

Guia reúne sugestões para deixar as vias mais protegidas para os ciclistas

Entre março e julho de 2020, no pior momento da pandemia de coronavírus, 394 municípios, estados e países reformularam seus espaços urbanos para que mais indivíduos pudessem caminhar e pedalar com segurança, revela reportagem do WRI Brasil – instituto de pesquisa que busca iniciativas para florestas, cidades e clima. O número, que abrange em sua maioria localidades da Europa e Estados Unidos, foi apurado pelo Pedbike Info (Pedestrian and Bicycle Information Center). Belo Horizonte, Curitiba e Rio de Janeiro são os nomes brasileiros que aparecem entre os lugares que estabeleceram estruturas temporárias ou permanentes nas ruas para as bicicletas. Colômbia, Argentina, Peru, Chile e Bolívia são os demais representantes da América do Sul citados.

Para auxiliar na implementação de soluções para separar e proteger os ciclistas do trânsito, foi lançado um guia com recomendações para redesenhar as vias e oferecer “ciclovias de forma rápida, efetiva e segura”. O material foi idealizado pelo WRI Ross Center for Sustainable Cities, em parceria com a Embaixada Holandesa de Ciclismo, a Liga dos Ciclistas Americanos, o Danish Urban Cycle Planning, da Dinamarca, e a Asplan Viak, da Noruega.

O conteúdo traz diferentes abordagens para instalar uma infraestrutura cicloviária em distintos contextos e velocidades, como ressalta o texto do WRI. Para cenários em que as bikes não precisam compartilhar o espaço com os carros, apenas com os pedestres, são sugeridas ciclovias bidirecionais em áreas recreativas para ajudar a dar mais vitalidade para as ruas. A matéria, no entanto, faz uma ressalva que essa alternativa (ciclovia bidirecional) não é indicada para qualquer local, em especial, naqueles onde há cruzamentos que possam dificultar a visibilidade dos ciclistas pelos motoristas.

Já em regiões com volume de tráfego e velocidades baixos, onde as vias são voltadas para priorizar quem pedala, o guia dá a dica de utilizar “sinalização vertical, marcações no pavimento e medidas de gestão de velocidade para desencorajar deslocamentos de veículos e criar interseções seguras”. Esse tipo de ação funciona bem para áreas residenciais, de lazer ou próximas a escolas, destaca a reportagem.

Em panoramas em que os automóveis andam acima de 30 quilômetros por hora e onde passam até seis mil carros por dia, a proposta sugerida é delimitar bem o lugar para pedalar e para o trânsito de veículos. Como colocar uma estrutura cicloviária permanente demanda mais tempo e recursos, a iniciativa aconselhada são faixas temporárias de mão única e no mesmo fluxo dos motoristas com “elementos provisórios com pinturas visíveis, cones refletivos, barreiras e balizadores”.

Nas ruas movimentadas, aquelas por onde circulam mais de 6 mil carros diariamente a velocidades que chegam a 50 quilômetros por hora, o guia recomenda implementar separações físicas entre as ciclovias e os automóveis, como meio-fio, amortecedores ou outros obstáculos para que os veículos não invadam o espaço das bicicletas. Para evitar qualquer risco para os ciclistas se machucarem, o material indica ainda que essas barreiras sejam projetadas em borracha flexível, plástico resistente ou em poliuretano.

O sócio-fundador da TcUrbes, Ricardo Corrêa, complementa que as metrópoles não comportam mais tanta área destinada para os carros. “Cerca de 60% a 70% do solo público urbano é voltado para eles. Isso é incoerente”, frisa. Segundo o arquiteto, o processo evolutivo da maioria das tecnologias atravessa um período de revisão da obsolescência, com a chegada de uma versão mais avançada. E, para ele, os automóveis, estão vivendo o seu último respiro. “Os veículos, como eles são hoje, estão fadados a desaparecer nos grandes centros”, prevê. O futuro da mobilidade, em sua opinião, passará pelas bicicletas, pelos patinetes e ainda por novos meios de transporte eletrificados que tornarão o se locomover mais dinâmico e social.

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