violência urbana

Diferentes estudos ressaltam a relação entre violência urbana e locais, indicando que intervenções pontuais nos bairros, como reformas em moradias, arborização e criação de ambientes para o convívio com vizinhos, diminuem criminalidade.

As cidades buscam, há muito tempo, soluções para reduzir a violência em seus territórios que vão além daquelas realizadas pelo setor jurídico-penal. Pesquisas mais recentes reforçam a importância de encontrar caminhos alternativos, que atuem sobre as causas e não apenas nas consequências dos crimes, em especial aqueles com arma de fogo. Para entender as raízes desse problema e descobrir possíveis saídas, é necessário prestar atenção na relação que existe entre violência e lugar, defende a mestre em Sociologia Hanna Love em relatório publicado no final de 2021 no site da Brookings – organização de políticas públicas sem fins lucrativos sediada em Washington D.C.

Partindo da realidade dos municípios dos Estados Unidos, o levantamento investiga de maneira mais ampla os fatores relacionados aos ambientes urbanos que influenciam a criminalidade e também as abordagens não carcerárias que podem ser implementadas para ajudar a diminui-la. Baseada em décadas de estudos sobre o tema, Hanna – que é pesquisadora da Brookings – assinala que a violência nas localidades norte-americanas está concentrada espacialmente, ocorrendo de forma desproporcional em bairros sem investimentos e de alta pobreza. “E dentro desses lugares, ela acontece em ruas específicas”, acrescenta.

Ela salienta ainda que nessas comunidades a quantidade de pessoas de cor (termo usado naquele país para descrever afro-americanos, latinos, asiáticos e nativos-americanos) é muito maior, assim como as desvantagens estruturais: elevado desemprego, pobreza e menor nível educacional. Ela salienta que um levantamento com 103 grandes áreas metropolitanas dos Estados Unidos apurou que, entre 1970 e 2010, a segregação racial aumentou expressivamente o risco de pessoas negras serem vítimas de homicídio. Além disso, muitos outros relatórios averiguados por ela apontam que pobreza, habitações densamente lotadas, alta densidade de estabelecimentos de venda de bebidas alcóolicas, execuções hipotecárias e prédios e terrenos abandonados estão diretamente associados a índices mais elevados de violência.

Os impactos desse cenário vão além do incremento da criminalidade nesses bairros e têm reflexos no crescimento do número de mortes por doenças ligadas ao estresse e na maior possibilidade de partos prematuros e dos cidadãos se retirarem da vida social e cívica dessas comunidades. Segundo a socióloga, para lidar com os crimes espacialmente concentrados, é preciso apoiar e investir nos lugares em maior risco.

Soluções para violência passam pela recuperação dos bairros e criação de terceiros lugares

O estudo de Hanna Love analisa como o ambiente construído, as desvantagens econômicas, a falta de interação social e a inexistência de organizações civis e comunitárias nos bairros influenciam a ocorrência de crimes violentos e que medidas não carcerárias podem ser adotadas para aumentar a segurança das pessoas. No que se refere ao espaço edificado, a socióloga informa que inúmeros levantamentos revelam que a reforma de moradias, prédios, terrenos e lotes abandonados em localidades sem investimentos diminuem fortemente as taxas de violência.

Na Filadélfia (Pensilvânia), exemplifica, pesquisadores verificaram que “reparos em casas de proprietários de baixa renda em comunidades de maioria negra estavam ligados a uma redução de 21,9% no total de crimes”. Já a transformação e limpeza de terrenos baldios localizados em bairros de alta pobreza da cidade resultou em uma queda de 29% nos índices de delitos violentos. Conforme Hanna, essa informação ressalta a necessidade de planejadores urbanos compreenderem a relação entre violência armada e as condições físicas de uma região. E assim criarem ruas com iluminação, fachadas ativas, parques, incentivarem o uso misto do solo e darem nova função para os lotes abandonados como uma maneira de desenvolver não só lugares melhores, mas cidades para as pessoas mais seguras e prósperas.

Essa visão mais abrangente sobre a criminalidade e suas causas vêm levando algumas comunidades a mudarem as suas práticas. Em Brownsville, no Brooklyn (Nova York), jovens estão se engajando em atividades de placemaking, mapeando os seus níveis de segurança em suas vizinhança e apresentando propostas criativas para diminuir a violência. Mas, não é só o lugar que impacta na escalada dos crimes. A ausência de oportunidades e a desigualdade de renda são fatores relevantes nessa equação. Hanna comenta que há provas que programas de geração de emprego para jovens, incluindo iniciativas durante o verão, podem reduzir o envolvimento desses cidadãos em delitos em 35% a 45%.

Indianápolis (Indiana), cita a pesquisadora, reformulou os subsídios de segurança para financiar organizações comunitárias nos bairros de maior criminalidade, com recursos para treinamentos profissionais, orientação e projetos de habitação. No entanto, ela destaca que não basta capacitar a força de trabalho, é preciso elevar as oportunidades econômicas e a conectividade dentro das localidades e entre elas.

O sentimento de pertencimento ao lugar e a existência de espaços qualificados para o convívio entre vizinhos são outros elementos essenciais para diminuir as taxas de violência, de acordo com o relatório de Hanna. Contar com mais ambientes para o contato informal entre as pessoas está associado, ainda, a uma maior sensação de segurança nas áreas urbanas. Diante disso, a socióloga reforça a importância do investimento em terceiros lugares, como cafés, restaurantes, praças, parques e centros, em regiões que não têm acesso a eles para auxiliar na prevenção ao crime. Nesse sentido, Baltimore (Maryland) está treinando bibliotecários para reduzir conflitos e dar suporte a residentes que sofrem trauma devido aos altos índices de violência. A expectativa é garantir que esses pontos sigam como espaços seguros para os moradores.

Por fim, Hanna pontua que a maioria das ações locais não carcerárias exige lideranças e o envolvimento de organizações comunitárias e cívicas. Estudo do sociólogo Patrick Sharkey, da Universidade de Princeton, mostrou que em qualquer município com mais de 100 mil habitantes, “cada nova entidade formada para enfrentar a criminalidade e construir bairros mais fortes levou a uma queda de cerca de 1% nos delitos violentos e assassinatos”.

Mudanças no espaço urbano transformam Medellín e diminuem criminalidade

Marcada pelo narcotráfico comandado por Pablo Escobar, Medellín (Colômbia) começou a virar a página do seu passado brutal – ela chegou na década de 1990 a ser considerada a cidade mais violenta do mundo – quando uma série de qualificações foram realizadas nas comunidades mais afetadas pelo crime e pela falta de estrutura e de oportunidades. A mobilidade foi um dos primeiros segmentos a ser aprimorado, permitindo que as pessoas pudessem se locomover com segurança e mais facilidade de suas casas até o trabalho, comércio, serviços e o lazer.

A recuperação da Comuna 13, viabilizada através do programa Projetos Urbanos Integrais (PUI), foi coordenada pelo arquiteto colombiano Gustavo Restrepo e iniciou as alterações no município em 2004. Entre as iniciativas concretizadas está a instalação de 12 escadas rolantes (seis para subir e outras seis para descer) no bairro, que atendem a cerca de 12 mil cidadãos. O trajeto, que fica em um morro, equivale ao deslocamento em um prédio de 16 andares e uma extensão total de 384 metros, segundo a prefeitura local. As medidas abrangeram também o alargamento das vias, construção de um teleférico para conectar a região a outras e ações para tratar os resíduos sólidos.

Um dos símbolos do trabalho efetuado em Medellín são os parques-bibliotecas erguidos em distintas áreas da Comuna 13 – edifícios coloridos pensados como lugares para a convivência social e para o desenvolvimento cultural e educacional. Com as melhorias ao longo dos anos, o bairro acabou por se tornar um ponto turístico devido à arte urbana que surgiu na região. Restrepo, que esteve no Brasil em diferentes oportunidades, participando de eventos, disse em entrevista para o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU/BR), que a solução encontrada em seu país foi elaborada a partir da realidade e das particularidades daquela comunidade. Por isso, repeti-la em outra cidade não é garantia de que os mesmos resultados sejam obtidos, uma vez que mudam os contextos e as demandas. “O que se deve copiar é a metodologia”, frisou. A formação de uma nova cultura cidadã foi fundamental para que o plano de desenvolvimento urbano desse certo, complementou o arquiteto.

Experiência colombiana inspira programa de combate à violência em Recife

Os parques-bibliotecas de Medellín foram a base para a criação do Centro Comunitário da Paz (Compaz) da capital pernambucana, que tem como focos a prevenção à criminalidade, inclusão social e o fortalecimento comunitário, como detalha o site da prefeitura municipal. Ligado à secretaria de Segurança Urbana da cidade, o Compaz inaugurou a sua primeira unidade em 2016 no bairro do Alto Santa Terezinha, na Zona Norte do Recife. No Compaz Governador Eduardo Campos são disponibilizados para as mais de 14 mil pessoas cadastradas diversos serviços, atividades esportivas, com destaque para as artes marciais, e uma biblioteca com cerca de 15 mil livros.

No ano seguinte, foi aberto o centro Escritor Ariano Suassuna, na localidade do Cordeiro, na área Oeste da capital de Pernambuco. O espaço permite que os moradores da região resolvam problemas relacionados com documentação, orientações jurídicas, mediação de conflitos e informações sobre assistência social. Nesse Compaz, uma das metas principais é a capacitação dos participantes para a geração de renda. A estrutura, que tem mais de 18 mil residentes cadastrados, conta ainda com quadra de tênis e poliesportiva e uma biblioteca, onde são realizadas inúmeras ações lúdicas e interativas – há computadores com acesso à Internet e sala de estudos no lugar.

Dados da secretaria de Defesa Social do estado demonstram que em um raio de um quilômetro do Compaz Ariano Suassuna o índice de Crimes Violentos Letais e Intencionais (CVLI) reduziu 35% em 2018 em relação a 2017. Já no Compaz Governador Eduardo Campos, o CVLI caiu 27,3% na comparação entre 2016 e 2017. Além desses dois centros, estão em funcionamento o Compaz Miguel Arraes, em Caxangá, e o Compaz Dom Hélder Câmara, no bairro Coque, inaugurados, respectivamente, em 2019 e 2020. A expectativa é que outros quatro sejam construídos, conforme matéria do Jornal do Commercio.

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