Densidade suave

A Densidade suave muda as restrições de zoneamento das cidades, permitindo a construção de residências médias, sendo uma das soluções adotadas por municípios dos Estados Unidos e Europa para combater a crise habitacional e reduzir a segregação racial e econômica.

As localidades densas e compactas são pesquisadas e defendidas por planejadores e desenvolvedores urbanos há anos por seus reflexos positivos na qualidade de vida das pessoas, que ficam menos dependentes dos carros já que passam a morar mais perto do trabalho, serviços e lazer e veem o tempo dos seus trajetos diários diminuírem significativamente, assim como a poluição ambiental. Apesar das vantagens dessa forma de pensar as cidades, adensar os bairros – em especial aqueles tradicionalmente voltados para casas unifamiliares – é um desafio para municípios que enfrentam a escassez de habitações e as barreiras para alterar leis que mantêm a segregação racial e econômica em seus territórios.

Para agregar mais residências em regiões em que grandes lotes de terra são ocupados por imóveis destinados para apenas uma família, como nos subúrbios norte-americanos e europeus e em comunidades mais ricas, muitas localidades estão acabando com as restrições de zoneamento e possibilitando a edificação de unidades de porte médio – como duplex, triplex e casas geminadas – nessas áreas. Chamada de densidade suave (gentle density) pelo urbanista canadense Brent Toderian, a medida surge como uma alternativa aos arranha-céus para diversificar os bairros e facilitar o acesso dos indivíduos à moradia, assim como aumentar a densidade populacional nesses pontos das cidades, muitos deles próximos aos centros e com melhor infraestrutura.

Segundo Toderian, que foi presidente e fundador do Conselho de Urbanismo do Canadá (CanU), essa solução permite introduzir mais habitações voltadas para a rua e de uso misto (com opções de residências para duas ou três famílias ou pequenos prédios para quatro ou seis famílias) em espaços já edificados, sem a necessidade de desperdiçar o estoque de imóveis existente e com escala e características arquitetônicas semelhantes às presentes na região – o que reduz a resistência da vizinhança em relação às modificações que serão realizadas. Acrescentar mais unidades em comunidades unifamiliares também torna viável que mais cidadãos se mudem para essas áreas e que ocorra uma diminuição nos preços das moradias, uma vez que elas serão menores e os custos dos terrenos serão divididos entre mais proprietários, como destaca artigo da Brookings, instituição de políticas públicas sem fins lucrativos sediada em Washington D.C. (EUA).

Mais habitantes nos bairros de baixa densidade podem auxiliar ainda o comércio local, como restaurantes, padarias, farmácias e ferragens, que dependem da circulação de pedestres, aponta o levantamento da Brookings. A proximidade das residências dessas comodidades faz com que um número maior de pessoas escolha caminhar ou pedalar até elas, deixando os automóveis nas garagens e contribuindo para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. A matéria faz uma ressalva que, apesar da densidade suave diminuir a dimensão dos quintais dos imóveis, um bom paisagismo, telhados verdes e outras iniciativas podem compensar o contato com a natureza e espaços abertos.

Esse conceito de desenhar os municípios, que foi nomeado como Missing Middle Housing (Casas Médias Desaparecidas) pelo arquiteto e urbanista Daniel Parolek, fundador da Opticos Design, viabiliza ainda uma correspondência mais adequada entre o tamanho das unidades e das famílias. Conforme o artigo, erguer moradias pequenas, incluindo apartamentos adaptados para idosos, liberaria o estoque de casas unifamiliares para quem tem crianças e para famílias multigeracionais. Além disso, criar mais habitações em comunidades até então exclusivas gera novas oportunidades econômicas, pois essas áreas são mais caras exatamente por estarem perto de núcleos de trabalho, redes de transporte e saúde, escolas e parques. “A densidade suave é uma maneira relativamente fácil de democratizar nossas cidades”, afirma o texto da Brookings.

Minneapolis permite construção de duplex e triplex em zonas unifamiliares desde 2018

Um dos primeiros grandes municípios norte-americanos a alterar a legislação para proibir o zoneamento unifamiliar, Minneapolis (Minnesota) liberou a densidade suave em quase todas as regiões da localidade há quatro anos. A movimentação foi, de acordo com reportagem do New York Times, uma resposta à “crise de residências populares e uma forma de enfrentar o histórico de práticas racistas de habitação”. Desde 2018, a edificação de duplex e triplex é autorizada na maior parte da cidade, inclusive onde antes as regras de zoneamento permitiam somente imóveis para uma única família.

A ação integra um plano maior do governo local, o Minneapolis 2040, que prevê uma série de medidas para impulsionar a cidade para o futuro, abrangendo questões como moradia, trabalho, igualdade racial e mudanças climáticas. Antes da modificação da lei, em cerca de 70% dos terrenos residenciais do município era permitido erguer apenas casas unifamiliares isoladas, informa reportagem da rede de notícias Newsy. Segundo a matéria do início desse ano, o número de novos duplex e triplex ainda é pequeno em comparação com o tamanho de Minneapolis, que tem mais de 430 mil habitantes.

Nos últimos dez anos, a localidade viu a população crescer mais de 12%, incremento que não foi acompanhado no mesmo ritmo pelo setor imobiliário. Conforme a Newsy, a área metropolitana do município registra o pior déficit habitacional dos Estados Unidos, resultando em elevação dos aluguéis e dos custos das residências. Para tentar reverter o cenário e facilitar o acesso das pessoas à moradia, a prefeitura, além do projeto Minneapolis 2040 e do fim do zoneamento unifamiliar, estabeleceu uma estratégia para incentivar a edificação de imóveis médios, que podem variar de quatro a 20 unidades. As alterações envolveram ainda os projetos de maior porte, que contam agora com regulamentos mais claros e maior grau de previsibilidade.

Cidades de diversos países apostam na densidade suave para reduzir escassez de habitações

A falta de moradias e os gastos elevados para comprar ou alugar um imóvel são alguns dos maiores problemas que os municípios precisam lidar no contexto atual, incluindo o Brasil. Lugares como Toronto (Canadá), Londres (Inglaterra) e Belfast (Irlanda do Norte), por exemplo, têm buscado alternativas para reduzir os efeitos desse cenário e investido na densidade suave como o meio do caminho para disponibilizar mais residências em todo o seu território, em especial naqueles lugares que estão melhor localizados e são mais estruturados.

Em editorial do início desse ano, o jornal The Star, de Toronto, apontou a necessidade de introduzir mais unidades de médio porte para atender à necessidade por habitações com valores acessíveis. “Simplesmente não estamos construindo casas suficientes para acompanhar nossa população em rápido crescimento. A oferta está muito atrás da demanda e o resultado inevitável são os preços mais altos”, relata o texto. Na província de Ontário, onde fica a cidade, os valores das moradias triplicaram na última década, tornando a residência própria fora do alcance de uma geração inteira, descreve o jornal.

Em Toronto, em torno de 70% das terras foram zoneadas como unifamiliares, ressalta o veículo, o que impede que duplex e pequenos prédios de apartamentos sejam edificados em grande parte do município. O impacto dessas restrições é que a região de Ontário está erguendo aproximadamente 75 mil habitações novas por ano, o que fica aquém do necessário. O The Star analisa ainda que a densidade suave, com a permissão da lei para construir até quatro unidades em lotes de bairros unifamiliares, é uma política mais adequada para os dias de hoje, quando as localidades vivem períodos de intensa expansão. Por fim, o editorial defende que o fim das restrições de zoneamento seria uma estratégia para diminuir a escassez de residências de Ontário como um todo.

O assunto foi debatido também em reunião especial do grupo Parlamentar de Todos os Partidos de Londres (All-Party Paliamentary Group – APPG), no final de 2021, como indica artigo publicado no site do escritório de arquitetura New London Architecture (NLA). De acordo com o NLA, os subúrbios londrinos devem aproveitar o momento para transformar suas áreas em lugares mais “resilientes, sustentáveis e adaptáveis à cidade, enfrentando o domínio do carro e empregando densidade suave no processo”. Durante o encontro, os deputados ouviram opiniões de diversos grupos ligados à moradia, que lembram as discussões de longa data sobre o caráter dos subúrbios e suas relações com o espaço urbano e o centro da capital inglesa.

O diretor-fundador da Create Streets, Nicholas Boys Smith, sugeriu que mais densidade suave seja empregada nesses bairros, entregando um número maior de habitações sem ocupar muita terra. Ele definiu ainda essa forma de repensar os municípios como “densidade Cachinhos Dourados – nem muito grande, nem muito pequena, apenas a tigela de mingau do tamanho certo”, em uma referência ao conto infantil. Smith enfatizou que a Create Streets vem trabalhando para desenvolver localidades “de densidade suave, populares, caminháveis, bonitas e saudáveis” fora de Londres.

A importância e a relevância do tema levaram ainda a Queen’s University e o laboratório de pesquisa Street Space do curso de Arquitetura da universidade, com o apoio do Departamento para Comunidades do governo de Belfast, a publicarem em 2021 um estudo sobre densidade suave e como ela poderia ser aplicada na cidade da Irlanda do Norte e suas vantagens. O relatório avalia que é possível estimular esse formato de edificação de residências em lugares já existentes evitando a demolição de qualquer estoque de imóveis. Para isso, seriam utilizados espaços vagos para aumentar a densidade dos bairros sem grande impacto no cotidiano da área.

Segundo o documento, mesmo sem o conceito ter sido inserido formalmente ao vocabulário acadêmico, ele é cada vez mais usado por urbanistas, arquitetos, planejadores urbanos e formuladores de políticas públicas como uma ferramenta para “impulsionar o preenchimento de uso misto e o adensamento de comunidades prontas”. O levantamento revela também que as unidades de porte médio são adequadas para moradia social e privada no Reino Unido e podem ser vantajosas para Belfast, que devido à baixa densidade dos empreendimentos imobiliários impulsionou o espraiamento do município e a dependência dos automóveis no último meio século.

Hoje, a cidade é uma das que mais precisa dos veículos para os deslocamentos na nação (que abrange Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte), com mais de 80% das viagens realizadas de carro. Além da independência dos automóveis e da consequente melhoria dos índices ambientais, adotar a densidade suave possibilitaria adicionar mais habitações, inclusive reduzindo os preços e os custos dos imóveis.

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