Surgido nos anos 1970, o movimento NIMBY posiciona-se contra projetos de novas residências em diversas localidades do mundo, dificultando o acesso a imóveis em bairros estruturados, a diversificação das comunidades e seu crescimento econômico.
Para manter as regiões onde vivem com suas características inalteradas, grupos de NIMBY (Não no Meu Jardim, em tradução do inglês) têm impedido a edificação de mais habitações em áreas com infraestrutura qualificada de escolas, parques, comércio, trabalho e lazer. Em consequência, prejudicam o desenvolvimento dos municípios e acentuando a crise de moradias registrada em muitos países, incluindo o Brasil. Com justificativas que vão desde a manutenção da arquitetura e das condições de luz e ventilação das casas até a falta de estacionamentos nas ruas e o aumento dos congestionamentos, os integrantes desse movimento vêm travando batalhas – e ganhando muitas delas – contra novos empreendimentos imobiliários que agregariam unidades mais acessíveis, diversificando os bairros social e economicamente.
Além de atrapalhar a construção de um número maior de imóveis, piorando a escassez mundial de residências, e a abertura de diferentes negócios, o posicionamento dos NIMBYs reflete no tamanho e na forma das cidades e nas emissões de gases de efeito estufa, como relata matéria da revista The Atlantic. Ao dificultar que mais habitações sejam erguidas em comunidades ricas em oportunidades, a oferta de moradias é reduzida e, com a alta demanda, os valores sobem obrigando as pessoas a se mudarem para regiões mais distantes dos centros urbanos, em lugares com uma rede menos eficiente de transporte, educação, saúde e entretenimento. Dessa forma, as localidades vão se espalhando, avançado sobre áreas verdes e elevando a dependência dos carros e, consequentemente, piorando a poluição ambiental.
As restrições de zoneamento dos municípios, que proíbem a edificação de casas multifamiliares em muitos bairros, acabam também aumentando os custos de construção e prolongando os prazos dos empreendimentos. A reportagem da The Atlantic exemplifica que um projeto que sairia 250 mil dólares na zona rural do Texas poderia chegar a 750 mil dólares se fosse realizado em São Francisco (Califórnia). O tempo de aprovação dos complexos é outro fator que costuma ser mais demorado na cidade californiana em comparação com os demais pontos dos Estados Unidos, podendo levar a anos de espera ou até mesmo à descontinuidade de iniciativas.
“Em São Francisco, em vez de regras claras, onde um desenvolvedor sabe o que tem permissão para edificar em um determinado local, tudo é uma negociação e cada empreendimento prossegue em uma base ‘ad hoc’ (com a intenção de legitimar uma teoria existente)”, ressaltou à revista a economista de Habitação da instituição Brookings, Jenny Schuetz. Segundo a publicação, a participação de uma pequena parcela da população, através dos grupos de NIMBY, em debates sobre os rumos dos municípios tem gerado resultados “profundamente regressivos”.
A falta de conhecimento sobre as reuniões que discutem o futuro das comunidades e o pouco engajamento de cidadãos que não são afetados diretamente pelos novos complexos são destacados pela The Atlantic como facilitadores da atuação dos NIMBYs. Porém, em São Francisco esse cenário está sendo transformado há cerca de quatro anos – desde que o desenvolvedor de software, Robert Fruchtman, passou a documentar esses encontros e a transmiti-los ao vivo pelo seu perfil no Twitter. “As pessoas simplesmente não têm ideia do que acontece nessas audiências públicas, na maioria das vezes. Você não ouve sobre isso, exceto trechos que ocasionalmente são notícias”, enfatizou Fruchtman em entrevista para a revista.
Voluntário de um YIMBY (Sim no Meu Quintal) da cidade, ele já acompanhou dezenas de reuniões, envolvendo desde projetos residenciais de maior porte até a instalação de pequenos negócios em quadras de bairros onde já havia estabelecimentos. O interesse de Fruchtman pela questão surgiu de sua própria experiência ao se mudar para a localidade por causa de um emprego no Vale do Silício e a dificuldade que teve para encontrar um imóvel para morar.
Conforme a The Atlantic, São Francisco, assim como outros municípios da Califórnia, toma muitas de suas decisões sobre desenvolvimento imobiliário a partir da participação comunitária. Isso faz com que construtores, empresários e proprietários de terrenos não tenham o direito de fazer o que querem em suas terras, precisando da aprovação das prefeituras e de seus vizinhos para colocar em prática suas ações. No entanto, a publicação indica que o movimento NIMBY está começando a retroceder no Estado, principalmente, por causa do ativismo e da eleição de funcionários ligados ao YIMBY para cargos públicos, o que têm resultado na simplificação de processos de licenciamento e na revisão de leis.
Em setembro de 2021, a Califórnia aprovou o fim do zoneamento unifamiliar em todo o seu território, abrindo a possibilidade para a construção de até quatro moradias na maioria dos seus bairros. Medida essa que deve levar à edificação de 714 mil habitações nos próximos anos, como mostra matéria do nosso portal, diminuindo a escassez de imóveis e os preços para compra e aluguel de unidades.
Origem e quem são os participantes do NIMBY
O termo NIMBY foi utilizado pela primeira vez na década de 1970 por cidadãos de baixa e média renda que lutavam por justiça ambiental, explicou a historiadora da Universidade de Nova York, Kim Phillips-Fein, em entrevista para a rádio WNYC. Kim contou que a expressão estava ligada a grupos que tentavam impedir a “construção de instalações que poderiam trazer produtos químicos e contaminantes perigosos para suas comunidades”.
A partir dos anos 1980, o uso da palavra começou a mudar e passou a identificar o movimento de residentes ativos e conectados que protestam contra novas propostas de desenvolvimento em suas áreas, como define artigo do jornal da Habitação e do Ambiente Construído, publicado no site da Springer – que reúne estudos, livros, pesquisas e textos de diferentes campos de conhecimento. Ainda de acordo com a matéria, “os interesses (e medos) do NIMBY incluem: preservar o status de classe, excluindo famílias de baixa renda, limitar a competição por estacionamento e vagas nas escolas, preservar vistas e espaços abertos e proteger os valores das casas”.
Já a reportagem da The Atlantic assinala que as pessoas com “tempo e energia para comparecer às reuniões de bairro são desproporcionalmente brancas, velhas e ricas”. A tendência é de que a maioria dos participantes desses encontros seja também conservadora, no sentido de que “gostam das coisas do jeito que são e não querem ver prédios de 19 unidades (por exemplo) sendo erguidos em suas regiões”. Mesmo as audiências públicas em comunidades bastante diversificadas são dominadas por brancos que se opõem a novas unidades, distorcendo a oferta habitacional, frisa a revista.
Argumentos econômicos podem reverter a opinião de quem se opõe à edificação de imóveis em seus bairros
O crescimento da ação de grupos de YIMBY em conjunto com o maior envolvimento nas discussões sobre novos empreendimentos imobiliários têm levado muitos indivíduos a perceberem o tamanho da crise de moradias vivenciada por muitos países. No entanto, apenas essas frentes de atuação não vêm sendo suficientes para garantir a construção de mais residências. A pesquisa Data for Progress/Vox, realizada em 2021 com mais de 1,5 mil habitantes dos Estados Unidos, demonstrou que fatores econômicos tendem a elevar o apoio de prováveis eleitores às alterações nas leis de zoneamento para permitir que casas multifamiliares sejam erguidas em suas comunidades e municípios, expõe reportagem do site de notícias Vox.
O levantamento revelou ainda que sobe em 10 pontos percentuais a aprovação de modificações nas restrições de edificação quando elas são combinadas a argumentos de desenvolvimento econômico do que em relação aos de justiça racial, inclusive com menos opositores. A matéria reforça que em um momento em que a disponibilidade de imóveis nos Estados Unidos atinge os piores índices, com milhões de cidadãos perdendo a esperança de conseguir um lugar acessível para alugar ou comprar, as modificações na legislação tornam-se fundamentais.
O bloqueio a novos empreendimentos em determinados bairros de residências unifamiliares está associando a regras criadas para “impedir que pessoas de cor, e em particular negros americanos, possam viver em comunidades que oferecem mais oportunidades”, afirma a reportagem. A Vox ressalta também que as regulamentações impostas na maioria dos estados inviabilizam construções multifamiliares, de diversos tamanhos, devido aos custos envolvidos. Essas são algumas das razões listadas pela matéria que explicam o atual panorama habitacional do país.
Conforme a Associação Nacional de Corretores de Imóveis, no final de 2020, havia somente 1,9 mês de disponibilidade de moradias nos Estados Unidos, o que significava que em pouco menos de dois meses, caso nenhuma unidade fosse colocada no mercado, o estoque se esgotaria. Por isso, convencer o maior número de pessoas sobre a importância de erguer mais imóveis é essencial para garantir o futuro econômico das cidades, analisa a reportagem. Na pesquisa Data for Progress/Vox foi identificado que 44% dos entrevistados são favoráveis a mudar as leis de zoneamento por motivos de justiça racial. Porém, o percentual de opositores se mostra quase o mesmo, alcançando os 43%.
Já quando a pergunta relaciona a alteração das restrições de edificação com crescimento econômico, o que possibilitaria que mais norte-americanos pudessem ter acesso à habitação, o apoio à iniciativa chegou a 47% e a oposição caiu para 37%. A investigação apurou ainda que a população mais velha é mais resistente às transformações, com o suporte de cerca de 40% dos indivíduos com mais de 45 anos, enquanto os mais jovens, com menos de 45 anos, atingem índices de 54 a 59% de apoio ao fim dos zoneamentos exclusivos. Para a Vox, isso reflete a divisão entre aqueles que possuem suas próprias casas – em geral público mais idoso – e aquele que veem essa possibilidade cada vez mais fora do seu alcance: as gerações mais novas.
Além dos argumentos econômicos, regiões da Europa e da Austrália, que também enfrentam o déficit de residências, estão mobilizando os seus governos locais para tentar reverter os efeitos negativos dos NIMBYs através do incentivo à participação pública na definição das políticas de moradia. Dessa maneira, esses países buscam tornar os processos mais transparentes e simples e evitar que os projetos sejam debatidos quando o pedido para a sua realização é formalizado, acrescenta artigo do jornal da Habitação e do Ambiente Construído.
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