A escassez de imóveis em localidades com infraestrutura qualificada e oferta de empregos e o preço elevado das unidades têm levado moradores de diversos países, inclusive do Brasil, a se mobilizarem pela edificação de mais residências, pela alta densidade e pela revisão das leis de zoneamento para reverter esse cenário.
Conhecida por seus bondes, pela ponte Golden Gate, ladeiras acentuadas e pelo hub de empresas de tecnologia instalado em sua região, São Francisco, na Califórnia (EUA), é famosa também por ser um dos municípios norte-americanos com os aluguéis mais caros do país. A cidade não tem conseguido, ao longo dos anos, construir moradias na mesma velocidade com que crescem os empregos, tornando mais difícil para as pessoas que desejam viver na localidade encontrar imóveis disponíveis ou com valores mais acessíveis, como descreve reportagem do jornal The Guardian. É nesse contexto que nasce o movimento YIMBY, sigla em inglês que significa “Sim no Meu Jardim”, que defende a edificação de mais casas como solução para a crise habitacional.
Formados por residentes antigos e recém-chegados que se apresentam como pró-moradia e apoiam o desenvolvimento de municípios mais inclusivos, os grupos de YIMBY surgem ainda em oposição ao NIMBY, “Não no Meu Jardim”, que tem combatido a realização de uma série de empreendimentos em seus bairros. O termo NIMBY aparece pela primeira vez no início dos anos 1980 em uma matéria do The New York Times relatando a batalha entre agricultores do estado do Colorado contra a colocação de um depósito para resíduos perigosos perto de suas terras, recorda artigo da escritora Karrie Jacobs na revista Curbed. Já o “Sim no Meu Jardim” é mais recente e ganhou impulso a partir de 2010.
Com uma visão para o futuro das cidades antagônica ao pensamento do NIMBY, os integrantes dos YIMBYs vêm ampliando a sua influência nas políticas habitacionais, especialmente nos Estados Unidos, promovendo alterações em leis federais e estaduais, aponta o empresário do setor imobiliário e turístico e coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante. “Eles estão combatendo o zoneamento excludente (que determina desde o tipo de imóvel que pode ser erguido, o tamanho do terreno até a proibição de unidades multifamiliares), onde indivíduos privilegiados de uma comunidade, geralmente mais rica, querem manter pessoas de diferentes raças ou nível econômico mais baixo fora de suas áreas”, ressalta.
Já no que se refere ao perfil dos participantes desses grupos, Cavalcante detalha que, na maioria dos casos, os YIMBYs são formados por jovens que estão começando suas carreiras e querem viver nos melhores endereços e acabam não conseguindo isso, pois as regras de zoneamento das localidades deixam as residências mais caras. Do outro lado, acrescenta o empresário, os NIMBYs agregam cidadãos mais velhos e que são proprietários de casas grandes e valorizadas. “Vemos um conflito, inclusive, de gerações”, enfatiza.
O movimento YIMBY é “alimentado pela raiva dos jovens adultos da geração millennials, muitos dos quais estão na faixa dos 30 anos” complementa a reportagem do The Guardian. Conforme o jornal, em vez de ficarem lutando – e sofrendo – em silêncio para encontrar um lugar acessível para morar, eles estão indo às reuniões de planejamento de suas cidades para apoiar que mais habitações sejam construídas e eles não precisem buscar um imóvel longe do seu trabalho, do lazer e da família e amigos. Ainda segundo a matéria, a riqueza líquida dos millennials norte-americanos, em 2017, chegava à metade da que seus pais, a geração boomer, tinham quando estavam com a mesma idade, em 1989.
O levantamento foi feito pela Young Invincibles, organização que reúne mais de 500 mil pessoas entre os 18 e 34 anos dos Estados Unidos, que indica também que um jovem adulto acumulou em torno de 29 mil dólares em ativos em comparação com os 61 mil dólares dos boomers na década de 1980. Apesar de ganharem menos, terem mais dívidas universitárias e enfrentarem maiores desafios para comprarem sua casa própria, como salientou o então vice-diretor de Política e Pesquisa da Young Invincibles, Tom Allison, ao The Guardian, os millennials parecem muito mais dispostos a mudarem as regras do jogo.
Os resultados dessa mobilização já começam a aparecer com medidas como a modificação da legislação da Califórnia, que acabou com o zoneamento unifamiliar (que permitia apenas a edificação de uma residência por parcela de terra), aprovada em setembro de 2021 para todo o estado, como destaca o site do Califórnia YIMBI – criado há quatro anos e que conta com mais de 80 mil integrantes. Essa ação, reforça o grupo, possibilitará que 2,2 milhões de novas moradias sejam erguidas na Califórnia. Antes disso, em 2018, Minneapolis, no Minnesota (EUA), liberou a construção de duplex e tríplex em pontos do município onde anteriormente somente casas únicas eram possíveis.
Impedir o espraiamento e adensar as cidades está na pauta do movimento YIMBY
Apesar dos grupos ligados ao YIMBY lidarem com realidades distintas, muitos dos problemas urbanos e relacionados à habitação que permeiam as localidades são os mesmos e passam por bairros com baixa densidade, escassez de imóveis em regiões com infraestrutura, empregos, comércio, serviços e opções de entretenimento e expansão dos municípios. Tanto o YIMBY Action como o São Francisco YIMBY (SF YIMBY), o New York YIMBY e o Londres YIMBY, para citar alguns exemplos, se posicionam a favor da edificação de residências suficientes para atender a todos os públicos que chegam as suas áreas, oportunizando que qualquer indivíduo consiga pagar por uma moradia.
O SF YIMBY argumenta em sua plataforma que para a cidade continuar sendo inovadora e acolhedora é preciso, além de incrementar a oferta de unidades habitacionais em todas as comunidades, aliar adensamento com transporte público de qualidade e facilitar as caminhadas. Os seus participantes defendem também que elevar a densidade traz reflexos positivos para a sustentabilidade e a acessibilidade dos lugares, pois reduz o espraiamento urbano e a pegada de carbono.
Com localidades mais compactas, a dependência dos carros é diminuída e o incentivo a outras formas de mobilidade ganha força, como andar a pé ou pedalar, assim como o trânsito se torna mais eficiente. A menor quantidade de veículos nas vias impacta ainda a emissão de gases de efeitos estufa, que é reduzida, bem como as distâncias a serem percorridas entre casa, emprego e lazer. O aumento dos limites de altura das construções, zoneamento de uso misto e ruas completas – planejadas para que todas as pessoas, de qualquer idade e que se desloquem de maneira diversa, tenham o seu bem-estar garantido, como explica reportagem do ArchDaily – são outros pontos apoiados pelo SF YIMBY.
A escassez de imóveis vem se tornado também uma preocupação maior do governo dos Estados Unidos. Na administração do presidente Barack Obama, 2009 a 2017, foi lançado um Kit de Ferramentas de Desenvolvimento de Habitação para auxiliar os municípios norte-americanos a alterarem os regulamentos muito restritivos de uso da terra para estimular a edificação de novas residências. Já o atual governo de Joe Biden destinou 213 bilhões de dólares dos recursos do seu Plano de Infraestrutura para erguer, preservar e reformar em torno de 2 milhões de moradias nos próximos sete anos. O projeto prevê ainda conceder subsídios para as cidades que flexibilizarem ou eliminarem os seus zoneamentos excludentes. Além disso, através do Programa de Desbloqueio de Possibilidades, serão aportados recursos de 1,75 bilhão de dólares para ajudar as localidades a acabarem com as barreiras desnecessárias à produção de habitações populares, informa a Casa Branca.
YIMBY ultrapassa as fronteiras dos Estados Unidos e chega a outros países, entre eles o Brasil
Da Califórnia, o movimento ganhou fôlego e foi sendo expandido para outras cidades norte-americanas e depois para outras nações, como Canadá, Reino Unido, Polônia, França e Brasil. Nos Estados Unidos, o YIMBY Action, que nasceu para lutar por mais casas em São Francisco, se transformou em uma rede espalhada por todo o país que oferece treinamentos e ferramentas para outros grupos com a mesma concepção para resolver a escassez de imóveis. Já no Reino Unido existe a Alliance YIMBY, que agrega as iniciativas existentes na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.
“No Brasil, há várias pessoas se identificando com a causa do YIMBY e que estão começando a ter impacto nas discussões sobre os municípios e urbanismo. São jovens de diversas áreas que não concordam com a visão dos NIMBYs e vêm combatendo as suas ações através do humor e de argumentos sólidos”, assinala o empresário do setor imobiliário e turístico e coordenador do Somos Cidade, Felipe Cavalcante. Para ele, o movimento veio para ficar e, nos próximos anos, deve registrar um crescimento robusto no País, com novos grupos surgindo.
Entre as capitais nacionais que já contam com atividades nesse sentido estão São Paulo YIMBY, Rio de Janeiro YIMBY e Porto Alegre YIMBY. Assim como as organizações em outras localidades, os integrantes brasileiros acreditam que erguer mais residências é a solução para reverter o atual quadro de falta de moradias e de preços elevados das unidades disponíveis, assim como o adensamento dos bairros, uso misto do solo e a mobilidade ativa (caminhar e pedalar) e transporte coletivo efetivo.
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