caminhabilidade

Caminhabilidade: Locais densos, com usos diversificados, ambientes urbanos qualificados e onde moradia, trabalho, escolas, parques e lazer estão próximos estimulam mais pessoas a fazerem seus trajetos caminhando, tornando os lugares mais acessíveis para públicos com diferentes idades e renda.

Inverter a lógica que orienta o desenvolvimento da maioria dos municípios desde o século passado, tirando o protagonismo dos carros nas cidades e colocando os indivíduos no centro das decisões de planejamento urbano, é o principal objetivo de comunidades e espaços criados a partir do conceito de caminhabilidade. O termo que vem do inglês “walkability” está conectado à capacidade de andar a pé com segurança até o comércio, serviços e outras comodidades instalados a uma curta distância, que leve, em média, 30 minutos ou menos para ser percorrida, como define artigo do Planetizen.

Reduzir a utilização dos automóveis é só uma das características dos locais que adotam essa visão, que está baseada na ideia de que as ruas devem ser muito mais que “apenas corredores projetados para o máximo tráfego de veículos”. A caminhabilidade incentiva a construção de ambientes completos e habitáveis, com alta densidade e variedade de usos, modos de transportes e usuários, segundo o Planetizen. O desenho de lugares para os pedestres contribui tanto para melhorar a experiência das pessoas nos bairros e municípios como para diminuir a expansão das cidades, os congestionamentos das vias e as emissões de gases de efeito estufa.

Além disso, espaços diversos e compactos, com quadras pequenas, também podem trazer vantagens para a saúde e a segurança pública e fomentar comunidades mais interativas e vibrantes, aponta o artigo. Calçadas largas e acessíveis, boa iluminação, bancos, áreas verdes e sombra são elementos que favorecem a caminhabilidade, assim como a limpeza dos locais e a conexão com outros meios de transporte coletivo e ativo – como a bicicleta. Por outro lado, reforça o Planetizen, lugares com separação de usos do solo, que implementam lojas, moradias e empresas longe umas das outras, ruas sem saída e a inexistência de passeios públicos desencorajam os cidadãos a andarem pelos ambientes.

Apesar de ter ganho mais visibilidade a partir dos anos 1990, com a expansão dos princípios do movimento do Novo Urbanismo, a caminhabilidade já era algo defendido pela escritora, jornalista e ativista Jane Jacobs e por outros pensadores das décadas de 1950 e 1960. Conforme esses especialistas, os espaços para serem vivos precisam de pessoas nas vias em distintos horários e de um mix variado de negócios e residências para atender a públicos de faixas etárias e renda diferentes. Apoiador dessa maneira de enxergar as cidades há mais de 25 anos, o urbanista e escritor Jeff Speck afirma que investir em municípios caminháveis traz uma série de vantagens econômicas, sociais e ambientais.

Em entrevista para o site de notícias Vox, Speck comenta que locais mais preparados para os indivíduos circularem a pé, seja através do aprimoramento do espaço urbano ou da edificação de imóveis populares próximos às regiões centrais, contam com valores de propriedades mais altos, geram empregos e atraem uma população diversificada. Levantamento da Agência Metropolitana de Planejamento de Chicago (EUA) identificou que 63% dos millennials (nascidos entre 1981 e 1996) entrevistados gostariam de morar em um endereço onde não precisassem do carro, informa a reportagem do Vox. Já entre os boomers (geração entre 1946 e 1964), esse percentual é de 42%.

Outro fator destacado pelo autor em seu livro “Walkability City Rules: 101 Steps to Making Better Places” (Regras da Cidade Caminhável: 101 passos para fazer lugares melhores), de 2018, é que as administrações municipais têm gastos menores quando as pessoas andam a pé em vez de utilizarem seus automóveis ou até mesmo os meios públicos de locomoção. Speck detalha que se um habitante paga US$ 1,00 em uma viagem de ônibus, isso custa para a cidade US$ 1,50 com a operação desse transporte. Se esse mesmo indivíduo optasse por seu veículo, o custo para a prefeitura seria de US$ 9,20 em serviços como policiamento e ambulâncias. Esse valor cai para um centavo de dólar, de acordo com ele, quando um residente prefere caminhar.

E ao contrário do que pensam muitos comerciantes, pedestres costumam gastar mais dinheiro em bairros em que podem realizar suas atividades a pé, estimulando a economia dessas comunidades. Distintas pesquisas efetuadas sobre esse assunto mostram que clientes que fazem suas viagens caminhando, de bicicleta ou de ônibus são responsáveis pela maior parte do faturamento dos estabelecimentos. Mesmo fazendo compras de menor valor, essas pessoas tendem a frequentar lojas, padarias, farmácias, bares, restaurantes entre outros pontos mais vezes que aqueles que chegam de carro.

Estudo efetuado na Alemanha, em 2020 e publicado em 2021, confirma esse cenário. Segundo o levantamento “Percepção de Negócios Locais versus Comportamento de Mobilidade dos Compradores: uma pesquisa de Berlim”, do Institute for Advanced Sustainability Studies (IASS), de Postdam, mais de 50% dos consumidores chegaram a pé até os estabelecimentos, seguidos por aqueles que usaram o ônibus e trem e depois pelos de bicicleta. Somente 6,6% dos clientes se deslocaram de automóvel. Foram ouvidos 2.019 cidadãos e 145 comerciantes de duas ruas movimentadas e turísticas da capital alemã. Outro dado apurado foi que 51,2% dos frequentadores desses ambientes viviam a menos de um quilômetro deles.

Interação social e promoção da saúde estão entre os motivos para investir em espaços caminháveis

Os benefícios da caminhabilidade vão além dos econômicos, permitindo que um número maior e mais variado de pessoas possa acessar os municípios e se sentir pertencente a um lugar. Para o urbanista e escritor Jeff Speck, autor também de “Walkable City” (Cidade Caminhável), de 2012, mais opções de transporte público associadas a melhores condições para andar a pé podem tornar as comunidades mais justas, com menos desigualdade de renda, e possibilitar que os idosos ganhem autonomia, conseguindo se deslocar por seus bairros e voltando a ter vida social.

A convivência, inclusive, é um aspecto importante dentro do conceito de caminhabilidade e, para isso, a inclusão nos projetos de parques, praças e escolas é vista como fundamental, garantindo a circulação de indivíduos com idades variadas. Em artigo para o Public Square, jornal do Congresso para o Novo Urbanismo (CNU), o escritor e editor da publicação, Robert Steuteville, lista diferentes razões para o estímulo à criação de novos locais caminháveis. Inspirado pela pesquisa “Cities Alive: towards a walking world” (Cidades Vivas: rumo a um mundo caminhante), da Arup – empresa multinacional de engenharia e design –, Steuteville assinalou que morar em um ambiente onde se possa andar a pé incentiva as pessoas a incorporarem a caminhada como uma atividade diária, trazendo vantagens para a saúde física e mental.

As características das ruas podem ainda impactar a vida social dos cidadãos, observa o editor do Public Square. Ele exemplifica com um estudo do designer urbano Donald Appleyard que descobriu que habitantes de vias com trânsito mais lento e leve tinham três vezes mais amigos na vizinhança que aqueles que tinham casa em ruas movimentadas. “Há uma razão pela qual o Novo Urbanismo é conhecido como a arquitetura da comunidade. Em um espaço caminhável, a utilização intensificada das áreas públicas aumenta a frequência de interações entre os indivíduos, construindo laços entre os residentes de um bairro”, salienta.

Colocar as pessoas em primeiro lugar, acrescenta Steuteville, ajuda também a diminuir a velocidade do tráfego, reduzindo acentuadamente o risco de acidentes. Outro ponto ressaltado por ele se refere à segurança nas vias e a percepção de proteção que se tem em locais onde a caminhabilidade é uma realidade. O editor lembra que ambientes qualificados para andar a pé chamam mais pedestres para as calçadas, o que Jane Jacobs denominou de os “olhos da rua”, deixando-as mais dinâmicas e vibrantes. Por fim, ele cita que um município favorável às pessoas tende a apoiar a arte e a cultura em pontos públicos.

Ranking revela melhores cidades para caminhar

Hong Kong (China), Moscou (Rússia), Paris (França), Bogotá (Colômbia) e Londres (Inglaterra) são os cinco lugares onde a maior porcentagem de cidadãos vive a até 100 metros de um parque, praça, escolas, serviços de saúde ou rua para pedestres, indica matéria do jornal The Guardian. Levantamento realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP) avaliou três medidas para construir o ranking dos locais mais caminháveis do mundo.

Além da menor distância entre moradias e comodidades, foram analisados a proporção de pessoas que vivem dentro de um raio de um quilômetro de instituições de ensino e de saúde – critério em que a capital francesa ficou em primeiro – e o tamanho médio dos quarteirões. Esse item foi incluído na pesquisa, pois quadras menores facilitam o deslocamento até o destino dos indivíduos sem desvios em torno de grandes edifícios. Aqui, Cartum (Sudão) recebeu a maior pontuação. Somente Bogotá ficou no top cinco nos três fatores.

O estudo verificou ainda que os municípios norte-americanos tiveram uma classificação particularmente baixa para caminhadas devido à expansão urbana de suas cidades. Nova York, por exemplo, ficou com a 50ª posição entre os lugares que contam com o maior número de pedestres próximos a escolas e hospitais ou clínicas. O relatório traz também evidências de que os espaços onde andar a pé é mais fácil e seguro têm menos poluição do ar, mais tempo para as brincadeiras das crianças, menor índice de mortes nas estradas, melhor desempenho do comércio de bairro e redução da desigualdade.

“Para proporcionar condições de caminhada seguras e convidativas, é essencial mudar o equilíbrio do ambiente em nossas cidades para longe dos carros”, disse ao The Guardian Heather Thompson, chefe do ITDP, sediado em Nova York. Distintas pesquisas reforçam como o desenvolvimento de municípios caminháveis são vantajosos para as pessoas e ajudam a explicar porque o conceito de Cidade de 15 minutos vem ganhando novos adeptos, como Paris.

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